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Por uma noite bem-dormida

Insônia não é doença, mas é um aviso do corpo de que algo não vai bem e precisa ser tratado. Pesquisa recente confirma que caminhadas leves podem ser um bom começo para melhorar a vida de quem perde o sono

Maurício Morais

Paula diz que “aproveita as horas de insônia”, mas quando pode estica o sono até a hora do almoço

A pessoa sai da cama, circula pela casa e volta. Vira de um lado para outro. Depois de muito tormento começa a relaxar. Mas logo será hora de levantar. Há também aqueles que até conseguem dormir assim que se deitam, mas despertam no meio da noite e não pregam mais o olho. Ou os que ficam num dorme-acorda a noite toda. Essas são algumas faces da insônia, que, para os especialistas, é apenas a ponta de um enorme iceberg. O neurologista Luciano Ribeiro Pinto Júnior, do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que na base estão submersas doenças, situações de ansiedade, depressão e consumo de drogas, como o álcool, problemas familiares, econômicos e profissionais. “Trabalhar em turnos alternados, por exemplo, altera o relógio biológico que regula o funcionamento do organismo. Isso tira o sono de algumas pessoas”, diz. Como o do técnico em transmissão de eletricidade Luiz Henrique de Souza, 43 anos. Ele dormia bem até pouco mais de 10 anos atrás, quando seus turnos de expediente, em Ribeirão Preto (SP), passaram a alternar três noites seguidas e três dias seguidos. Quando começava a se acostumar ao sono diurno, era hora de voltar a dormir à noite.

Luiz passou a transpirar intensamente, mesmo quando não fazia calor. A memória falhava e a ansiedade crescia. Procurou médico e fez exames que não detectaram distúrbio físico ou emocional. Experimentou relaxantes indutores de sono e também seus efeitos colaterais. “Sentia tontura e não conseguia me concentrar em nada”, lembra. Hoje, consegue dormir por cinco horas independente do período, mas demorou 10 anos para chegar aos medicamentos que toma e ao ajuste da dosagem. “Sem eles não durmo absolutamente nada.”

No mundo todo, a insônia perturba muita gente. Segundo o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, são 80 milhões de pessoas naquele país. No Brasil, estima-se que pelo menos um terço da população adulta viva ou já viveu o problema. Os números representam um pesadelo. Mesmo não se tratando de uma doença – e sim do sintoma de que algo não vai bem –, a insônia afeta o lado prático da vida. A Fundação Nacional do Sono, nos EUA, estima em US$ 100 bilhões os prejuízos com a queda na produtividade de quem não dorme direito, fora os gastos médicos e danos materiais. Pelo menos 100 mil acidentes de trânsito foram causados por sonolentos, em 2006, resultando em 1,5 mil mortes e 71 mil pessoas feridas.

O sono dos anjos

Dalva

Hora certa
O ideal é ter hora certa para deitar e se levantar. A regra ajusta o relógio biológico, e com esse ritmo o corpo já começa a se preparar para o sono e para acordar.

Sem cochilos
Quem sofre de insônia deve evitar este hábito ao longo do dia; a boa sesta após o almoço não deve passar de meia hora.

Hora errada
Exercícios intensos à noite, como jogar futebol, prejudicam o sono. A liberação de adrenalina deixa o corpo em alerta durante algum tempo.

Cama é para dormir
Não para estudar, ler, ver tevê ou quaisquer outros passatempos estimulantes. A pessoa deve deitar na hora que sentir sono e levantar se perdê-lo. A cabeça deve ser condicionada que ali é lugar para descansar a noite toda.

Pré e pró-sono
Evitar refeições pesadas à noite. Cortar cigarros, café, chá preto ou mate e refrigerantes. Bebidas alcoólicas aparentemente relaxam. Mas produzem substâncias que alteram o sono negativamente.

Eduardo Moretti, de 27 anos, é profissional autônomo. Em casa, em Americana (SP), desenvolve projetos de máquinas. De uns cinco anos para cá, vinha acumulando viagens e pedidos de projetos mais complexos, dormindo menos à noite e vendo aumentar, de dia, o sono, a ansiedade e o estresse. Achava que as coisas melhorariam com o tempo e, para “aliviar o estresse” e atrair o sono, buscou “aliados” como cerveja, vinho e uísque. “Quando me dei conta não conseguia mais ficar sem.” Tentou tratamentos, primeiro com neurologista depois com psicólogo, mas abandonava as recomendações assim que parecia melhorar. Hoje toma remédio para dormir e ansiolítico para combater a ansiedade ao longo do dia. “Notei que, mesmo tomando medicamento, durmo mais rápido quando faço caminhada.”

A percepção tem respaldo na ciência. Pesquisa recente do Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício da Unifesp concluiu que a prática da caminhada proporciona um tempo de sono, em média, 37% maior em pessoas com a chamada insônia primária. Algumas pessoas incluídas na pesquisa comemoraram uma horinha a mais de sono. Para Dalva Souza Carminati, 51 anos, dormir oito horas é um sonho distante. “Mas já consigo permanecer adormecida por várias horas”, diz. Dalva é insone desde a infância. Adolescente, mesmo depois de dançar a noite toda, deitava e não dormia. Casou, teve filhos, e sempre acompanhava quando todos na casa chegavam tarde, ou o intenso roncar do marido. No estudo da Unifesp, aprendeu muito sobre si e, principalmente, que caminhar na esteira ou no parque, é bem diferente de andar em casa de um lado para o outro. E parou de ouvir os roncos. “Ou ele se curou, ou eu é que passei a dormir enquanto ele ronca”, diverte-se. O ânimo trazido pela melhora do sono já faz a dona de casa pensar em trabalhar fora. Diz que tem cada vez mais disposição e os filhos já não precisam mais dela.

