Crônica

Que raloín, que nada!

mendonça Ela é uma velha feia e malvada. Tem uma verruga peluda na ponta do nariz, encurvado que nem bico de gavião. No raloín, quer dizer, Halloween, como escrevem os […]

mendonça

Ela é uma velha feia e malvada. Tem uma verruga peluda na ponta do nariz, encurvado que nem bico de gavião. No raloín, quer dizer, Halloween, como escrevem os gringos e os que os seguem, lembram-se dela e ameaçam: um suborno (em forma de doces) ou usam as maldades dela contra nós.

Para “festejar” (isso é festa?) o seu dia, muitas fantasias compradas às vezes por altos preços. É o estilo capitalista de festa. Tudo muito comercial. Comprar fantasias, comprar doces pra subornar os pentelhinhos ameaçadores… Não é à toa que essa festa só perde para o Natal em termos de gastos nos Estados Unidos. Até o Dia das Mães, inventado pelos gringos, perde para o raloín.

Aliás, o Natal, como é hoje, também é invenção deles. O Natal cristão pré-Papai Noel era comemorado com a Missa do Galo, iniciada à meia-noite do dia 24 de dezembro e um almoço festivo no dia seguinte. Presentes, só no dia 6 de janeiro, e só para as crianças. Coisinhas simples – um caminhãozinho para os meninos e uma bonequinha para as meninas – para simbolizar os presentes dados pelos Reis Magos a Jesus.

Um dia inventaram o Papai Noel, em Nova York. Só que ele tinha roupa azul. A Coca-Cola “adotou” o dito cujo e fez dele seu velho-propaganda. E ele se espalhou pelo mundo todo, transformando uma data religiosa em festa do comércio.

Mas estamos falando do raloín, detestado por uma conhecida minha, bruxa moradora da ilha de Santa Catarina (onde tem muitas como ela). Mas não é a festa das bruxas? Nada! É das bruxas caricaturadas inicialmente pela igreja – que durante a Inquisição queimou muitas delas porque tinham uma sabedoria que não se submetia à religiosidade forçada da época – e depois pelos capitalistas gringos que transformam tudo em grana.

Minha amiga bruxa reclama, com razão. Bruxa não tem nada a ver com isso. Aliás, ela mesma é bonita, linda. E não faz maldades. Bruxarias não significam maldades. Então, no dia 31 de outubro ela vai comemorar o seu dia, mas não o raloín. “É o Dia do Saci e seus amigos.” Isso mesmo, ela também é amiga do Saci.

O Saci não é antibruxas, gosta delas. E a festa delas, com brincadeiras também para o Saci, inclui uma abóbora, só que não para assustar pessoas: como boas catarinenses, elas apreciam abóbora com camarão.

Mas nem só as bruxas catarinenses merecem comemoração junto com o Saci. No Acre, por que não comemorar o dia do Mapinguari e do Saci? No Ceará, a Caipora e o Saci? Em beiras de rios e lagos, Iara e Saci. No Rio Grande do Sul, Negrinho do Pastoreio e Saci. Enfim, todos os nossos mitos, inclusive alguns vindos da Península Ibérica, são amigos do Saci.

Escolhemos o Saci como símbolo do dia 31 porque ele é o nosso mito mais conhecido em todo o Brasil, não há lugar onde não o reconheçam. Além disso, é o mais simbólico: no início era um índio, depois foi adotado pelos negros e virou negro também e, por fim, ganhou o gorrinho mágico dos europeus. É a síntese do brasileiro. E mais ainda porque é perneta, de uma cor vítima de preconceitos e tão pobre que vive pelado (o calçãozinho é por moralismo da TV), mas é alegre e gozador. Brasileiro paca! Não é à toa que a cada ano mais e mais brasileiros de mais e mais lugares comemoram em 31 de outubro o “Dia do Saci e seus amigos” com música, bailados, brincadeiras infantis, filmes, exposições e tudo o mais que a imaginação permite, sempre com muita alegria. Entre nessa também.