Ponto de Vista

Crise na alma do homem

Do momento em que desperta ao momento em que o cansaço o prosta, o homem moderno está preso à engrenagem da vida econômica, como o inseto à teia da aranha

A crise econômica mundial é muito mais do que a desorganização do sistema financeiro, em consequência da roubalheira dos administradores dos grandes bancos e de outras entidades de créditos e seguros. O dinheiro é produto do sistema econômico, isto é, dos processos de produção. Assim é o método moderno de produção capitalista, grande responsável pelo mal-estar da sociedade contemporânea, que coloca o lucro em primeiro lugar e abomina a distribuição de renda do trabalho.

Até o século 19, a ideia da produção estava associada à necessidade dos nobres e dos trabalhadores. Produzia-se para comer, para vestir, para educar-se, emocionar-se (com a arte), em suma, para viver. A ciência não tinha o propósito de se transformar imediatamente em tecnologia, a não ser na aplicação militar, porque os povos sempre quiseram contar com armas mais práticas e mais letais. Fora disso, até o século 19, a evolução dos processos de manufatura foram lentos: dos gregos até a máquina a vapor a força motriz era a dos animais e dos moinhos. O uso dos motores a vapor iniciou a Revolução Industrial, que utilizou os recursos monetários disponíveis (o ouro e a prata da América) para estabelecer, com o comércio e as armas, o Império Britânico.

A velocidade e o volume da produção de bens de consumo, verificados nos últimos 200 anos, mudaram a natureza do homem. Ele deixou de ser senhor dos processos criados, para se tornar seu servidor. A máquina esse complemento morto de um organismo vivo, o do trabalhador é que dita os ritmos de produção. Conforme a descoberta assustadora dos filósofos da Escola de Frankfurt, inverteu-se a razão: os seres mortos, animados pelas forças domadas da natureza, impõem seu ritmo ao mundo. É a vitória, de Tanatos, a divindade da morte, sobre Eros, o impulso do amor, da criação, enfim, da vida.

A História tem registrado crises cíclicas do capitalismo. São os desajustes entre a velocidade de produção e a do consumo, quando, por saturação de mercado (como, entre outros, o caso dos automóveis vendidos em até 80 prestações mensais), ocorre a recessão. Os fabricantes reduzem suas atividades, a fim de proteger o capital, e os consumidores também diminuem as compras, prevenindo-se. O exame das ondas recessivas do passado mostra que, a cada crise, ela é maior e mais devastadora. E no caso da recessão atual, há novos fatores envolvidos, além dos meramente econômicos.

O mais importante desses fatores novos é a exaustão dos seres humanos, transformados em meros instrumentos da sociedade tecnológica de consumo. Do momento em que desperta ao momento em que o cansaço físico o prostra, o homem moderno está preso à engrenagem da vida econômica, como o inseto à teia da aranha. Os meios de comunicação se lembram, todas as horas, de incitá-lo a competir, a frequentar cursos e a comprar livros que o façam vencer seus “rivais” na escola, na empresa, na vida, não importa como. Ao mesmo tempo fornece os famosos livros de duvidosa religiosidade, para ensinar-lhe a expurgar seus sentimentos de culpa.

Outro fator, esse mais terrível, é o do cansaço da natureza. Os homens perderam a noção de que não passam de seres vivos iguais aos outros, que se destacaram na natureza pelas circunstâncias de sua história especial. Perderam a consciência de que nasceram para usufruir a natureza, não para destruí-la. Esquecem que a natureza tem compromisso com a vida e não com uma espécie em particular.

Como as sociedades raramente suicidam-se, é possível que, diante da catástrofe, sendo anunciada desde a primeira Conferência do Meio Ambiente de Estocolmo, em 1972, os grandes tomem juízo. É possível, mas não provável, porque todas as medidas previstas contra a crise visam salvar o capitalismo de modelo norte-americano, ao salvar os bancos – geridos por ladrões de Wall Street, e outros – em lugar de substituir o sistema por outro, na medida do homem e da lógica da vida.