brasil

Lenta, falha e cara

As operadoras de telefonia fazem dos consumidores reféns de um péssimo serviço de banda larga – item hoje essencial para o acesso à educação e à informação

Benonias Cardoso/piauí imagens

Apesar de pagar R$ 170 pela banda larga, o que Pedro mais vê na tela é a barra de download quase parada

O  estudante de economia Pedro Henrique, 23 anos, tinha 13 quando o governo Fernando Henrique Cardoso realizou o leilão que, em 1998, privatizou o Sistema Telebrás – responsável por mais de 95% dos serviços públicos de telecomunicações. Onze anos depois, Pedro não entende por que paga tão caro para ter banda larga em casa, em Teresina, se o que ouvia quando era adolescente é que “mais avanço, tecnologia e eficiência” estavam por vir. Para acessar a internet pelo Velox de 1 megabyte, da Oi/Brasil Telecom, paga R$ 170 por mês – R$ 100 mais caro que no Rio de Janeiro. “Sou refém, não tenho opção de mudar para outro fornecedor”, protesta. E poderia ser pior: se estivesse no Amazonas, pagaria R$ 430 por um pacote 40% mais lento.

O Brasil tem 11 milhões de usuários de banda larga (fixa e móvel), 60% na Região Sudeste (40% apenas em SP). As tecnologias mais comuns são a que usa a rede de telefonia fixa (ADSL), a que pega carona na TV a cabo e a 3G, que usa a rede da telefonia móvel. “Testei o 3G da Claro, mas o serviço é muito ruim, uso como estepe para as horas problemáticas do Velox”, desabafa Pedro.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) admite que a oferta do mesmo serviço a preços diferenciados conflita com os princípios da Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Mas pondera que banda larga é serviço privado e as operadoras têm liberdade de estabelecer preços e condições. As operadoras alegam que as tarifas são proporcionais ao investimento que têm de fazer e, quanto mais distante dos grandes centros, mais complexo é proporcionar infraestrutura. Em 2008, o governo federal revisou o Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado, estipulando às empresas de telefonia fixa o compromisso de levar infraestrutura de banda larga a todos os municípios brasileiros até o final de 2010. O plano, no entanto, não inclui preços.

Até aqui, a lógica das operadoras é cobrar mais onde não há concorrência, e o poder aquisitivo é menor, compensando os preços mais baixos (que ainda são altos para os padrões internacionais) nas regiões em que há disputa. Assim, a estudante Rafaela Rodrigues Dantas, 23 anos, de Maceió, não consegue bancar a internet rápida. Ela ainda usa o acesso discado. “É mais barato, mas devagar, não consigo ver vídeos, baixar música, e o telefone fica ocupado”, reclama.

É um dos nós de um serviço de interesse público, mas de exploração privada, tratado como negócio visando ao lucro, e sem a bendita concorrência. “Se o cliente não pode escolher entre quatro ou cinco operadoras, a empresa não tem pressão e se acomoda”, diz Luiz Cuza, presidente da Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp). Estela Guerrini, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), resume: “O consumidor sabe que o serviço é ruim e caro, mas, se não tem opção, é refém”.

Em Portugal, Sérgio Denicoli, especialista em mídias digitais e pesquisador da Universidade do Minho, não tem problemas com banda larga. “Podemos escolher entre dez empresas que oferecem os serviços. Aqui a internet móvel tem uma velocidade de 21,6 megabytes, custando o equivalente a R$ 80 por mês”, diz. A União Internacional de Telecomunicações (UIT) considera banda larga conexões iguais ou acima de 2 megabytes; a média da velocidade mundial é de 13 megabytes. Em Portugal, uma vasta rede de fibras ópticas possibilita acessos de até 100 megabytes. Cidades como Tóquio, Madri, Paris e Hong Kong dispõem hoje de serviço similar para o mercado residencial.

Aqui, menos de 10% dos usuários da alta velocidade navegam acima de 2 megabytes e a maioria das operadoras não garante a conexão plena. Está nas letrinhas miúdas do contrato: a empresa se compromete a “entregar” pelo menos 10% da velocidade contratada, já que o serviço está sujeito a ser limitado por “questões técnicas”. O técnico J.S.S., que por dez anos prestou serviço terceirizado para a Telefônica, de consertos e manutenção de rede, comenta essas questões técnicas. “Imagine um cano de água: quanto mais você o divide entre as pessoas, menos fluxo terá para cada uma. É preciso investir numa estrutura com cano maior e com maior vazão de água desde a origem para que ela chegue jorrando forte em todas as torneiras”, explica. 

