Ponto de Vista

Por que o governo acerta

Estamos longe do razoável, mas é alentador constatar que mais de 12 milhões de brasileiros saltaram das camadas D e E para a C. A construção de uma classe média majoritária é o ideal de qualquer sociedade moderna

Ricardo Stuckert/PR

O governo do presidente Lula obteve em março, segundo pesquisa CNI-Ibope, seu mais alto índice de aprovação desde 2003, quando o primeiro governo se iniciava com o saldo do entusiasmo da vitória eleitoral. Apenas 11% dos entrevistados o consideraram ruim ou péssimo. O avanço na aprovação do governo foi de 7% nos últimos quatro meses, se comparado com os 51% apurados em dezembro do ano passado, também pelo Ibope.

Muito mais importante – e isso serve para explicar o tom odioso de certas personalidades da oposição – é a avaliação pessoal de Lula. Em geral um presidente se desgasta no exercício do poder. No caso de Lula, esse desgaste seria explicável pela carga de virulência da oposição, alimentada pelos preconceitos de classe. E qual foi o desgaste nos últimos cinco anos? Estatisticamente, de 3 pontos percentuais (de 75% em março de 2003 a 72% agora). A leitura lógica é a de que o povo entende as suas dificuldades na chefia de um governo heterogêneo e constituído de parlamentares que o pressionam a partir da necessidade de maiorias pontuais no Congresso. Infelizmente – e essa é uma das anomalias de nosso sistema constitucional – os parlamentares participam do Poder Executivo. Nos Estados Unidos, deputados e senadores não podem ser ministros.

Bem próxima da avaliação pessoal do presidente é a manifestação da confiança do povo. Sessenta e oito por cento dos entrevistados dizem confiar em Lula. Isso significa aceitar sua liderança para além do atual mandato, o que o torna árbitro do próximo pleito presidencial. Houve substancial aumento nessa confiabilidade nos últimos meses (em dezembro, era de 60%), no momento em que crescem as especulações sobre a sucessão. Outro dado, importante para a análise, é o da avaliação do atual mandato, com relação ao primeiro. Enquanto 42% dos entrevistados consideram o segundo mandato melhor que o anterior, apenas 16% acham o contrário. No intervalo se encontram os que vêem os dois mandatos de Lula com a mesma avaliação positiva.

Muitos tentam explicar esse êxito como resultado dos fatores gerais da economia. Os fatores internos são mais importantes para entendê-lo do que o processo mundial e se relacionam com a boa gestão do Estado. Nos oito anos anteriores, apesar da alienação do patrimônio nacional, com as privatizações, a dívida pública passou de 32,5% do PIB, em 1994, para 57,3% do PIB, em 2002. A causa do aumento foram os juros altos a fim de atrair dólares que mantivessem a mentira da paridade do real com a moeda americana, durante o primeiro mandato do Sr. Fernando Henrique. Essa esperteza estouraria na maxidesvalorização do real em janeiro de 1999, da qual apenas alguns, como o banqueiro Cacciola, se beneficiaram.

As reservas internacionais eram de US$ 42,8 bilhões em 1994, recuaram para US$ 16,3 bilhões em 2002 e chegaram a US$ 195 bilhões este ano. Os débitos com o FMI e com o Clube de Paris foram quitados. A inflação de 9% se reduziu a cerca de 4%. Muitos dizem que a situação melhorou devido ao aumento da procura por alimentos, manufaturas e matérias-primas pela China. A China vem crescendo desde o início dos anos 80. O governo anterior desprezou mercados como China, Índia e África e deixou o Mercosul em banho-maria. Lula se dedicou a ampliar o nosso mercado no mundo, de maneira realista e pragmática.

Outras iniciativas, como a ampliação do crédito, o estímulo ao consumo popular, os programas sociais e a valorização do salário mínimo, fermentaram toda a economia. Daí a criação no governo Lula de, em média, 1,2 milhão de empregos por ano, com carteira assinada, ante a média de 132 mil empregos formais por ano no governo do PSDB. Ainda estamos longe de situação razoável, mas é alentador constatar que mais de 12 milhões de brasileiros saltaram das camadas D e E para a classe C. Encaminhamo-nos para a construção de uma classe média majoritária no país – o ideal de qualquer sociedade moderna.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980