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Livres para comunicar

Fazedores de mídia batalham por uma comunicação mais democrática e buscam nas tecnologias e na solidariedade se fazer ouvidos, lidos, vistos e compreendidos

Rodrigo Queiroz

Juliana (à direita) com as colegas: liberdade criativa é rara dentro das empresas hegemônicas

Em 2007, as cinco principais redes de TV do Brasil abocanharam 60% do total das verbas de publicidade empenhadas pelo governo federal. Desse montante, 40% ficou com a TV Globo. Jornais e revistas ficaram com 25% e o restante foi dividido entre as empresas de rádio e veículos on-line. O Sistema Globo (servido de TVs, rádios, jornais, revistas, internet) tem ficado, segundo o Observatório do Direito à Comunicação, com mais de 60% do total da receita publicitária oriunda do setor público, de quase R$ 1 bilhão anuais. Essa hegemonia produzida artificialmente obstrui o desenvolvimento de novas mídias. A luta pela democratização da circulação e do acesso à informação no Brasil foi o objetivo comum que levou mais de 400 pessoas de vários estados brasileiros ao 1º Fórum de Mídia Livre (FML), dias 14 e 15 de junho, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O debate reuniu jornalistas, comunicadores, representantes de movimentos sociais, professores e estudantes que almejam mudar o panorama das comunicações no país.

“Esse fórum busca formar uma espécie de rede das redes, preservando as singularidades dos fazedores de mídia livre ao mesmo tempo em que luta pela estruturação de políticas e iniciativas para o fortalecimento de novas mídias”, afirmou a coordenadora da Escola de Comunicação da UFRJ, Ivana Bentes. Integrante do núcleo dirigente da Revista do Brasil, Paulo Salvador observou que o FML marca um novo momento: “Passamos 30 anos reclamando, sem conseguir avançar. Chegamos ao fim da ingenuidade e passamos a tomar iniciativas concretas”, disse, citando o exemplo da própria revista.

Em sua campanha pela democratização do acesso às verbas de publicidade, o FML quer procurar outros setores dos movimentos sociais para desencadear ações de pressão. “Se não agirmos concretamente para mexer nessa questão da distribuição das verbas públicas, não chegaremos a lugar nenhum”, avalia o diretor da Carta Maior, Joaquim Palhares, ressaltando a importância de se estender o movimento para todo o continente. “O esforço dos grupos de mídia para deter as transformações na América Latina é o mesmo em todo o continente”, concordou Dario Pignotti, do jornal argentino Página 12.

Os participantes decidiram trabalhar para que a próxima edição do Fórum Social Mundial (Belém, janeiro de 2009) abrigue o primeiro Fórum de Mídia Livre internacional. Encontros regionais deverão ser realizados ainda em 2008 para agregar pessoas (950 se inscreveram pela internet) que não puderam se deslocar até o Rio de Janeiro. Para Renato Rovai, editor da revista Fórum, a luta pela ampliação da diversidade informativa tem a importância que já teve a luta pela democracia política. “A vitória ou a derrota desse movimento vai dizer que país seremos, se dominado por meia dúzia de famílias, ou um país onde muitas outras vozes tenham relevância. Por isso defendo o nome de ‘mídia livre’. Não é um movimento por um pedaço de algo, mas pela totalidade do direito à comunicação.”

Altamiro Borges, secretário de Comunicação do PCdoB, que mantém o site Vermelho, e editor da revista Debate Sindical, destacou o aspecto quantitativo e a representatividade do fórum, mas apontou a pluralidade como grande qualidade a ser valorizada. “Houve a convivência madura e franca entre distintas concepções e experiências. Dos que priorizam iniciativas atomizadas e autonomistas aos que encaram essa batalha como eminentemente política”, descreveu em seu blog.

Rodrigo queirozClarissa
A estudante Clarissa acompanhou a oficina de vídeo com celular

Com a cabeça no futuro

Uma parcela importante do público do fórum demonstrou ao pé da letra o sentido de diversidade e liberdade que almeja para o rumo das comunicações no país. As intenções são as melhores: eles não pretendem construir nenhum tipo de projeto de poder, tampouco destruir impérios de comunicação numa disputa entre formiguinhas e elefantes. Jovens das mais diversas origens, dispostos a ampliar o espaço de debate sobre as milhares de realidades brasileiras, buscam ser produtores autônomos de informação, conhecimento e arte. E querem viver disso.

A vida de um comunicador nas mídias tidas como alternativas está no limite entre o pioneirismo e a diversão. Estudos recentes de nomes consolidados da Comunicação Social, como Mark Deuze, professor das universidades de Leiden e Indiana, nos Estados Unidos, e as brasileiras Raquel Recuero, professora da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), e Alessandra Aldé, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), indicam uma realidade não muito convidativa, mesmo para os mais aventureiros.

Em síntese, os estudiosos observam que, apesar de o barateamento do acesso às novas tecnologias ter proporcionado novos espaços de conhecimento e debate, a produção profissionalizada de conteúdo informativo – em blogs principalmente – também é, ainda, monopólio das grandes empresas de mídia. É como se os clássicos “formadores de opinião” do século passado tivessem migrado para a internet, levando com eles audiência, visibilidade e os habituais patrocinadores daquela mídia convencional.

