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Mexe com todos

Até outubro, as eleições para deputados, senador, governador e presidente serão o principal assunto do país. É preciso valorizar esse momento: cada cidadão é responsável pelo Brasil que sairá das urnas

Lindomar Cruz/ABr

Muita gente se acomoda e muda de assunto ao falar de política. Depois, quando tem eleição, não consegue nem lembrar em quem votou

A Justiça Eleitoral do país abriu, em julho, mais uma temporada de caça ao voto. Candidatos a deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente da República terão o desafio de convencer 126 milhões de pessoas de que são os melhores para representá-las no exercício do poder.
O número de eleitores é 9% maior que há quatro anos. Mas se o tom naquele ano foi de mudança, agora não há como disfarçar o sentimento de, no mínimo, apreensão. Há um festival de denúncias assolando o país e a opinião pública tem de se desdobrar para distinguir o que é sério do que é espetáculo. “Infelizmente, vivenciamos tempos muito estranhos”, afirmou, ao tomar posse, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Marco Aurélio Mello.

“Não passa um dia sem depararmos com manchete de escândalos”, observa.
A estudante paulistana Amanda Talhari completou 19 anos em julho e ainda não usou seu título eleitoral. O vasto noticiário sobre corrupção desestimula a jovem para a sua estréia na urna, mas não a ponto de fazê-la desistir. “Esse tipo de coisa sempre existiu”, afirma. Reserva mesmo ela demonstra em relação à campanha. “Procuro não acompanhar muito, porque em geral é um discurso vazio, com um xingando o outro, e isso me irrita”, explica Amanda, acendendo um sinal amarelo para quem faz do debate político um espetáculo.

Uma pesquisa da CNT/Sensus divulgada em julho acendeu outro: praticamente 40% dos eleitores não estão interessados na eleição para presidente da República. O fenômeno não é de agora: em julho de 2002, o porcentual de desinteressados era de 40,5%. Os que se mostraram muito interessados em 2002 somavam 20,2%; agora, são 23%. Mas afinal – fora o fato de ser compromisso obrigatório – por que votar? A pergunta é corriqueira na boca das pessoas avessas a política. E a resposta é simples: o resultado das eleições mexe com a vida de todo mundo. Os eleitos é que vão administrar os recursos públicos, aprovar ou derrubar leis, executar ou não obras, melhorar ou piorar a vida das pessoas, de todas as pessoas, gostem ou não.

Afinal, não seria importante fazer uma reforma política e do Estado que exija transparência nas disputas, que estimule a existência de partidos fortes e o fim das legendas de aluguel, que amplie a representatividade dos eleitos e os canais de participação da sociedade? Ou seria melhor deixar tudo como está? E as leis que tratam dos direitos trabalhistas, vão mudar ou não? Quem vai mexer e como vai ficar é o eleitor que começa a decidir. Assim como é ele quem escolhe se quer no governo de seu estado alguém que trate da segurança pública e combata o crime de maneira isolada ou se vai unificar polícias, unir esforços com a União. Ou se vai estimular a privatização da educação e da saúde ou recuperar o atendimento público.

“O voto é a procuração que o eleitor dá a alguém para que esse alguém possa administrar municípios, estados ou o país, e legislar em seu nome”, explica o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Em 2002, os votos nulos somaram pouco mais de 7% no primeiro turno e 4% no segundo. Menos que em 1994, por exemplo, quando os nulos no primeiro e único turno chegaram a 9,5%. No Orkut, existem aproximadamente 500 comunidades relacionadas ao tema – a mais numerosa com 28 mil integrantes –, praticamente todas favoráveis à anulação. Os argumentos vão desde o protesto simbólico à contestação total do sistema político.

Para o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo – onde estão 22% dos eleitores do país –, desembargador Paulo Henrique Barbosa Pereira, o voto nulo é uma demonstração de descontentamento que não resolve o problema. “Votando nulo, o eleitor deixará que outros escolham por ele. Ausentando-se desse importante momento da política nacional, pode deixar, inclusive, de contribuir para que bons candidatos se elejam”, afirma.  O momento de desencanto torna ainda mais importante que o eleitor saiba valorizar a democracia, defende o magistrado.

E como distinguir bons candidatos dos chamados picaretas? Examinando com atenção o perfil de cada um deles, receita o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. “Não basta ser honesto, o que é obrigação, é preciso ser capaz. É preciso conhecer o seu passado, suas intenções e, principalmente, suas propostas, seu nível de comprometimento com as mais importantes causas públicas.” Para o empresário, o voto nulo, embora seja um direito, caracteriza um distanciamento perigoso. “Deixa as coisas como estão.”

Em abril, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) preparou uma cartilha para o ano eleitoral. “O sistema eleitoral brasileiro é falho e favorece o clientelismo e a corrupção”, diz o documento. Mas, acrescenta, a pior posição seria a do descrédito. “A nossa história oferece bons exemplos de muitos lutadores pela conquista da democracia e de grande capacidade de superar crises.” Para a CNBB, “a atual crise ética e política poderá se tornar ocasião de amadurecimento e aperfeiçoamento das instituições democráticas do país”.