mauricio moraisgiselle
Giselle: “A redução da ansiedade conseguida com os exercícios pode explicar o aumento no tempo de sono”

A pesquisadora Giselle Passos, autora do trabalho da Unifesp, diz que pesquisas anteriores já apontavam que o exercício pode acrescentar 10 minutos de sono, sem modificar, no entanto, o tempo que a pessoa leva para adormecer. “A experiência mostrou que exercícios de intensidade moderada trazem mais benefícios do que os praticados de forma intensa ou que exigem força, como a musculação. A redução da ansiedade conseguida com os exercícios pode explicar o aumento no tempo de sono.” O alvo do estudo é a insônia crônica primária, mais difícil de tratar porque não mostra causas aparentes. E que pode se tornar crônica se a pessoa tiver hábitos inadequados como ficar na cama vendo tevê, no computador ou ficar tentando dormir sem conseguir.

Os especialistas acreditam que a insônia primária está associada a três grupos de fatores. No grupo dos “desencadeantes” estão questões familiares, financeiras e profissionais; exposição à violência física e emocional; doenças, cirurgias e internações; e coisas corriqueiras, como cochilar demais durante o dia ou abusar do álcool numa festa. O segundo grupo é o dos “predisponentes”, com origem genética. E o terceiro, o dos “perpetuantes”, ou a extensão dos fatores desencadeantes, como ansiedade e depressão, muitas vezes gerados pela própria dificuldade em conciliar o sono, influenciando a ocorrência de um círculo vicioso. “O tratamento do distúrbio consiste em diagnosticar as causas e tratá-las. Não tratamos a insônia, mas sim o paciente insone”, explica o neurologista Rubens Reimão, do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clínicas, de São Paulo.

Apesar do todo o incômodo associado ao déficit de sono, há quem tire proveito dele. É o caso da fotógrafa Paula Thebas Pacheco, 35 anos. Mãe de quatro filhos, estudante universitária e dona de casa, ela diz não sofrer com as horas de insônia. “Aproveita” para ler, estudar, ouvir música, ver filmes e fazer experiências com fotografia – o que não faz enquanto todos na casa estão acordados e o corre-corre é grande. “A insônia acrescenta horas ao meu dia. Em que momento faria tanta coisa?”, provoca. A técnica deixa seus rastros. Quando pode, Paula estica o sono até a hora do almoço. O problema é quando não pode. Embora não haja estudos comprovando que é preciso dormir seis ou oito horas – o que conta é se o sono é reparador –, estudos feitos na Austrália alertam que passar 19 horas sem dormir assemelha-se a um porre: as pessoas levam mais tempo para reagir a estímulos e não farão bem atividades como trabalhar, estudar, dirigir…

Dose certa

lucas mamedeLuiz Henrique
Luiz Henrique demorou 10 anos para chegar aos dois medicamentos que toma e ao ajuste da dosagem

O uso de tranqüilizantes é um pesadelo para autoridades de saúde. Nos EUA as vendas cresceram mais de 60% desde 2000, estimuladas inclusive pela propaganda de massa. O FDA, órgão americano responsável pela liberação e fiscalização, passou a exigir de fabricantes campanhas educativas sobre efeitos colaterais relatados por usuários de remédios comuns para dormir, como sonambulismo, alucinações, explosões de violência, compulsão alimentar noturna ou a dirigir com sono. A ingestão de álcool associada ao uso do medicamento aumenta as chances de tais reações. No Brasil, 10% da população usa remédio para dormir. Os mais comuns não causam dependência física, porém, ao parar de tomar, podem causar ao paciente sintomas de abstinência, como insônia, taquicardia, tonturas e confusão mental – parecidos com os que o levaram a procurar o médico por não conseguir dormir.

Dormir bem até emagrece

A pesquisa da Unifesp começou a ser planejada há cerca de dois anos. O sono foi avaliado em dias com e sem exercício. Um grupo de voluntários fez caminhada moderada na esteira; outro, caminhada intensa; o terceiro, musculação; e um quarto grupo não praticou exercícios.

A pesquisa mostrou que caminhar na esteira faz mais bem para os insones do que a musculação. Caminhar no parque, na praia, na rua, em ritmo contínuo, sem quebrar o ritmo, também é benéfico.

Os resultados não revolucionam o que já se apurava: a prática regular de atividade física é benéfica; só não haviam sido estudados ainda efeitos sobre quem tem insônia.

Entende-se por regular a atividade realizada por pelo menos 40 minutos, três vezes por semana. O ideal é que seja praticada o mais longe possível, a até duas horas, da hora de a pessoa ir dormir.

O sono noturno é o ideal e o natural. Com a redução da luminosidade o cérebro estimula hormônios que levam ao relaxamento do corpo.

Dormir bem emagrece. O repouso eleva a produção do hormônio leptina (que avisa o cérebro que o estômago está cheio) e reduz a liberação do hormônio grelina, do apetite.

Pesquisadores da Universidade Case Western Reserve (EUA) analisaram 70 mil mulheres durante 16 anos. Metade dormia pouco e mal, metade bastante e bem. O primeiro comia menos que o segundo, mas engordou 30% mais.