Para que blogs e sites dos mais variados tipos, alheios a esse establishment, consigam surgir e crescer, têm sido necessárias grandes doses de boa vontade. É o caso da revista cultural Paradoxo, projeto que entra em seu quinto ano de vida, todos eles sem patrocínio. Embora a estrutura do site tenha jeito profissional, com editor-chefe, editores, subeditores e até correspondentes fora do Brasil, o conteúdo é produzido sem promessa de retorno financeiro. O editor-chefe Marcus Cardoso, um jovem estudante de jornalismo que buscou na internet espaço para experimentar o que o limitado mercado de trabalho de Vitória não oferecia, diz que é paixão o que o faz se dedicar com tanto afinco às atualizações semanais do site. Ele lamenta ter que bancá-lo há cinco anos, mas, ao mesmo tempo, admite desconhecer o caminho das pedras para buscar patrocínio.

O site mineiro Pílula Pop, de cultura, viveu durante parte de 2005 e 2006 situação diametralmente oposta. Um grupo de estudantes de jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais resolveu juntar o projeto de uma revista com um blog e fazer da marca um site, um programa de TV e um de rádio. “Queríamos ter o Pílula como uma vitrine, mas não pensávamos em ganhar dinheiro diretamente com ele. As aprovações nas leis de incentivo federal e estadual foram uma surpresa”, diz Braulio Lorentz, um dos editores do site.

O site foi aprovado no Programa Natura Musical, em 2005. Gastos com hospedagem e domínio passaram a ser custeados pela verba do programa. Durante um ano, editores, repórteres e colaboradores ganharam salários compatíveis com o mercado. O site promoveu festas com a presença de nomes importantes do cenário independente nacional. As constantes atividades resultaram em divulgação e fôlego para o veículo. O pique, no entanto, durou até o fim de 2006. “Depois que saímos da faculdade paramos de correr atrás de festas, de patrocínios”, conta Braulio. A impossibilidade de sustentar uma estrutura profissional com baixa remuneração e grande responsabilidade não teve como ser conciliada. Indicativo disso é ele hoje considerar o trabalho de repórter do Jornal do Brasil como o “de verdade”, o que exige mais.

O processo de “criação” da informação pode ser também entendido como ferramenta educativa. Clarissa Nanchery, aluna de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense, participa de uma oficina de alfabetização audiovisual chamada Lanterna Mágica, numa escola municipal de Niterói, na qual as crianças são o sujeito da produção. “A gente pega elementos que eles já têm constituídos, os filmes que eles gostam de assistir, os vídeos, os desenhos animados, e tenta reconfigurá-los, porque as mídias comerciais são muitos presentes nas vidas dessas crianças. Elas não têm acesso a outro tipo de mídia”, explica. “Esse projeto é uma forma de mídia livre, porque é democratizante, ao criar uma produção sob a perspectiva da criança.” Ou seja, é uma forma de ampliar os recursos do universo educativo.

Por essas e outras necessidades, instrumentos não convencionais têm sido aproveitados principalmente por universitários, na tentativa de produzir conteúdo de visibilidade e ganhar experiência. O projeto TJ UFRJ, dos alunos da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, é um espaço orientado ao telejornalismo e um meio de desenvolver já nos primeiros anos de estudo habilidades exigidas por grandes redações. Os alunos trabalham e são remunerados como se o programa fosse atividade de estágio. A experiência valoriza o currículo e a iniciativa é tida pelos professores como estratégica. Mas universitários vêm e vão, e falta espaço para os diplomados. Ou seja, embora estimule a experimentação, o projeto, na melhor das hipóteses, será um trampolim para um mercado de trabalho com pouca perspectiva criativa.

A estudante Juliana Teixeira, envolvida no TJ UFRJ, avalia que projetos como esse devem ser estimulados, pois permitem mostrar ao aluno e aos espectadores um telejornalismo diferenciado do tradicional. “A gente aprende a pensar jornalismo, a ter uma visão mais humanística, com prática e teoria”, afirma. Juliana quer fazer mestrado depois da graduação para continuar próxima de projetos experimentais, pois acredita que esse tipo de liberdade criativa é rara dentro das empresas hegemônicas. E mantém esperanças de que o modelo tradicional cederá espaço às inovações, pelas mãos dos novatos que estão entrando e mudando o formato gradualmente. E o principal fator para, lá na frente, mexer de maneira expressiva na produção audiovisual é alimentar com liberdade e oportunidade o apetite transformador.

Música também é mídia livre

Garganta do Futuro

A banda-conceito Sol na Garganta do Futuro, formada por cinco rapazes de Vitória, une poesia declamada com melodia experimental e vídeo. Distribui a produção sob o selo de livre reprodução da Creative Commons e permite que outros se apropriem de suas composições para utilizar em novas experiências. “A mídia livre pra gente é natural. Um DJ pode pegar um pedaço da flauta da nossa música, colocar numa batida diferente e botar na trilha de um filme. A idéia é não ficar preso – até pela falência do formato CD e da indústria fonográfica”, comenta Fabricio Noronha, vocalista. A banda não tem site próprio. Utiliza ferramentas como MySpace, YouTube e Fotolog para criar vínculos com curiosos que, por sua vez, contribuem para a composição de novas obras. Na Oficina Garganta, durante o Fórum de Mídia Livre, os interessados faziam intervenções e construíam uma cadeia diferenciada de composição musical. É música colaborativa. Mas como sobreviver de música experimental em plataforma de mídia livre? Para Fabricio, o músico também deve transpor as barreiras da melodia e participar de projetos de cinema, poesia, pintura, produção cultural – promover-se dentro de uma idéia original de arte com um sem-número de formatos. Estabelecer um diálogo de mídia.

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