tecnologia

Será que pega?

O brasileiro não tardou a abraçar o celular, o MP3, a internet. Agora, a evolução das engenhocas digitais chega aos livros. Conseguirá nossa paixão por tecnologia superar nossa distância da leitura?

Adriana Elias

Miguel e seu Kindle: “Reúne qualidades muito importantes do livro físico, como facilidade de carregar e conforto de leitura, com as vantagens da internet”

Chegou há pouco, sem estardalhaço, o Kindle, o primeiro e-reader, ou leitor de publicações e livros eletrônicos (e-books), a desembarcar por aqui. A maquininha é leve, tem formato de um pequeno livro e tela de leitura agradável, na qual se carrega uma biblioteca. Ao baixar um livro a partir de qualquer lugar do planeta, além de mais barato – algo entre R$ 2 e R$ 20 –, pode-se iniciar a leitura em apenas 60 segundos. Como em uma folha de papel, é possível grifar partes importantes, fazer anotações na página e até pesquisar toda a biblioteca por meio de um sistema de busca. Mas é um livro que não se empresta – não há como transferir arquivos de uma máquina a outra –, quase não há títulos em português e é caro. Nos Estados Unidos, pagam-se cerca de R$ 450. E para o fabricante, a Amazon, enviar para cá são mais R$ 1.000.

Como aconteceu com outras inovações, queda de preço pode ser questão de tempo – e concorrência. Resta saber se a moda pega, uma vez que brasileiro gosta de falar ao telefone, de ouvir música, mas não é chegado à leitura. Um estudo realizado pelo IBGE e divulgado em 2007 revelou que apenas 7,47% da população compra livros não didáticos. O gasto anual com revistas, por família brasileira, gira em torno de R$ 42. Com jornais, R$ 17. Com livros não didáticos, R$ 11.

Outra polêmica diz respeito à possibilidade de, agora, a tecnologia trazer ao mundo da leitura uma parcela maior da atual geração de jovens, conhecidos como Geração C, que já nasce conectada ao mundo virtual. “De fato, para essa turma não haverá dificuldade nenhuma em se adequar à nova tecnologia”, admite Vitor Tavares, executivo na área de livrarias há 20 anos e presidente da Associação Nacional de Livrarias. Mas os brasileiros ainda vão esperar um bocado até se divertir com o Kindle em seu idioma.

No maior evento editorial do planeta, a Feira de Livros de Frankfurt, os editores responderam a uma pesquisa que apontou a expectativa de, até 2018, as novas tecnologias superarem as obras em papel. Na edição de 2008 da feira, em outubro, 361 expositores já incluíram e-books em seu mostruário. Os números são enfáticos e apontam uma tendência mundial. Mas no Brasil ainda há muito poucos usuários. O empresário Miguel da Rocha Cavalcanti adquiriu o seu Kindle nos Estados Unidos, em abril de 2008. É leitor inveterado e acostumado a investir em livros. Para ele, o e-reader é o começo de uma revolução. “Reúne qualidades muito importantes do livro físico, como facilidade de carregar e conforto de leitura, com as vantagens da internet, de acesso imediato à informação, e do baixo custo”, conta. Cavalcanti só se rende a livros impressos quando o assunto é, digamos, mais emocional: se for autografado pelo autor, por exemplo.

“Há de ser um aparelho para poucos no começo. Mas, dentro de alguns anos, crianças vão receber um na escola para ler seus livrinhos”, acredita outro empresário, Christian Barbosa, usuário do Kindle há um ano, que reduziu drasticamente o consumo de obras impressas, mas ainda visita as livrarias. “Quando vejo algo que me interessa, verifico se há em inglês. Se não há, compro a versão impressa”, diz.

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Marilia diz que enquanto houver livro impresso se recusa a ler virtualmente

E as emoções?

Por ser um aparelho direcionado a quem gosta de ler, convém observar que livro não é um utilitário e o relacionamento com ele muitas vezes esbarra em outras emoções. Para muitos, o prazer da leitura se compõe também de aspectos como o contato com o papel, o cheiro, a capa, a presença na estante ou a descoberta de um título perdido em um sebo. “É viciante a sensação de achar o inusitado, de descobrir um texto que não estava nos planos”, conta o diretor teatral Valcazaras, orgulhoso de sua biblioteca eclética, com cerca de mil livros. Luiz usa todas as ferramentas para localizar obras: livrarias e sebos físicos e virtuais. “Quem ama livros sabe que existe um prazer especial em sentar e manusear. Mas, se alguém me der um Kindle, vou experimentar com o maior prazer”, brinca.

Há também quem resista à inovação. A consultora organizacional Marilia Fockink é adepta da tecnologia, sempre antenada em seu iPod, iPhone e notebook – mas torce o nariz para o e-reader. “Enquanto houver livro impresso em papel, eu me recuso a ler virtualmente.” Para localizar edições esgotadas, Marilia já experimentou o Estante Virtual, site que recebe 300 mil consultas diárias, dá acesso a cerca de 1.500 estabelecimentos de 250 cidades do país e a quase 5 milhões de livros. A internet oferece outras formas de aquisição de livros. Uma, a crossbooking, são portais que criam redes de relacionamento de trocas de livros. Você cadastra o que já leu e não quer mais e diz o que procura. O único custo é o envio do exemplar.

Infelizmente, a resistência maior do brasileiro, como já foi dito, não é às tecnologias, mas à leitura mesmo. E, para quem alega que isso ocorre em função do valor do livro, William Nacked, diretor-geral do Instituto Brasil Leitor, rebate: “Pegar emprestado de um amigo, familiar ou de uma biblioteca não tem custo nenhum”. Criado há dez anos, o instituto é apoiado por empresas e disponibiliza bibliotecas gratuitas em locais de trânsito da população. Tem 80 mil sócios e empresta gratuitamente livros pelo período de dez dias. “Nossos associados levam em média dois por mês, devolvem antes do prazo e o índice de não devolução é de 0,02%. Isso prova que brasileiro gosta de ler. Difícil é o acesso a literatura de qualidade de forma gratuita”, desafia.

Programas de incentivo no Brasil são escassos e isolados. O mais recente ocorreu em 2006, quando os Ministérios da Cultura e da Educação lançaram o Plano Nacional do Livro e da Literatura (PNLL), composto de ações como financiamento de editoras, abertura de bibliotecas etc. Existem também trabalhos isolados de ONGs e outros movimentos. Mas é preciso bem mais do que isso. “Formaremos uma nação de leitores apenas quando o incentivo à leitura na primeira infância fizer parte da plataforma política de nossos governantes”, avalia Nacked, para quem o gosto pela leitura é cultivado desde o berço. Ou seja, pais leitores geram filhos leitores, quase como um fator hereditário. Para isso, as famílias precisam ser culturalmente convencidas dos benefícios da leitura – na formação intelectual, no desenvolvimento do raciocínio e da concentração, na melhora do vocabulário e na vida social. E a pequena revolução necessária para tanto é bem mais que tecnológica.

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