Brasil

Medo de crescer

O país atinge seus melhores índices de emprego das últimas décadas, mas, em vez de aproveitar o momento para solidificar a economia, o BC e o “mercado” fazem dos juros altos uma obsessão

GERARDO LAZZARI

A ampliação do mercado doméstico é o diferencial da atual fase da economia em relação ao passado de inflação alta

A expansão do crédito, o bom desempenho da construção civil e os investimentos de empresas interessadas em ampliar a produção para atender ao aumento da demanda têm feito o mercado de emprego bater recordes históricos. Em 2007 foi criado 1,6 milhão de postos de trabalho com carteira assinada. Mantido o ritmo dos dois primeiros meses deste ano, quando foram abertas 350 mil vagas, melhor resultado bimestral da história, mais de 1,8 milhão de novas ocupações formais poderão surgir em 2008. Apesar do desempenho, o emprego, um importante termômetro da economia, tem perdido espaço no noticiário para matérias sobre câmbio, juros e superávit primário. Sinal do empobrecimento da discussão econômica no país, a cobertura se orienta pela agenda do mercado financeiro. Um quadro diferente do visto em muitos países, até nos tidos como os mais liberais do mundo.

Considerados os maiores defensores do liberalismo, os Estados Unidos têm nos números do mercado de trabalho um dos principais indicadores de orientação de sua política monetária. Pesquisas relacionadas ao emprego são um dos dados mais aguardados pelos analistas, diferentemente do que ocorre por aqui, onde os olhos dos observadores estão fixados na divulgação dos juros ou no vaivém do câmbio. Quando em fevereiro os números de emprego na maior economia do mundo atingiram o nível mais baixo em cinco anos, foi a senha para algumas das maiores intervenções dos Estados Unidos em sua história econômica recente: primeiro, a redução da taxa de juros em 1,25 ponto percentual diante dos sinais de que a crise do mercado imobiliário começava a atingir a economia real; e no final de março o Tesouro impôs uma nova regulação do sistema financeiro em busca de evitar novos colapsos, como não se via desde a crise de 1929.

“O Banco Central dos Estados Unidos observa sempre esses números, porque indicam a trajetória futura da economia e a saúde dos investimentos. Eles têm como objetivo central a preocupação com o emprego”, afirma o economista da RC Consultores Fabio Silveira.

Para o professor da Universidade Estadual de Campinas Ricardo Carneiro, a discussão econômica está centrada na agenda do mercado. O controle da inflação, em vez de um meio de tornar a vida econômica do país mais saudável, virou um fim em si mesmo. “Hoje, discutem-se câmbio, juros e superávit primário, e nada mais. Há uma obsessão desmedida pela inflação baixa”, diz Carneiro. Se nos Estados Unidos o mandato do presidente do Banco Central persegue o pleno emprego, no Brasil o caminho é diferente.

A meta de inflação não está atrelada à meta de emprego ou de crescimento da economia. Inflação baixa e juros ainda elevados são ingredientes que vêm engordando os resultados do setor bancário desde o início do Plano Real, em 1994. “O sistema financeiro passou a desempenhar importante papel nos rumos da economia”, afirma Fabio Silveira. “A agenda baseada em inflação baixa e superávit primário, para pagar os juros da dívida, orienta a visão dominante econômica”, diz Carneiro.

Investidores estrangeiros também ganham com a agenda do mercado. Aplicar em papéis de renda fixa brasileiros significa ganhar muito dinheiro sem fazer força e com baixo risco. Com a inflação em cerca de 4% ao ano e juros em 11,25% desde setembro, os investidores que compram papéis brasileiros têm uma remuneração real de 7,5% ao ano. Bem diferente do visto nos Estados Unidos, onde o juro real está negativo em 1 ponto percentual. Com esse atrativo, os investidores aplicam recursos no Brasil. São investidores que podem tirar o dinheiro de um país em minutos e trazer instabilidade para a economia.

