política

Projetos para o país

Inspiradas em indicadores sociais positivos, centrais sindicais comparam projetos de antes e depois da era Lula e ensaiam uma inédita aliança em torno da sucessão do operário

Jailton Garcia

Cinco das seis centrais sindicais estiveram representadas no Pacaembu

Mais de uma vez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu aos dirigentes das centrais sindicais: se vocês vierem divididos, fica difícil atender. Unidas, elas conseguiram conquistas como a correção da tabela de cálculo do Imposto de Renda na fonte e a política de valorização do salário mínimo – que o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, chama de “maior acordo coletivo do mundo”, pela quantidade de pessoas envolvidas. Com base nos indicadores do atual governo – durante o qual foram legalmente reconhecidas –, as centrais sindicais ensaiam uma inédita aliança no processo eleitoral. A maioria delas preparou uma pauta a ser apresentada aos candidatos à Presidência da República, com as principais propostas do movimento sindical para os próximos quatro anos.

Essa pauta foi divulgada no primeiro dia deste mês, em evento no estádio do Pacaembu, em São Paulo, que reuniu representantes de cinco das seis centrais reconhecidas: Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Força Sindical e Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST). A UGT (União Geral dos Trabalhadores) preferiu não participar do ato, chamado por alguns sindicalistas de nova Conclat, referência ao encontro realizado em 1981, em meio ao processo de abertura política em curso no Brasil.

No final da assembleia, o presidente nacional da CUT, Artur Henrique, pôs em votação a chamada agenda da classe trabalhadora, com 249 itens. Entre eles, destaca-se a necessidade de manter políticas de desenvolvimento com distribuição de renda. “Nossa presença ativa no processo e no debate eleitoral deve buscar impedir retrocessos, garantir e ampliar direitos dos trabalhadores/as. Por isso, é fundamental eleger candidatos comprometidos com as bandeiras da classe trabalhadora”, diz o documento aprovado no Pacaembu e que deverá ser encaminhado a todos os candidatos.

Mas os principais dirigentes das centrais não escondem a preferência pela pré-candidata do PT, Dilma Rousseff. A maioria identifica em José Serra, do PSDB, a volta de um período de dificuldades na relação do governo com as organizações de trabalhadores. “Ele não tem diálogo com o movimento social. Fernando Henrique era uma maravilha perto dele”, afirma o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, deputado federal e presidente do PDT em São Paulo. Segundo ele, na direção da Força de 80% a 90% apoiarão Dilma. Se o candidato tucano fosse o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, o sindicalista acredita que a central ficaria dividida.

O presidente da UGT, Ricardo Patah, observa que a entidade decidiu não participar do evento do Pacaembu devido à sua pluralidade. Entre seus dirigentes, há filiados ao DEM, ao PPS (ambos tradicionais coligados ao PSDB) e ao PV (que tem como pré-candidata a senadora Marina Silva). Mas ele mesmo já tem candidato. “Eu sou lulista”, diz Patah, que considera Lula o melhor presidente que o país já teve, “por tirar milhões de pessoas da miséria, pela inclusão no mercado de trabalho, pela valorização do salário mínimo e pelo crescimento econômico acima das expectativas”. Segundo ele, a tendência é que os dirigentes da UGT sejam liberados para apoiar os candidatos que preferirem, decisão já tomada nos Estados.

Regina de GrammontArtur Henrique
Agora é o momento de discutir uma agenda positiva – Artur Henrique – CUT

Projeto

Para o presidente da CTB, Wagner Gomes, independentemente de nomes, a questão é apoiar a continuação de um projeto político. “Antes de Lula, o projeto privilegiava o desmonte do Estado. E o movimento sindical tinha quase nenhuma discussão com o governo”, lembra. “As alianças que o Serra vai ser obrigado a fazer puxam um eventual governo dele para uma volta acentuada ao projeto neoliberal. Na nossa opinião, Serra é a continuidade do governo FHC, quando ficamos patinando durante oito anos”, compara, lembrando que só foi recebido uma vez pelo antecessor de Lula. “Democracia é o oxigênio do movimento social”, diz Gomes, que é da direção nacional do PCdoB. A CTB tem majoritariamente filiados a essa sigla e ao PSB. 

O presidente da CUT acrescenta: “A pior coisa seria ficar em cima do muro. É um erro político grave achar que os projetos políticos em disputa na sociedade brasileira são iguais. É só olhar o que aconteceu na década de 90, quando passamos o tempo todo debatendo resistência, em vez de uma agenda positiva. Naquele momento, só nós restava o direito de espernear”. Para Artur Henrique, que é filiado ao PT, quem tem condições de manter ou ampliar um espaço de diálogo é a pré-candidata do PT. “Antes, éramos tratados como bandidos ou pessoas que não têm papel a cumprir.” Ele lembra, inclusive, que o DEM entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o reconhecimento das centrais. “Isso no mínimo é um ataque à democracia.”

