Crônica

A volta do quarto amigo

mendonça Eles sempre se encontram no Bar da Preta, lá pelas 7 e pouco da noite. Os “eles”, no caso, são Batista, o santista, Marciano, o corintiano, Lino, o palestrino, […]

mendonça

Eles sempre se encontram no Bar da Preta, lá pelas 7 e pouco da noite. Os “eles”, no caso, são Batista, o santista, Marciano, o corintiano, Lino, o palestrino, e Alaor, o tricolor.

Enquanto tomam uns chopes e comem uns espetinhos (a Preta garante que são feitos de legítimas vacas holandesas, daquelas que até usam tamancos, mas, curiosamente, os gatos da região desapareceram), eles ficam fazendo piadas uns com os outros, e tentando provar que seu time é o maior.

Porém, no último ano, apenas três deles freqüentavam o bar. O quarto elemento evitava as redondezas para não ter de escutar gozações. Mas, naquela noite, eis que Marciano finalmente aparece à porta, e, abrindo os braços, canta: “Série A, aqui me tens de regresso! Eu suplicante lhe peço, a minha nova inscrição. Voltei para rever os amigos…”

“Pronto”, disse Lino, o palestrino, “o cara voltou para a primeira divisão e já pensa que é o Nelson Gonçalves”.

“Quem vê pensa que ganhou o campeonato mundial”, falou Alaor, o tricolor, com desprezo.

“E só ganhou um torneio de segunda”, disse, com despeito, Batista, o santista.

Marciano não se abalou. Entrou no bar e, girando em volta da mesa dos amigos, fez uma imitação de Roberto Carlos: “Eu voltei, agora pra ficar, porque aqui, aqui é o meu lugar. Eu voltei…”

“Voltou a desafinar”, resmungou Lino.

“Senta aí e fecha a boca”, pediu Batista com as mãos nos ouvidos.

“Ah, por que eles tinham que subir…”, lamentou-se Alaor, olhando para o teto.

Marciano sentou-se e disse: “Nós tínhamos de subir porque sem a gente a Série A não tem graça. Sem a gente, a Série A é um torneio de cacheta, um joguinho de dominó de aposentado no banquinho da praça”.

“Bobagem. Está sendo o melhor campeonato dos últimos anos”, falou Lino.

“Nem tanto”, reclamou Batista.

“O Batista fala isso porque o time dele está lá atrás”, acusou Alaor. “Se bobear, vai trocar de lugar com o Marciano.”

“Epa! Isso, não! Eu sou o único desta mesa que nunca foi rebaixado!”, disse Batista com orgulho.

“Pera lá, eu também nunca disputei uma segunda divisão”, protestou Alaor. “Aquele Paulista de 90 não foi rebaixamento!”

Os outros três deram-lhe uma sonora vaia e todo o bar virou-se para eles por um instante. A Preta comentou: “Eu não devia servir bebida alcoólica para esses quatro. A idade mental deles é de 12 anos”.

Na mesa, Marciano contava vantagem: “E digo mais: minha média de público passou das 20 mil pessoas por jogo. Mais do que qualquer um aqui nessa mesa”.

“Bah!”, fez Batista.

“Humpf”, fez Alaor.

Marciano voltou a atacar: “E o meu ataque marcou mais gols que o de vocês!”

Lino contra-atacou: “Também…, só pegou defesa de time pequeno”.

“O que importa, meus chapas, é que o Timão está lá em cima de novo! Para o bem de todos e o bem-estar da nação, digo ao povo que o Corinthians voltou!”

E, depois de dizer isso, ele deu um último gole no seu copo de chope, levantou-se e saiu cantando: “Salve o Corinthians, o campeão dos campeões, eternamente…”

Os outros três ficaram ali, quietos por algum tempo, até que Batista falou com ar de confissão:

“Sabem que até que eu gostei de ele ter voltado? Assim a gente pode ganhar deles de novo.”

“É, o campeonato fica mais divertido mesmo”, disse Lino.

“A verdade é que os caras dão uma animada na coisa”, falou Alaor.

Os três ficaram em silêncio por mais algum tempo, sem tocar em seus chopes, até que a Preta se aproximou e disse: “Vocês não me enganam. Aqui não tem bonzinho”.

Então os três beberam seus chopes e sorriram com bigodes de espuma.