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Mercado aquecido

Os níveis de emprego, de contratação de pessoal, estoques da indústria, que mostram o lado real da economia, têm perdido espaço na discussão econômica e na mídia, apesar de seu bom desempenho. Em fevereiro de 2008, segundo dados do Ministério do Trabalho, o emprego formal cresceu 38% em relação a 2007. Os desempenhos do setor agrícola e da construção civil impulsionam os números.

Desde 2004, a taxa de ocupação da população brasileira vem crescendo em média 3% ao ano e a massa salarial, 5%. Ou seja, as empresas brasileiras têm contratado mais pessoas para atender ao crescimento da demanda. Pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela que 96% dos acordos salariais conseguiram repor ou superar a inflação com ganhos reais em 2007.

“A entrada no ano foi favorável, e a expectativa para os próximos meses, até o momento, é positiva”, afirma Cimar Azeredo, gerente da pesquisa mensal de emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também vem sendo registrado aumento da formalidade. Em janeiro, o número de ocupados com carteira assinada cresceu 8,7% em comparação anual. A participação dos empregados com carteira no total de ocupados chegou ao nível mais alto da série, iniciada em 2002, alcançando 43,8% em janeiro deste ano. Em janeiro de 2007 a fatia dos com carteira não ultrapassava 41,7%.

Nesse cenário, o mercado interno deverá responder por mais de dois terços do crescimento de 5% projetado para este ano. Essa é uma das razões que explicam por que a economia brasileira não deverá ser tão afetada pela crise nos Estados Unidos. O analista do banco Crédit Suisse Roberto Attuch estima também que, com as agências concedendo ao Brasil a classificação de país com reservas suficientes para saldar seus compromissos externos, a economia interna ainda deve receber um novo impulso. “O crescimento da economia interna poderia ser mais vigoroso, com o acesso de crédito mais barato para as empresas”, diz Attuch.

Virar o disco

Qual a importância do aquecimento do mercado de emprego? Por que nos Estados Unidos e na Europa ele é tão aguardado pelos analistas de mercado? São um termômetro importante de como está a atividade econômica. Quanto mais pessoas empregadas, mais renda disponível e, conseqüentemente, maior consumo. São sinais positivos que podem contribuir para a discussão sobre a necessidade ou não de uma alta de juros. Economistas projetam alta de 10% nas vendas do varejo neste ano, número semelhante ao de 2007. Isso demonstra vigor do mercado interno e cria um círculo virtuoso.

A produção industrial medida pelo IBGE, puxada pelo setor automotivo, aumentou em fevereiro 9,7% em relação a fevereiro do ano passado. Foi o vigésimo crescimento anual consecutivo. De olho na demanda em alta, empresas investem na ampliação de sua capacidade. Pesquisa da FGV com 381 empresas apurou, em março, que elas estimam uma expansão de 11% da capacidade instalada neste ano, maior alta desde janeiro de 2005. Entre 2008 e 2010 a expansão prevista é ainda maior: 22%. Investindo no aumento de capacidade, as indústrias passam a operar com maior folga, menores custos, o que reduz as pressões inflacionárias. Um indicador que poderia apontar na direção de juros menores – ao contrário da tendência que se tem notado no Conselho Monetário Nacional de voltar a subir os juros.

Para o jornalista Luis Nassif, a pesquisa da intenção das empresas de ampliar sua capacidade instalada é um dado eloqüente que indica que o país hoje poderia crescer sem pressões inflacionárias e está na contramão do que vem sendo feito até agora. “O que vem ocorrendo sistematicamente é que basta a utilização da capacidade instalada crescer para o BC abortar o processo antes que os investimentos sejam efetivados”, diz.

“O emprego, a capacidade instalada e o efeito do câmbio baixo na indústria nos próximos anos são questões colocadas de lado. Só olhamos a inflação. Parece que temos medo de crescer e deixamos de pensar o futuro”, afirma o consultor Fabio Silveira. É como se o país tivesse se acostumado ao baixo crescimento da década de 1980 e da de 1990 e visse que crescer 4% com inflação baixa já está de bom tamanho. “A visão estratégica de Estado, de país, vai-se perdendo”, afirma Carneiro.

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