mauricio moraisAdriano
Adriano tenta tocar uma lan house. Negócio difícil quando se depende da Telefônica

Telefônica hexacampeã

Em São Paulo, por R$ 5,7 bilhões, a estatal paulista Telesp foi para as mãos do grupo espanhol Telefónica, que atua em 35 países. Em uma década (1999-2008), o lucro do grupo no Brasil somou mais de R$ 18 bilhões. A taxa de felicidade dos clientes, porém, não acompanhou a dos espanhóis. No mesmo período, a empresa liderou seis vezes (1998, 1999, 2000, 2001, 2006 e 2008) o ranking de reclamações do Procon. Na rede social Orkut, a comunidade virtual “Eu odeio a Telefônica” tem 19 mil adeptos. Adriano Mendes, que trabalha numa lan house da capital, é um deles. “Às vezes passa um dia, dois dias sem internet, sem contar a lentidão de uma hora para outra, e eles não dão satisfação”, reclama. A “vedete” do momento da empresa é seu serviço de banda larga, o Speedy.

No último dia 22 de julho a Anatel proibiu a venda de Speedy para novos assinantes após quatro “apagões” em menos de um ano, com interrupções que chegaram a 36 horas, prejudicando negócios e serviços públicos, como a emissão de boletins de ocorrência e a renovação de documentos. Outra iniciativa tardia foi a reativação do Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações, que não se reunia havia nove anos. “A pane é produto do corte de gastos com manutenção e pessoal”, afirma o procurador Duciran Farena, coordenador do Grupo de Telefonia do Ministério Público Federal (MPF), que faz coro à opinião de especialistas da área que apontam a falta de investimento e qualificação de pessoal como o cerne das falhas.

Segundo reportagem da revista Teletime, especializada na área, um mecanismo administrativo chamado “Mesa de Compras” ajuda a entender a questão. O método instituído pela Telefônica consiste em premiar os empregados terceirizados não por soluções alcançadas, mas sobre o que economizam. Seria como um plano de saúde premiar médicos que evitam despesas com exames laboratoriais, cirurgias e internações, ainda que a saúde ou a vida do paciente seja posta em risco.

A companhia menciona investimentos de R$ 500 milhões no Speedy em 2008 e outros R$ 750 milhões até o final de 2009. Sua campanha de marketing defensivo – começa com “Tudo o que a Telefônica vinha fazendo para enfrentar os seus problemas não era suficiente. Era preciso fazer mais e melhor…” – promete duplicação da capacidade dos servidores de acesso à internet. O presidente da Telefônica, Antonio Carlos Valente, conhece bem as regras da telefonia brasileira, inclusive até onde pode ser incomodado pela agência reguladora, pois também já trabalhou na Anatel. A principal concorrência com a Telefônica (e com a Oi/BrT no restante do país), as operadoras de TV paga, como a Net, é regida por outra legislação e não está presente em todos os cantos. Em São Paulo, menos de um terço da população vive em áreas servidas de cabo. E os preços de uma e de outra não chegam exatamente a competir.

ricardo ledoRafaela
Rafaela não tem dinheiro para pagar a banda larga. Usa o acesso discado, que é mais lento e ainda inutiliza a linha telefônica

Derrubava mesmo

Os serviços de relacionamento e reclamações dos clientes são feitos pela Atento, uma subsidiária espanhola da Telefónica que atua em 17 países, a maioria na América Latina. No Brasil desde abril de 1999, atualmente tem 73 mil empregados e 400 outros clientes. Exige dos admitidos ensino médio, fluência verbal, boa dicção, dinamismo, bom relacionamento interpessoal, conhecimentos de informática. Estudo recente do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que o setor de telecomunicações emprega hoje menos do que há dez anos. No teleatendimento, a maioria é de jovens (55% entre 18 e 24 anos).

O estudante de computação Luiz André, 22 anos, trabalhou no suporte técnico do Speedy para a Atento por dois anos. E diz que o famoso som do “pi, pi, pi”, que enerva o cliente na busca de solução para o seu problema, ocorria sempre. “A gente derrubava ou deixava o cliente na linha até ele cansar”, conta. “Como o salário fixo era baixo, quanto mais ligações a gente atendesse, mais podia incrementá-lo no fim do mês. Se a gente ficava longe da meta, acelerava.”

