viagem

Carnaval para quem não gosta

Para muitos, o feriadão que tem as marcas do samba e da folia é também um bom momento para usufruir do sossego e da cultura

Rodrigo Queiroz

Aruanda da Paixão e sua ginga estarão entre um filme e outro do Estação Botafogo

“Quem não gosta de samba bom sujeito não é/ É ruim da cabeça, ou doente do pé”, cantava Dorival Caymmi nos anos 1940, quando pular Carnaval era um santo remédio para a cuca. Hoje, porém, para muitos – que adoram o carnaval não pela folia, mas pela folga democrática que ele proporciona – a máxima do velho Caymmi inverteu-se: bom para a cabeça é ficar longe do samba.

A artista plástica Pinky Wainer, por exemplo, aproveita para “não fazer absolutamente nada”. Mas é criativa. De pijama, pretende assistir a todos os filmes que perdeu no cinema, como O Sonho de Cassandra, de Woody Allen. Quero ver todas as caixas da série Família Soprano e alguns filmes de ação e suspense”, conta Pinky, que também vai pôr a leitura em dia e navegar “ao Deus dará” na internet. “Gosto de entrar no Google Images e também sou rata do Ebay (site de leilões, em que recentemente uma mulher australiana se vingou da infidelidade do marido colocando uma foto da calcinha da amante dele para ser leiloada).”

A farmacêutica Alessandra Agostini, de 36 anos, já gostou de carnaval. Hoje, balzaquiana, não suporta “batuque na orelha”. Mineira, em São Paulo há muitos anos, também fica distante do circuito cultural convencional. “É tudo muito caro”, reclama. Para Alessandra, é possível se divertir em São Paulo sem colocar a mão no bolso. “O preço das peças de teatro é absurdo, do cinema também. Por outro lado, se você procurar diversão e arte, acha, sem gastar um tostão.” Ela diz que os programas baratos ou de graça se tornam mais agradáveis com muita gente fora da cidade. Não há fila para estacionar o carro no Parque Villa-Lobos, um de seus preferidos, e na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, onde ela costuma encontrar amigos na tradicional feira do fim de semana. Aliás, a farmacêutica é uma aficionada por feiras livres: além da Benedito, não perde a da Praça da República e a da Liberdade.

Alessandra já reservou grana para curtir dois de seus programas prediletos no carnaval: assistir a um bom show no Sesc Pompeia e o jogo do Corinthians, na Quarta-Feira de Cinzas, contra o Noroeste. “Não preciso de carnaval para ser feliz”, garante.

Considerado um dos maiores escritores brasileiros da atualidade, Wilson Bueno, de 59 anos, autor de livros premiados como Bolero’s Bar, aproveita o carnaval para escrever. Espera o fim de fevereiro, no meio da folia, para colocar um ponto final em seu próximo romance, que sairá pela Editora Planeta. Bueno escreve freneticamente, por horas seguidas, mas no carnaval aproveita a calmaria de Curitiba, onde mora, e o rico circuito cultural da cidade. “Temos os melhores museus e livrarias do Brasil”, garante.

O escritor refere-se à Livraria da Chaim, no centro da cidade, comandada pelo livreiro Aramis Chaim, ponto de encontro de professores, escritores, estudantes e jovens poetas. “É minha segunda casa”, conta Bueno, que também aprecia o acervo do Museu Oscar Niemeyer. Durante algum dia da folia alheia, estará na sala Tarsila do Amaral para ver a mostra de Niobé Xandó, pintora e desenhista paulista, considerada a precursora do realismo mágico no Brasil e autora de uma produção repleta de simbolismos e elementos gráficos. A exposição vai até o dia 3 de março.

