Pasquale

Crase significa fusão, mistura

Alguém já disse que a crase não foi feita para humilhar ninguém. De fato, não foi

mendonça

Para ser mais preciso, não custa lembrar que o nome do acento que se vê em “à ou “às” não é crase. Esse acento se chama “grave”. Sim, acento grave (ou acento indicador de crase, como preferem alguns). Até 1971, o acento grave não tinha apenas a função de indicar a ocorrência da crase. Era usado também para marcar a sílaba subtônica de palavras como “cafezinho”, “somente” ou “unicamente”, por exemplo. Como funcionava isso? E que história é essa de sílaba subtônica? É simples: a sílaba tônica de “café” é “fé”; em “cafezinho” (cuja sílaba tônica é “zi”) a sílaba “fe” é subtônica.

Até 1971, grafava-se “cafezinho” com acento grave na sílaba subtônica (“cafèzinho”). Isso ocorria com todas as palavras derivadas de primitivas em que há acento agudo. Nas derivadas, esse acento agudo era trocado pelo acento grave. É por isso que, se você apanhar um livro impresso antes de 1971 (na verdade, até um pouco depois, porque as editoras levaram algum tempo para respeitar a alteração), encontrará palavras como “somente” e “unicamente” grafadas com acento grave na primeira sílaba (“sòmente” e “ùnicamente”).

É bom deixar claro: esse papel do acento grave morreu em 18 de dezembro de 1971. Hoje, esse acento é usado unicamente para marcar a ocorrência da crase. E o que é crase? Crase significa fusão, mistura. Em “Diga não à violência”, por exemplo, temos a fusão, ou seja, a crase da preposição “a”, exigida pelo verbo “dizer” (dizer a alguém), com o artigo feminino “a”, imposto pelo substantivo feminino “violência”. O resultado dessa fusão (a + a) é “à”.

Não custa nada relembrar um velho artifício, o da troca do substantivo feminino (“violência”, no caso) por um masculino, como “fumo”. Que ocorre? De “à” passamos
a “ao” (“Diga não ao fumo”), ou seja, em vez de “à” (a + a), temos “ao” (a + o).

Posto isso, vamos ao centro de nossa conversa de hoje: recebi uma mensagem do leitor Josué A. Possani, que queria saber por que em “de segunda a sexta” não se emprega o acento grave no “a”, mas em “das 9h às 18h” o bendito acento aparece. “Os casos não são iguais?”, pergunta o leitor, que também quer saber se realmente só há acento no segundo caso. Sim, caro Josué, só há acento grave no segundo caso, que, por sinal, é bem diferente do primeiro. Vejamos por quê.

Em “de segunda a sexta”, não usamos artigo antes de “segunda”, certo? Não dizemos “da segunda”, mas “de segunda”. A falta de artigo se explica pela ausência de determinação do substantivo “segunda” (que na verdade é a redução de “segunda-feira”). Sem o artigo, falase de qualquer segunda-feira, de todas as segundas-feiras. Ora, se não se usa artigo antes de “segunda” (que, é bom repetir, é a redução de segunda-feira”), por que se usaria antes de “sexta”? É só levar em conta a simetria, o paralelismo: “de (sem artigo) segunda a (sem artigo, portanto sem acento grave) sexta”.

Quem preferir pode fazer o teste da substituição: basta trocar “sexta” por “sábado” ou “domingo” (palavras masculinas). Que temos? Temos “de segunda a sábado” ou “de segunda a domingo”. Como se vê, não há artigo antes de nenhum dos substantivos empregados, ou seja, as construções são simétricas.

Vamos ao outro caso, o das horas. Se dizemos “das 9h” (ou seja, das 9 horas), é mais do que evidente que colocamos o artigo antes dessa indicação de horário. Como sabemos, “das” é o resultado de “de” + “as”. A simetria nos leva a deduzir que, se empregamos o artigo antes do horário inicial, devemos empregá-lo também antes do horário final: “das (de + as) 9h às (a + as) 18h”. Vamos ao teste da substituição. Trocaremos “18h” (18 horas, expressão feminina) por “meio-dia”, expressão masculina. Que temos? Temos “das 9h ao meio-dia”. Percebeu a simetria, caro Josué? Se temos artigo de um lado, temos do outro. Moral da história: “Trabalhamos de segunda a sexta, das 9h às 18h”.