em transe

Vento de redemoinho

Com a internet, também emergem novas formas de viver, principalmente nas cidades digitais, como a pequena Piraí, no Rio de Janeiro

PMP/Fábio Coelho/Divulgação

Alunos de escola pública do bairro Arrozal, em Piraí, participam do programa Um Computador por Aluno

O processo de privatização pegou de jeito a pequena Piraí, cidade-satélite de Volta Redonda (RJ). No final da década passada, 1.200 trabalhadores da ex-estatal Light foram parar no olho da rua. Somados aos mais de 400 demitidos pela Souza Cruz, quase 10% dos 20 mil habitantes da cidade ficaram desempregados. Para reagir, Piraí, cidade de economia agrícola, apostou no século 21 e resolveu levar acesso à rede mundial de computadores a todos os seus cidadãos.

Nos últimos cinco anos, serviços públicos municipais passaram a ser oferecidos pela web, principalmente nas áreas de educação e saúde. Telecentros comunitários foram criados e cada um dos indivíduos, ao nascer, já tem direito a uma conta de e-mail. Nas escolas, os jovens participam do programa Um Computador por Aluno, que trabalha as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) em um ambiente educacional. As casas, não todas, por conta de entraves jurídicos, também podem requerer conexão com a rede.

Esse movimento tornou Piraí uma cidade criativa, que se vale dos recursos oferecidos pela cultura digital para melhorar a vida de seus habitantes. Há dois anos, estive lá e pude comprovar, visitando escolas, projetos, postos de saúde e praças públicas, o que uma ação como essa faz com a auto-estima de um povo. O sucesso da experiência foi tamanho que a cidade virou letra do antenado Gilberto Gil. Em seu disco Banda Larga Cordel, lançado após sua saída do Ministério da Cultura, ele canta: “Piraí, Piraí, Piraí/ Piraí bandalargou-se há pouquinho/ Piraí infoviabilizou/ Os ares do município inteirinho/ Por certo que a medida provocou/ Um certo vento de redemoinho”.

Já são várias as iniciativas como essa em todo o Brasil, como em Sud Menucci (SP), Tiradentes (MG), Petrópolis (RJ). Entre as capitais, Porto Alegre é uma das mais conectadas. Em São Paulo, a discussão ganhou grande destaque na campanha eleitoral, mas foi refutada pelo atual prefeito, que parece não compreender o que poderia significar para uma zona metropolitana de 18 milhões de habitantes o acesso generalizado à rede mundial de computadores.

O problema das cidades digitais ainda esbarra, no Brasil, na ausência de infraestrutura tecnológica, sobretudo nas regiões economicamente pouco atraentes. O país tem a quinta pior banda larga do mundo, à frente apenas de Chipre, México, China e Índia. Menos da metade dos cerca de 5.500 municípios tem acesso à banda larga. E um em cada quatro brasileiros inicia sua vida em condições precárias de acesso à cidadania na era da informação.

O exemplo de Porto Alegre chama atenção porque desde 2000 a cidade investe em uma rede pública de fibra óptica (a melhor e mais rápida tecnologia de conectividade) que já conta com 400 quilômetros de extensão. Isso permite ao usuário vivenciar de forma plena a internet, recebendo e distribuindo, principalmente, conteúdos audiovisuais. Trocando em miúdos, baixar filmes e séries de televisão, músicas, ou mesmo distribuir a própria produção.

Entre os serviços que uma cidade digital pode oferecer a seus habitantes estão sistemas de gestão de saúde, de educação a distância, de telemedicina, de voz sobre IP (que substitui a telefonia convencional e permite até chamadas gratuitas). Todos eles demandam banda larga. Do ponto de vista político, ainda estão para surgir experiências efetivas de governo eletrônico, com interferência direta dos cidadãos nas ações do Poder Executivo e do Legislativo. Em Belo Horizonte, por exemplo, a rede vem sendo usada para a promoção do Orçamento Participativo. É um começo. A maioria das cidades, no entanto, sequer descobriu a rede e, de acordo com pesquisa feita pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, 54% das prefeituras não possuem site. Mas os ventos de redemoinho de Piraí já estão a soprar e podem se tornar, dentro em breve, um grande ciclone digital.

Salvando empregos
Um dos grandes nomes da geografia e do urbanismo mundial é o britânico Peter Hall, autor de, entre outros livros, Cidades do Amanhã. Há décadas ele trabalha na defesa de saídas criativas para a crise do capitalismo. Em uma palestra na Espanha, Hall defendeu a rede mundial de computadores como alternativa para cidades que estão sofrendo com o processo de desindustrialização. “Penso que todos nós somos conscientes de que o próximo acontecimento inovador será o vínculo entre a arte e a ciência com a internet, com infraestrutura básica e desenvolvimento de novos serviços de valor agregado”, afirmou o professor. O futuro passa por aí.

Guia das cidades digitais
Uma boa pedida para saber 
mais sobre as cidades digitais, 
no Brasil e no mundo, está em 
www.guiadascidadesdigitais.com.br. No portal, o usuário tem acesso ao relato de experiências bem-sucedidas, a um tutorial que explica como construir uma cidade digital, inclusive com dicas de financiamento, além de notícias sobre o tema. O site é mantido por uma empresa, a Network Eventos, que vende serviços para prefeituras. Mas o conteúdo vale a pena.

Censo
Um primeiro levantamento sobre cidades digitais no Brasil está em curso. Ele é realizado pela equipe do portal, mas conta com o apoio de várias instâncias do governo federal, da academia e da sociedade civil, que vão auxiliar na orientação do trabalho. O objetivo é identificar as iniciativas de cidades digitais em curso no país e subsidiar a adoção de políticas públicas. Os resultados desse trabalho devem ser divulgados em 2010.

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