Luiz esclarece que não era ordem da empresa deixar o cliente esperando ou derrubar ligações, mas a pressão era inerente à jornada. “A gente tomava bronca se ficasse mais de três minutos na linha. Ir ao banheiro era problema. Colocava a pausa no telefone e ia, só que os supervisores registravam.” Os casos simples eram resolvidos na hora, como “usuário e senha errados” ou “placa de rede desconectada”. Os maiores problemas, no entanto, eram de sinal. “E quando a gente não tinha ideia do problema falava que era erro geral: ‘O problema é na região inteira; ligue mais tarde, por favor’.”

Expressões como “oferecemos aos nossos empregados uma compensação competitiva” ou “a companhia investe em programas cujo objetivo é incentivar o desenvolvimento e a motivação dos funcionários” estão no site da Atento, onde também trabalhou Renata Falconeri, de 21 anos, de 2006 até este ano – saiu por desentendimentos com um gestor de área. “Ele gritou comigo no meio da operação”, explica.

Com o enquadramento da atividade telemarketing na norma regulamentadora do Ministério do Trabalho NR-17, que determina entre outras medidas de proteção à saúde pausa de 10 minutos para cada 50 trabalhados, a situação melhorou um pouco, segundo ela. “Operador não tinha tempo de comer, beber água, e levava advertência se estourasse os minutos de lanche.” 

No entanto, Renata revela que as técnicas “motivacionais” da empresa eram motivo de chacota. “Davam balas e doces pra motivar uma boa venda ou meta cumprida. Brincávamos que íamos sair diabéticos e obesos dali. Davam outras coisas, bicicletas e tevê, mas para uma multinacional desse porte deveriam valorizar o funcionário com melhores salários”, finaliza.

Em julho, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça divulgou um levantamento com base nos registros do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) – que integra os Procons estaduais e mais 60 municipais. O setor de telecomunicações foi responsável por mais de 600 mil queixas entre maio de 2005 e abril de 2009, o que representa uma em cada três reclamações.

O Ministério Público de São Paulo formalizou em fevereiro um processo contra a Telefônica alegando danos morais e materiais aos consumidores. A ação civil pública pede indenização de R$ 1 bilhão. Em outro processo, Oi/Brasil Telecom e Claro também foram acionadas pelo DPDC/MJ por descumprimento das regras de atendimento em call center. As ações cobram de cada empresa multa de R$ 300 milhões.

Problema de origem
O Sistema Telebrás, estatal, unia a Embratel, de longa distância, e as telefônicas estaduais. A preparação para a privatização, em 1998, começou três anos antes, período em que as tarifas das assinaturas básicas subiram 2.000%. A primeira avaliação de mercado da Telebrás, R$ 40 bilhões, levava em conta a demanda futura de acesso à internet. O lobby privado fez com que os contratos de concessão fossem reduzidos à telefonia fixa. “Queriam pagar menos pela Telebrás, porque uma coisa é comprar uma empresa que pode prestar múltiplos serviços e outra coisa é uma que pode prestar um só”, diz Flávia Lefévre, advogada do Instituto Pró-Teste de Defesa do Consumidor. O lance inicial caiu para R$ 13,5 bilhões e o preço final atingiu R$ 22,5 bilhões. Para os defensores do leilão, “ágio” de 67%. Para os críticos, prejuízo de R$ 18 bilhões. “Perdemos muito mais depois, porque as empresas foram constituindo sua rede de dados sem obrigação nenhuma, nem de universalização, nem de qualidade.”

A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) aprovada criou duas categorias de operadoras no sentido de “fomentar a concorrência”: as concessionárias, vencedoras dos leilões, e as autorizadas a competir com elas. As autorizadas não tinham obrigação de universalização, mas não podiam apresentar preços mais baixos que as concessionárias. Com exceção da operadora GVT, na Região Sul, nenhuma obteve sucesso. O mercado ainda é controlado basicamente por três empresas: a espanhola Telefônica (que opera rede fixa e detém metade da Vivo e a Tim), a Oi/Brasil Telecom e a mexicana Telmex, dona da Embratel, da Claro e da Net.

A LGT também não inclui a banda larga como serviço essencial, ao lado da telefonia fixa. Pesquisa realizada pela International Data Corporation Brasil (IDC) indica que apenas 5% dos brasileiros têm banda larga, menos que no Chile e na Argentina, próximos de 8%. O sociólogo Sérgio Amadeu, autor de Exclusão Digital – A Miséria na Era da Informação, diz que é necessária uma política pública no setor, como existe para saúde e educação. “Qual a estrutura básica para a inclusão digital? Banda larga. O governo deveria incluí-la no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) como estratégica. A inclusão digital, além de um direito humano, vai ajudar a melhorar a qualidade do serviço privado e reduzir os custos da comunicação”, destaca.

Leia também

Últimas notícias