A própria CUT apresentou, em 1º de maio, um documento com mais de 200 propostas em várias áreas, para ser discutido com os candidatos. A chamada plataforma da classe trabalhadora é resultado de meses de debate com todas as instâncias da entidade. Mas a central avaliou que era preciso ampliar ainda mais essa discussão. “A gente percebeu que era necessário que esse conjunto de debates tivesse uma articulação com as demais centrais e com o conjunto dos movimentos sociais. O evento (do Pacaembu) não é para fazer campanha ou decidir quem vai ser apoiado, é para aprovar uma pauta. A principal tarefa é dizer o que nós queremos. O maior desafio é não permitir o retrocesso”, afirma Artur.

Regina de GrammontWagner Gomes
O projeto político deve continuar – Wagner Gomes – CTB

Planejamento

O presidente da CGTB, Antonio Neto, também vê necessidade de dar sequência a um modelo de “desenvolvimento e de democratização do Estado”, em que todos os temas sejam discutidos. “No Brasil, não se fazia um planejamento ou política industrial há 30 anos. Há anos o Brasil não construía um navio”, diz, citando o programa de modernização da frota, que prevê mais de 100 navios até 2014. “Para onde iria esse dinheiro? Para fora do país.” Neto vê um embate claro nessa eleição entre o Estado e o discurso privatista. “Por mais que ele (Serra) se coloque em pele de cordeiro, esse lobo nós conhecemos. Sabemos qual é a estratégia do governo a que ele pertenceu”, afirma Neto, que integra o diretório nacional do PMDB, partido predominante entre os dirigentes da central, que abriga ainda filiados ao PSB, PDT, PTB e PT, entre outros.

Também para Wagner Gomes, da CTB, esse é o debate que deve ser feito. “Nessa recente crise, o Brasil só sentiu menos porque estava com o Estado investindo na economia. Não defendemos o Estado gastador, inchado, mas o indutor da economia. Ninguém defende marajá”, diz.

Mas nem todo o balanço positivo feito pelas centrais nestes últimos sete anos e meio – criação recorde de empregos, políticas públicas, ampliação de espaços de diálogo – faz da era Lula um governo perfeito. Para os dirigentes sindicais, é quase unânime o tom crítico a boa parte da política macroeconômica. “(Henrique) Meirelles (presidente do Banco Central) é um representante do sistema financeiro, dos grandes banqueiros, no governo”, afirma Wagner Gomes. “É possível ter um modelo econômico diferente e crescer”, acrescenta. “Enquanto especular for mais compensador, você não vai ter empresário investindo na produção. Qualquer mau humor do chamado mercado faz o dinheiro ir embora.”

Para Neto, da CGTB, se o Comitê de Política Monetária (Copom) não tivesse aumentado os juros no final de 2008 o Brasil teria menos problemas com a crise. “O Copom mostrou à sociedade que o Brasil estava com medo da crise.” Na área financeira, outra reivindicação ao próximo governo é a participação de representantes dos trabalhadores no Conselho Monetário Nacional (CMN).

Regina de GrammontAntônio Neto
O Brasil não tinha política de planejamento – Antônio Neto – CGTB

Jornada

Além da questão dos juros, Artur Henrique destaca a campanha pela redução da jornada, a luta para que o Brasil seja seguidor da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – por coibir a demissão imotivada, a rotatividade e a informalidade no mercado de trabalho. Há também, segundo ele, pendências na questão agrária. “Os recursos para a agricultura familiar aumentaram, mas ainda temos no Brasil um modelo que privilegia o agronegócio. E até hoje não conseguimos aprovar a PEC (proposta de emenda à Constituição) do trabalho escravo nem a atualização do índice de produtividade da terra”, cita. A PEC contra o trabalho escravo prevê a expropriação de terras onde a prática seja flagrada e o índice de produtividade rural é o utilizado para determinar se a propriedade é improdutiva e deve ser destinada para reforma agrária. Também é momento, acrescenta Artur, de avançar na distribuição da renda. “Os reajustes salariais não conseguem acompanhar os ganhos de produtividade”, diz o cutista.

Para Antonio Neto, os meios de comunicação tratam certos temas com pesos diferentes. “O projeto Ficha Limpa, que é importante, teve 1,6 milhão de assinaturas. Mas o projeto da redução da jornada também teve, e esse a mídia não apoia. E é uma PEC de 15 anos”, compara.

Patah defende ênfase na educação e na qualificação profissional. “Sem isso, os outros pontos dificilmente serão conquistados. “A UGT espera que o próximo presidente, ou presidenta, tenha um compromisso de fazer uma revolução pela educação”, afirma. Inclusive para melhorar a distribuição de renda: “1% da população tem metade da riqueza do país”.

Paulinho, da Força, considera também aumentar a representação dos trabalhadores no Legislativo. “São 53 sindicalistas, 82 ruralistas e 219 empresários, ou seja, 301 contra nós. O Congresso é contra. Eles ganham de nós até na Comissão de Trabalho. Não adianta o Lula estar no poder, ele não faz lei”, observa. “O Congresso só vai ser da sociedade quando houver equilíbrio nas representações. A bancada dos trabalhadores não chega a 10%”, acrescenta Patah.

