Não tem almoço grátis
A opção de priorizar o PMDB na construção de alianças para a sucessão de Lula tem custos. Mas, agora, o PT aparece mais unitário do que nunca ao aceitar a possibilidade
Publicado 04/04/2013 - 12h28
Casamento sem amor: Aliado no governo Lula, PMDB de Temer que mais peso
Quando Luiz Inácio Lula da Silva entregar a faixa presidencial a seu sucessor, em 1º de janeiro de 2011, será o mais popular titular do cargo a fazê-lo, à frente do governo com maior aprovação desde a redemocratização. Nos dois mandatos do primeiro governo encabeçado por uma liderança surgida de setores populares, a maior parte da população percebeu avanços – expressos na aprovação à gestão. Na busca por fazer o sucessor, Lula e o PT optaram por reforçar a relação com o PMDB, o maior partido da coalizão que sustenta o governo no Congresso. Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, é a pré-candidata da situação, e seu vice deve ser indicado pelos peemedebistas.
Em 2002, quando o escolhido para compor a chapa com Lula foi José Alencar, empresário mineiro do setor têxtil, o PT dividiu-se, e o encontro nacional da legenda teve dificuldades para aprovar o nome do então filiado ao Partido Liberal (PL). Em 2010, no IV Congresso do PT, o pré-acordo definido com o PMDB foi aclamado por unanimidade pelos filiados. Mais: dos sete candidatos nas eleições internas do partido, em novembro do ano passado, apenas dois questionavam a parceria. Juntos, tiveram 1,7% dos 500 mil votos. Diferenças consideráveis.
“O PT já aprendeu a conviver com a coalizão”, vaticina Antônio Queiroz, assessor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “No primeiro mandato (de Lula), o PT era hegemônico na administração pública. Houve tantos problemas na disputa com os parceiros que, no segundo mandato, o presidente optou pelo caminho de entregar a gerência de determinados ministérios a partidos aliados, incluindo o próprio PT, mas a pessoas com grau de afinidade com os segmentos representados”, descreve.
Isso significou entregar a Agricultura a alguém como Reinhold Stephanes (PMDB-PR) ou as Comunicações a Hélio Costa (PMDB-MG), respectivamente ligados ao agronegócio e a empresas de rádio e TV. O governo heterogêneo tem linhas políticas definidas – longe de isentá-lo de disputas internas –, garante uma base de apoio mais significativa no Congresso e tem melhores condições de governar. “Desse ponto de vista, o PT está mais tarimbado e disposto a fazer esse tipo de aliança, até porque, sem ela, as chances de se eleger se reduzem”, pondera Queiroz.
O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), filiado a um dos agrupamentos políticos mais à esquerda da coalizão, vê como natural a escolha do PMDB para vice de Dilma. “Claro que todos os partidos gostariam de ter uma Vice-Presidência, mas a coordenação de forças é uma tarefa importante na definição e na ocupação dos espaços”, avalia. “E, nesse aspecto, vejo o PMDB muito mais bem situado”, avalia.
Mas nem todas as forças da base de apoio de Lula estão tão satisfeitas. O caso mais delicado é o de Ciro Gomes (PSB-SP), pré-candidato à Presidência que mina o desejo petista de uma disputa com ares plebiscitários entre governo e oposição. Qualificando, em entrevista a O Estado de S. Paulo, a parceria entre PT e PMDB como “moralmente frouxa”, “intelectualmente sem clareza” e “roçado de escândalos já semeados”, ele enxerga um problema na hegemonia de um eventual governo Dilma. Uma aliança, já nas eleições, representaria conceder ainda mais poder ao PMDB.
Flexibilidade
O cientista político André Singer, ex-porta-voz da Presidência, tem uma análise parecida. Ele trabalha com a hipótese de que o PMDB esgotou seu ciclo programático com a Constituinte e a Constituição de 1988 – e, de lá para cá, passou a ser uma associação de lideranças regionais sem um programa claro. “As lideranças do PMDB se unificam, na verdade, em torno de uma coalizão cuja característica principal é a flexibilidade”, avalia.
Essa capacidade de se modificar é o que permite, sem grandes problemas, participar de um governo com viés privatizante, como foi o de Fernando Henrique Cardoso, e de outro, como o segundo mandato do presidente Lula. Aliás, a flexibilidade é toda voltada a permanecer como parte do governo federal. “Como o Brasil é um país onde o Executivo federal é muito forte, do qual dependem regiões inteiras, para muitos políticos é conveniente estar em um partido flexível”, diz Singer.
O questionamento do cientista político é justamente relacionado ao caráter eleitoreiro e voltado a garantir a capacidade de o Executivo aprovar medidas no Congresso. Ele identifica a mesma falta de identidade programática na aliança entre PSDB e o então PFL (atual DEM) durante os dois mandatos de Fernando Henrique. Em vez de buscar legendas próximas no espectro político, a opção, em ambos os casos, foi por partidos mais distantes ideologicamente. “O preço que se pagou – que o PSDB pagou – e o sistema partidário como um todo está pagando é uma descaracterização do PSDB, que à época procurava se situar como centro-esquerda.”
Pela importância do PMDB dentro do Congresso e por essa característica flexível, é muito provável que o partido esteja na base do próximo governo, seja quem for o vencedor da eleição. Ele explica que o Brasil tem um sistema de presidencialismo de coalizão, e quem quer que seja o presidente, terá, depois da eleição, de negociar com os partidos que compuserem a maioria no Congresso. “Então são duas fases”, analisa. O problema é queimar essa etapa.
