inclusão

O poder da educação de rua

Projetos de educação e cultura para crianças e adolescentes em situação de rua conseguem apontar caminhos de volta para a casa, a escola e a cidadania. Mas, diante da falta de políticas públicas, ainda são exceção

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Educadores do Travessia levam atividades lúdicas e culturais às crianças do centro de São Paulo

A Constituição Federal diz que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227). Para promover políticas públicas que garantam esses direitos de forma mais eficaz, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) deve começar em setembro um levantamento que apontará o número de crianças e jovens que vivem nas ruas de todo o país.

Em São Paulo, a última pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas da USP (Fipe) e pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da prefeitura, em 2007, revelou que só na região da Sé e nos distritos Pari e Brás existia uma população de 638 crianças e adolescentes em situação de rua. E pelo resto do país, especialmente nas metrópoles, a situação não é menos grave. Faltam políticas públicas consistentes para enfrentar a condição de exclusão social e o uso descontrolado de drogas por meninos e meninas que fazem das ruas seu espaço de sobrevivência.

Na ausência delas, esse cenário triste ainda é enfrentado por ações isoladas. Em São Paulo, o Programa de Educação na Rua (PER), da Fundação Travessia, atua no centro histórico da cidade desde 1995 e busca a reintegração de crianças e dos adolescentes às famílias e comunidades de origem. Nesses 14 anos, já contribuiu para que mais de 500 deles deixassem as ruas. A ação educativa se dá por meio de atividades lúdico-pedagógicas realizadas a partir da realidade desses jovens. E mostra que com medidas práticas dirigidas a esse público é possível mudar a sua condição.

Entre maio de 2008 e fevereiro de 2009, com a ampliação da equipe e recursos da Petrobras, o PER atendeu 142 crianças e adolescentes, 91 no Centro Velho e 51 no M’Boi Mirim, extremo sul da cidade, onde há um trabalho para que as associações, escolas e comunidade reconheçam e previnam possibilidades de saída das crianças para as ruas. “Metade das 91 crianças atendidas no Centro Histórico está em processo de reintegração familiar, das quais 22 em fase bem adiantada, com menor probabilidade de retornar às ruas”, conta a coordenadora do Projeto de Educação de Rua, Fabiane Hack.

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Inspiração

Outro projeto atrelado à educação das crianças em situação de rua da Fundação Travessia, mantida por organizações da sociedade civil e empresas privadas, é o Protagonismo na Comunidade. “Valorizamos os recursos locais, os aspectos familiares e escolares e promovemos oficinas culturais como dança, maracatu e vídeo, duas vezes por semana, com duração de duas horas cada uma”, explica Clóvis Tadeu Dias, coordenador. “Muitos profissionais das escolas locais, inicialmente resistentes, agora são parceiros e nos ajudam a elaborar instrumentais para avaliação de impacto do projeto”, celebra Clóvis.

Diversas ações do Travessia têm inspiração no pioneirismo do Projeto Axé, de Salvador, que desenvolve trabalhos de reintegração há 18 anos com meninos em situação de rua no centro da capital baiana. Um dos principais eixos de atuação do Axé também é a Educação de Rua, cuja perspectiva metodológica inclui o acompanhamento intensivo dos educadores, com alternativas pedagógicas para manter crianças e adolescentes afastados das drogas.

No ano passado, o Axé atendeu com esse programa 1.644 jovens. E até abril deste ano foram mais 749. A família, assim como no Travessia, é parte fundamental do processo. “Criamos vínculos com esses jovens, desenvolvemos atividades de música, artes visuais¬, capoeira e dança, visitamos as famílias e buscamos reintegrá-los ao lar, à sociedade e à escola”, explica o coordenador, Helmut Schned. “Procuramos fazer com que essas famílias ampliem seus conhecimentos, fortaleçam os vínculos e assegurem que o processo formativo que se desenvolve na vida familiar e educacional lhes possibilite atuar como cidadãos conscientes e responsáveis”, diz.

Esse resgate social inclui, entre outras atividades, a Oficina de Experimentação em Artes Visuais. Lá eles têm aulas de desenho, pintura, escultura e gravura. Também visitam museus, galerias, ateliês e fazem desenhos nas ruas do Pelourinho e do Centro Histórico. “Expomos os trabalhos dos educandos em museus e galerias importantes de Salvador, como o Museu Carlos Costa Pinto. Este ano, criaremos esculturas inspiradas em Arte Sacra, com material reciclado, para uma instalação”, comemora o artista plástico Eliomar Tesbita, um dos educadores do Axé.

Por esse caminho surgem novos talentos em artes diversas e o reconhecimento ao esforço da sociedade. Yves Alexandre Alves da Silva, de 14 anos, é tatuador e já sonha com seu estúdio. “O Axé é tudo pra mim e só vem pra cá quem quer ser alguém na vida. É preciso abraçar bem forte a oportunidade. Sonho em ter meu ateliê e ser bem conhecido pela sociedade”, almeja.

Fundação Projeto Travessia:www.travessia.org.br Projeto Axé:www.projetoaxe.org.br