Crônica

A culpa é do feio

A violência do futebol é um fato

mendonça

Todo ano morrem algumas pessoas, centenas se machucam e milhares trocam o estádio pela tevê. É raro ver uma família indo ao campo e é impossível assistir a um jogo com um amigo que torça para o adversário, como eu fazia antigamente, quando ia ao Pacaembu ver Santos x Palmeiras com um colega alviverde.

Mas qual a causa disso? Acho que há várias conhecidas e uma desprezada.
A primeira das conhecidas é que a violência no futebol é uma consequência da violência na sociedade. Hoje há mais mortes e agressões do que antigamente nas ruas, e isso obviamente teria de se refletir em outras áreas, inclusive na grande, na pequena e nas arquibancadas.

A criação das torcidas uniformizadas também é sempre lembrada. É claro que havia violência antes (conta-se que em 1935, num jogo decisivo do Campeonato Paulista contra o Corinthians, alguns torcedores santistas levaram gasolina ao estádio para causar um incêndio caso o time fosse roubado), mas as organizadas organizaram a violência. Com elas ficou fácil identificar o inimigo, marcar brigas etc.

Esses dois motivos são perfeitamente aceitáveis, mas não bastam. Eles satisfazem aos sociólogos e aos delegados de polícia. Mas há mais um motivo. Um motivo importante, fundamental e desprezado: o futebol feio.

Isso mesmo, esteta leitora e estático leitor, o futebol feio é um dos motivos da violência do futebol.

Vocês estiveram num clássico ultimamente? Viram como muitos torcedores nem olham para o jogo, mas apenas para os torcedores adversários?

Geralmente os grupos limítrofes (limítrofes no duplo sentido) assistem à partida apenas nos primeiros minutos. Depois começam a se xingar, a cantar músicas ofensivas (algumas bem sacadas, é verdade), a fazer gestos obscenos, a trocar ameaças etc. Quanto ao futebol, nem olham para o campo. A diversão dessa turma é o adversário, o inimigo, os contrários. Eles vão ao estádio não por seus jogadores, mas pelos torcedores do outro time.

Se tivéssemos um bom futebol, daqueles em que não conseguimos desgrudar os olhos do gramado, talvez isso não acontecesse, ou acontecesse menos.

Que santista iria deixar de olhar Pelé e cia. para ver os torcedores da outra equipe? Os tricolores dos dias de Telê se preocupavam com os palmeirenses? Os flamenguistas dos tempos de Zico lembravam que havia outros times? Os seguidores de Falcão e Batista lembravam-se de xingar os gremistas? Que torcedor do Galo perderia um lance de Reinaldo por olhar para a arquibancada dos visitantes?

O êxodo dos jogadores brasileiros piorou muito nosso futebol. Eu, como santista, poderia ter hoje, em meu time, Alex, Renato, Elano, Robinho e Diego. Mas tenho um time bem pior (não citarei nomes para não derramar lágrimas sobre meu teclado), e por conta disso às vezes me distraio do que acontece em campo. Fico olhando para as moças, procurando o sorveteiro, vendo se há algum amigo por perto. Se tivesse alguma tendência para a briga, talvez fosse até a beirada da arquibancada xingar os outros torcedores, só para passar o tempo.

O torcedor, mesmo o mais imbecil, mesmo aquele que baba feito um boi e coça a cabeça tal qual um macaco, é também um amante da arte. Ele sabe apreciar um passe inteligente, um drible inesperado, um belo gol. O problema é que ele anda vendo pouco disso ultimamente. E desconta a raiva, da vida e do mau futebol, na torcida adversária.

Que me perdoem os delegados e os sociólogos, mas beleza é fundamental.
Sem ela, é mais fácil tornar-se uma fera, uma besta. 

José Roberto Torero é escritor, roteirista de cinema e TV e blogueiro (blogdotorero.blog.uol.com.br)