Marcelo Ximenez/Folha Imagemfila
Às vezes votar pode ser difícil, como nessa seção de São Paulo, onde uma urna eletrônica foi substituída por voto manual. Mas o resultado das eleições mexe com a vida de todo mundo. Os eleitos é que vão administrar os recursos públicos, executar ou não obras, melhorar ou piorar a vidas das pessoas

Votar e cobrar

A receita é relativamente simples. Não basta votar, é preciso cobrar. Mas o eleitorado brasileiro ainda padece do mal da falta de memória. Um estudo revela que sete em cada dez pessoas esquecem em quem votaram. A tendência acaba sendo da generalização – e os políticos, de fato, muitas vezes colaboram com isso; como os eleitores também, de fato, muitas vezes não colaboram para melhorar o nível da atividade política.

“O fato é que não há alternativa”, afirma o professor Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP). “Não basta ter boas intenções para pôr fim à corrupção. Esse, aliás, é o erro das denúncias apenas moralistas. E há outro ponto muito triste também. Embora nossa corrupção seja típica de país desigual e injusto (em que para termos direitos precisamos pagar por eles), existe corrupção no mundo todo”, lembra, citando casos públicos na Holanda, na França e nos Estados Unidos.

O voto não é o único nem, talvez, o mais eficaz instrumento, mas é o que está ao alcance de todos, em que no uso todos são iguais, afirma Janine. “É altamente importante a participação – em sindicatos numa visão mais tradicional, em organizações não governamentais de um tempo para cá, em todo o tipo de movimento desde alguns anos –, mas essa participação diferencia as pessoas. Há quem tenha maior acesso, quem tenha menos. No voto, todos têm o mesmo peso”, observa.

O analista Antônio Augusto de Queiroz, do Diap, não acredita que houve aumento da corrupção, mas uma maior transparência na divulgação dos fatos. “A diferença é que em alguns países se apura com rigor e em outros há impunidade. No Brasil, estamos no meio do caminho”, avalia.

O diretor do Diap pondera que houve uma mudança importante nas instituições públicas. “A Polícia Federal atua mais e com independência. A CGU, que de Corregedoria passou a se chamar Controladoria-Geral da União, acompanha o repasse de recursos para estados e municípios, o que não acontecia antes. O Ministério Público e o Tribunal de Contas da União estão atuantes. Há maior transparência dos atos governamentais”, exemplifica.

Um dos aspectos negativos é quando o denuncismo vira show. “Quando isso acontece, até pessoas sérias e decentes desanimam”, lembra o analista, “e até deixam de participar como candidatos”. Ao mesmo tempo, a sensação de impunidade – que nem sempre acontece – “pode levar pessoas que se autoproclamam conscientes a cometer a sandice de anular o voto”, acrescenta o diretor do Diap. “É um protesto sem causa.”
Quem pode elevar o nível do debate é o eleitor – que, afinal, é quem escala o time. Em artigo recente, o diretor-executivo da organização não-governamental Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, fez uma comparação entre política e esporte. “Eleições são um pouco como uma Copa do Mundo. Uma das diferenças é que as conseqüências de eleições para a vida das pessoas são muito mais profundas do que meia dúzia de partidas de futebol.”

Boca de urna

Não vote por votar. Pesquise os candidatos, conheça o histórico e as propostas de cada um

Ao conhecer o candidato, você poderá acompanhar o trabalho dele, caso eleito. A maioria das pessoas costuma esquecer em quem votou

Para saber o que acontece no Congresso, acesse as TVs Câmara e Senado, e as páginas na internet (www.camara.gov.br e www.senado.gov.br). É possível acompanhar a atuação do parlamentar e a agenda das Casas

www.diap.org.br – O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar faz avaliações e análises periódicas das atividades no Congresso, além de publicar propostas e projetos importantes

www.transparencia.org.br – A Transparência Brasil armazena dados sobre gastos de candidatos e partidos em suas campanhas. Traz pesquisas, estudos e artigos

www.lei9840.org.br – A Lei 9.840, contra a compra de votos, foi fruto de um movimento que colheu mais de um milhão de assinaturas. O lema do movimento – que reúne dezenas de entidades da sociedade civil – é “Voto não tem preço. Tem conseqüências”. O site tem projeto e dicas, como denunciar quem tenta comprar votos etc.

www.tse.gov.br – A página do Tribunal Superior Eleitoral tem informações sobre a legislação e orientações de interesse público

www.tre – (sigla do estado).gov.br – As páginas dos tribunais regionais eleitorais contêm informações específicas, prestação de serviços, indicações de colégios eleitorais etc. Nas páginas dos tribunais, também é possível verificar quem fez doações a políticos nas últimas eleições

Fique de olho. Quase 90% dos deputados federais querem voltar à Câmara. Pesquise para saber se eles merecem retornar. A maioria dos deputados estaduais também: ou concorre à reeleição, ou disputa vaga de federal

Lei sobre gastos eleitorais – A Lei 11.300 foi aprovada em maio deste ano. As doações só podem ser feitas em uma conta específica, em cheques cruzados e nominais, transferência eletrônica ou depósito em espécie devidamente identificados. Doações em dinheiro são proibidas, assim como showmícios e distribuição de brindes