Em Brasília, o advogado e procurador Jair Machado Júnior, de 45 anos, ao contrário de muitos políticos, trabalha mais de 12 horas por dia. Tem mais de 15 mil processos na fila. “Imagine se um cara com a minha rotina vai passar o carnaval pulando como um doido, aguentando briga, filas, preços inflacionados. Quero descanso, quero consumir cultura sem gastar energia”, diz. Leitor compulsivo, Jair já passou um carnaval inteiro lendo obras de Platão. Neste ano, pretende conferir as exposições do Centro Cultural do Banco do Brasil de Brasília. “Eles sempre têm exposições ótimas, imperdíveis. No ano passado, fui conferir uma mostra sobre cultura regional. Fiquei encantado com a cultura do maracatu”, lembra.

Os frequentadores do CCBB Brasília não ficarão órfãos no carnaval. Um dos destaques é a exposição de Carlos Garaicoca, célebre artista cubano, que ficou famoso no mundo das artes por explorar a arquitetura, o urbanismo como metáfora dos potenciais e ideais utópicos do século 20. A mostra tem uma seleção de 20 obras, entre fotografias, maquetes, modelos tridimensionais, vídeos, textos e instalações, com entrada franca.

rodrigo queirozney
Ney Matogrosso abandona as fantasias para abraçar seus livros de geografia

Ex-província

No verão, as praias de Florianópolis ficam mais lotadas no Carnaval. Há alguns anos, a capital tinha perfil de cidade provinciana: poucas opções de lazer, raros cinemas e teatros. Na última década, porém, urbanizou-se e hoje oferece programas culturais à altura das outras grandes capitais. A potiguar Jamile Carla Antunes Sampaio, de 21 anos, há quatro em Floripa trabalhando como auxiliar administrativa, sempre acabava indo para a farra no embalo dos amigos. No ano passado, quando presenciou um assassinato em plena festa na Praia dos Ingleses, prometeu nunca mais pular carnaval.

“Eu quero paz e sossego”, diz. “No carnaval as salas de cinema estão vazias e é possível assistir aos lançamentos sem pegar fila e sem barulho no cinema.” Jamile também gosta muito de teatro. Seu preferido é o Teatro Ademir Rosa, mais conhecido como Teatro do CIC, Centro Integrado de Cultura: “Mas não gosto de peças ‘cabeça’. Quero ver comédia”.

No Rio, a terra das grandes escolas e dos badalados salões, o carnaval já não reina soberano. Salas de cinema, teatro e museus mantêm programação normal. Aruanda da Paixão, de 31 anos, analista da Previ, aproveita para colocar o roteiro cultural em dia. Fã de Woody Allen e entusiasta do cinema nacional, fica de olho na programação do Estação Botafogo, o predileto dos que apreciam filmes de arte. Está ansiosa para assistir a Juventude, novo filme de Domingos de Oliveira, que narra a história de três amigos de infância que se encontram numa noite e passam a fazer um balanço de suas vidas e de seus amores.

O cantor Ney Matogrosso também quer sossego. Há anos, aproveita para fazer uma espécie de retiro espiritual numa cidade do Rio, cercada por Mata Atlântica (“se eu disser qual é, o meu retiro vai para o espaço”, brinca). O cantor, que revolucionou a música popular brasileira, com o Secos e Molhados – ironia, pareciam todos saídos de um baile carnavalesco – sempre detestou carnaval. “O carnaval carioca está em evolução constante: sempre piorando”, critica Ney, que vai meditar e ler muito. Nada de romances ou biografias. Ele, acredite, gosta apenas de livros de geografia e geologia. E não é ruim da cabeça coisa nenhuma.

De camarote
Sesc Pompeia – R. Clélia, 93, Pompeia, São Paulo, (11) 3871-7700

Cinema Estação Botafogo – R. Voluntários da Pátria, 88, Botafogo, R.de Janeiro, (21) 2226-1988

Livraria do Chaim – R. Gal. Carneiro, 441, Centro, Curitiba, (41) 3264-3484

Museu Oscar Niemeyer – R. Marechal Hermes, 999, Curitiba, (41) 3350-4400

Centro Cultural Banco do Brasil Brasília – SCES trecho 02, lote 22, (61) 3310-7087

Teatro Ademir Rosa – Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, Florianópolis, (48) 3953-2300