Essa quase unanimidade entre as centrais não aconteceu na última eleição, em 2006. O presidente da Força, por exemplo, apoiou Geraldo Alckmin (PSDB) no segundo turno – no primeiro, o candidato do PDT foi o senador Cristovam Buarque. “Fiquei até o último dia com ele (Alckmin)”, lembra Paulinho, que fala de um certo estremecimento com o governo principalmente no primeiro mandato de Lula, em especial durante a campanha pela legalização dos bingos. “Mas muita gente na Força apoiou (o governo)”, diz Paulinho. A central tem em sua direção gente ligada ao PDT, ao PSDB (dois vices), ao PMDB e ao DEM.

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Serra não tem diálogo com o movimento social – Paulinho – Força Sindical

Preconceito

Durante a gestão Lula, as centrais também foram “acusadas” de terem sido cooptadas pelo governo, que teria coalhado a administração pública de sindicalistas. “Cooptar é diferente de ter uma relação de respeito, é dizer amém ao governo em troca de absolutamente nada”, reage Wagner Gomes. “E tivemos várias atitudes do governo Lula que beneficiaram os trabalhadores. A relação do governo Lula com os movimentos sociais é democrática”, acrescenta.

O presidente da CUT enxerga nessa crítica desinformação e elevada dose de preconceito. “As pessoas, quando vão para o governo, deixam de ser dirigentes sindicais. Enquanto você está lá, está cumprindo uma função pública. O que está por trás da notícia é insinuar que sindicalista não tem competência. Isso é absolutamente desrespeitoso”, reage. Segundo Artur Henrique, a composição do governo Lula “refletiu a política de alianças”.

Da mesma forma, os dirigentes lembram que o fato de as centrais serem reconhecidas e se alinharem em várias reivindicações não elimina as divergências. Porém, é preciso se unir para ser atendido, conforme recomendação do próprio Lula. “As coisas que temos em comum são maiores do que as que nos dividem”, diz Antonio Neto.

Para Artur, essa percepção começou ainda no Fórum Nacional do Trabalho – criado em 2003 para discutir mudanças na estrutura sindical e na legislação trabalhista. Na ocasião, a bancada dos empresários, apesar de todas as diferenças, iam com posição unificada, diferente da bancada sindical. “Esse foi o estopim de uma maturidade sindical”, diz o cutista, citando ainda a campanha do salário mínimo, que resultou em várias marchas em direção a Brasília. No evento de 1º de junho, o Dieese lançou no Pacaembu uma edição especial de um livro sobre o salário mínimo. “O desafio é manter essa política. Nos 70 anos de salário mínimo, as centrais deram de presente uma política de valorização”, diz o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. No documento aprovado pelas centrais, o primeiro item destaca justamente a necessidade de aprovar no Congresso um projeto de lei que materializa o acordo firmado entre centrais e governo.

 “Essa unidade se estabelece quando o assunto é de interesse geral da classe trabalhadora”, observa o presidente da CUT. “Tudo o que conquistamos foi fruto dessa unidade. Mas continuam as disputas sindicais na base, as diferenças de concepção e prática sindical. Por isso você não vai ver uma marcha pela Convenção 87 (que trata da liberdade e autonomia sindical) ou pelo fim do imposto sindical”, afirma.

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Precisamos de uma revolução na educação – Ricardo Patah – UGT

Enfim, convergências

O entendimento para o qual caminham as centrais sindicais no Brasil no tema eleição presidencial caminha para alcançar um patamar inédito na história. As divergências entre as várias correntes das lutas operárias foram uma marca do século 20. Primeiro esboço de central, em 1908, a Confederação Operária Brasileira (COB), de orientação anarquista, durou pouco mais de uma década. Nos anos 1920, começa a crescer a influência dos comunistas, culminando com a criação do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), nos anos 1940, e do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1962, dissolvida pelo golpe de 1964 antes de obter reconhecimento oficial.

Em 1981, o país caminhava para a redemocratização e o movimento sindical, para uma restruturação. A 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) foi realizada em agosto daquele ano, em Praia Grande (SP), sob o governo do último presidente-general, João Baptista Figueiredo. Dois anos antes havia sido aprovada a Lei de Anistia. O movimento sindical se manifestava após longo período de repressão. A economia andava mal das pernas: o PIB de 1981 foi o primeiro negativo da história (-4,3%).

Na Conclat de 1981 ainda não existiam centrais. Com mais de 5 mil representantes de entidades, discutia-se justamente a criação de uma. A proposta predominava, mas havia, para variar, muitas divergências quanto à concretização. Em 1983, um novo Conclat – novamente com 5 mil delegados, mas dessa vez como “congresso” em vez de “conferência” – funda a CUT, em São Bernardo do Campo. Em 1986, seria criada a CGT – que se dividiu três anos depois, originando a CGTB. Em 1991, veio a Força Sindical.

Além de CGTB, CUT e Força, estão reconhecidas legalmente como centrais a NCST (surgida em 2005), a CTB, formada por um setor saído da CUT em 2007, e a UGT, a partir da fusão, também em 2007, da CGT (aquela de 1986), a Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT) e a Social Democracia Sindical (SDS).