Centro da hegemonia
Para o PT, a definição de rumos do programa de governo está definida. “Uma coisa é constituir uma aliança para disputar a eleição que atenda à média dos partidos aliados. Outra é buscar uma aliança para a governabilidade política e parlamentar”, diferencia Ricardo Berzoini, deputado federal e ex-presidente nacional do partido, em entrevista à Rádio Brasil Atual. “Nesse caso, temos de entender que o Brasil é o resultado das eleições”, completa.
Responsável pela costura do pré-acordo eleitoral com o PMDB, Berzoini defende que, contados os votos, a configuração do Legislativo limita as vontades do Executivo. “Muitas vezes acontece como agora, o presidente Lula, um homem de esquerda, tem a base parlamentar que vai da esquerda à centro-direita em alguns casos. Sem abrir mão de nossos sonhos e projetos, temos de governar com a base constituída. E às vezes existem contradições”, admite.
O novo presidente, da mesma tendência partidária, corrobora. “O PT é e sempre foi um partido de esquerda, o que não significa que estamos propondo qualquer esquerdismo”, afirma José Eduardo Dutra. “As propostas estão absolutamente antenadas com o mundo e estamos dando apenas sugestões. Quem vai bater o martelo do programa é a candidata”, garantiu, durante o IV Congresso Nacional, em fevereiro.
O ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, deputado federal cassado em 2005, coloca os termos de uma forma mais direta. “Ganhamos eleições sem o PMDB em 2002 e 2006. Não digo que agora isso é inviável, mas é um equívoco não fazer a aliança, porque o PMDB está no nosso governo”, sustenta. “Não defendo a aliança por causa do tempo de tevê, ela é necessária para a hegemonia. Mas ofereça o tempo de tevê do PMDB para o Serra para ver se ele não faz aliança no dia seguinte”, provoca.
Ainda assim, Queiroz, do Diap, vê como resultante dessa aliança eleitoral uma tendência a uma coalizão mais à direita. “É legítimo e correto, por parte do PT, brigar para garantir um programa de governo mais à esquerda. Seria uma disputa no interior da coalizão”, opina. Por causa desse contexto, o assessor parlamentar vê um paralelo entre a Carta ao Povo Brasileiro, produzida na campanha de Lula em 2002, com medidas recentes adotadas pelo governo. Enquanto o documento dedicou-se a acalmar os conservadores e o mercado, adotar medidas como o Programa Nacional de Direitos Humanos seria uma forma de sinalizar, para setores mais à esquerda, que nem tudo está entregue. “É uma forma de dizer que, mesmo com o pessoal do PMDB, vão ser trabalhadas algumas bandeiras nessa linha”, compara.
Um presidencialismo de coalizão envolve essas disputas. Como não tem almoço grátis, para um partido constituído buscar transformação social e econômica, a forma de garantir esse almoço é pagar um preço.
Colaboraram João Peres e Fábio M. Michel
Aliança com o PMDB: motivações e custos políticos
Ônus | Bônus |
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Velha política Durante a maior parte do primeiro semestre de 2009, o governo federal e os parlamentares do PT bancaram a permanência de José Sarney (PMDB-AP) na presidência do Senado. Além de atrasos em votações de projetos, ainda amargou desgaste com a indecisão de Aloizio Mercadante, que definiu como “irrevogável” sua saída da liderança do PT na Casa, para depois voltar atrás. Ajudou a obstruir investigações e trâmites para o afastamento de Sarney do cargo. Diferentes líderes petistas, incluindo Lula, defenderam a ideia de que o alvo da oposição era muito mais atacar a aliança com o PT e o governo do que uma tentativa de moralizar a política. Mas, assim como quando evitou a cassação de Renan Calheiros (PMDB-AL) em 2007 da presidência da Casa, o apoio significou se aliar a um modo antigo de fazer política, em torno de caciques e trocas de favores. Na mão dos barões Direitos humanos e ditadura Ruralistas | Sem repeteco de 2005 Em dezembro de 2008, a Petrobras anunciou ter recorrido a uma operação contábil autorizada pela legislação que lhe permitia pagar R$ 4 bilhões a menos de impostos naquele exercício, o que melhorava o resultado do ano. Foi o início de uma série de denúncias e acusações contra a empresa que culminou, em maio, na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. Com um pedido de abertura genérico, a intenção da oposição era desgastar o governo com acusações diversas que, por semanas, ocuparam as páginas dos jornais. O governo controlou a comissão: o PT com a presidência e o PMDB com a relatoria. Do plano de trabalho à aprovação de requerimentos, a base conseguiu evitar uma reedição das comissões que povoaram o Congresso em 2005 e 2006, com a participação destacada do líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB-RO). A CPI terminou em dezembro com um relatório sem indiciamentos, elogios aos órgãos de investigação e muito pouco do estrago pretendido pela oposição. Pré-sal e governabilidade A principal alteração de leis encaminhada pelo Executivo ao Legislativo no segundo mandato foi a mudança do marco regulatório de exploração das reservas de petróleo da camada pré-sal. Embora 25% dos lotes já tenham sido licitados, o restante dos 5 bilhões a 8 bilhões de barris estimados deve ser extraído com regras distintas. A proposta, dividida em quatro projetos de lei, é de maior participação do Estado, com o chamado modelo de partilha e um fundo social. Embora setores ligados aos movimentos sindicais defendam a retomada do monopólio estatal, o aumento de participação do setor público é reconhecido como um avanço. A tramitação na Câmara dessa proposta menos privatista que o modelo atual foi garantida pela ação da base aliada e do PMDB – além de negociar com governadores peemedebistas. O caso é emblemático por ser estratégico para o Executivo. Tempo de TV Apoios e capilaridade |