meio ambiente

Desafio amazônico

Operação em Tailândia (PA) expõe os dilemas da ocupação da floresta. Ao enfrentar a dependência da exploração predatória, cidade pode virar referência de sustentabilidade

DAVID ALVES/AG. PARÁ

O agricultor Basílio Skavronski, de 60 anos, chegou a Tailândia (PA) em 1988, com a fundação da cidade. Filho de poloneses, saiu do Paraná em busca de um pedaço de terra para a família. A agricultura não prosperou. A crescente extração ilegal da madeira e o trabalho nas carvoarias acabaram se consumando como principal fonte de sustento das famílias locais. Dezenas de serrarias que processam a madeira da Amazônia a até 50 quilômetros da margem da rodovia PA-150 – que liga a capital Belém a Goianésia do Pará, no sudeste do estado – fornecem matéria-prima para os fornos que alimentarão as guseiras de Marabá, onde o ferro extraído de Carajás é processado. Nos quatro alqueires de terra que dividiu com a ex-mulher, filhos e genros, Skavronski planta milho e feijão, mas só para consumo familiar.

A renda principal vinha dos oito fornos que foram destruídos pela operação Guardiões da Amazônia, detonada em fevereiro deste ano pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). A operação mudou radicalmente o cotidiano da população depois da ocupação pela Força Nacional e teve repercussão mundial após o confronto entre populares e a polícia. Mas pode servir de referência para a defesa da floresta mais importante do planeta. O objetivo é dar início a arranjos econômicos e sociais sustentáveis que revertam o histórico de dependência das madeireiras, das carvoarias e da exploração predatória.

Um decreto estadual determinou que toda a madeira ilegal apreendida deve ser retirada e leiloada. A receita será revertida aos cofres do município e ao reforço dos órgãos de fiscalização. Na primeira etapa da operação foram apreendidos 10 mil metros cúbicos de madeira, com valor estimado em mais de R$ 3 milhões. No começo da ação, quando a Sema e a Polícia Militar tentavam retirar a madeira, a população reagiu com violência. A Polícia Civil suspeita de uma ação de incitamento entre as cerca de mil pessoas que participaran de confrontos com a PM e apura o envolvimento de empresários e políticos locais, com uma suposta distribuição de bebida alcoólica, no episódio. Depois que funcionários da secretaria e do Ibama foram ameaçados de morte, o governo federal enviou 200 homens da Força Nacional, que se somaram à Polícia Federal e à PM local para dar suporte aos procedimentos de fiscalização, apreensão e multa.

Segundo o sindicato das madeireiras locais, mais de 9.000 pessoas ficaram sem trabalho por causa da operação. O prefeito Paulo Jasper (PSDB), dono de grandes propriedades rurais no município, criou uma frente de emergência para dar emprego a 96 pessoas, que varrem as ruas da cidade. Sopa e cestas básicas são distribuídas para os demitidos e a população mais carente. Depois de um mês da operação, e pressionado pelo governo, Jasper decretou “situação de emergência”. No dia 25 de março, o prefeito e a governadora Ana Júlia Carepa (PT) assinaram termo de cooperação com investimentos de R$ 12 milhões do estado em ações assistenciais e de fomento ao desenvolvimento sustentado.

Dever de casa

Com a presença da Força Nacional – que deve durar 90 dias – e o noticiário na TV, o sentimento inicial era de humilhação. A cidade tem baixos índices de desenvolvimento humano e já foi listada no Ministério da Justiça como a sexta mais violenta do Brasil. Desemprego, trabalho informal e degradante não eram raros. Mesmo nas carvoarias ou serrarias, o emprego era de curta duração.

Sérgio Tavares Araújo, de 40 anos, mostrou para a reportagem sua carteira de trabalho com uma sucessão de admissões e dispensas da PW Transportes Ltda., que administra fornos de carvão em Tailândia e pertence ao mesmo dono de uma das maiores serrarias da região. Sérgio trabalha em fornos desde 2001, estudou até a quarta série e mal sabe escrever o nome. Entre 2004 e 2007 teve três registros de admissão e dispensa, sempre na mesma empresa. “Mas nunca parei de trabalhar”, disse ele, que ficava em média 10 horas por dia enchendo fornos para ganhar R$ 150 por semana – bem mais que o registrado na carteira. Isto é, Sérgio perdia muito com encargos e direitos não recolhidos. “E o trabalho não é nada bom para a saúde”, disse ele, que é casado, tem dois filhos, e sofre com uma hérnia. “Espero que a ação do governo melhore a situação, apesar da gente estar sofrendo com ela”, disse.

A exploração florestal rendeu mais de R$ 4 bilhões em 2007. Mas os madeireiros reclamam que o setor amarga uma queda de 30% da produção e a aprovação de projetos de manejo e extração legal demora. A Sema avisa que não há como evitar a desaceleração da indústria, até porque a intenção é diversificar a base produtiva e criar negócios que mantenham a floresta em pé. A área já degradada deve ser usada na agropecuária e no reflorestamento.

Numa reunião com integrantes do governo, no final de março, um madeireiro sugeriu que pudessem continuar na “informalidade” enquanto o governo fazia o “dever de casa” na aprovação de projetos de manejo. O secretário de Projetos Especiais, Marcílio Monteiro, respondeu que o processo é irreversível e “não faltou aviso”, confirmando que há uma queda-de-braço longe de acabar. “Muitos madeireiros mantêm suntuosas casas no Paraná e só aparecem aqui quando há problemas a resolver.”

Para tentar reverter o colapso social que se anuncia no município, além de planos de assistência foram anunciados projetos emergenciais de fomento a novas bases produtivas. As prioridades serão agropecuária familiar, implantação de indústrias de beneficiamento e de escolas de formação agrária e regularização fundiária (Tailândia tem uma área de 460 mil hectares e menos de 10% das terras tituladas). Em breve, uma rede de fibra ótica da Eletronorte proporcionará acesso gratuito à internet de alta velocidade em toda a cidade.

Para o secretário de governo, o economista Cláudio Puty, se Tailândia pretende dar um salto nos próximos anos, terá de suportar as dificuldades: “A gerência sustentável dos recursos da floresta é possível? É dramático, mas temos de perceber o momento histórico de mostrar ao mundo que é”.

Enquanto autoridades e lideranças locais discutem o futuro, conflitos se voltam para o campo, onde alguns grupos de desempregados ocupam áreas de floresta para tentar abastecer atravessadores das serrarias. O “movimento” ganhou o apelido de “sem-toras”. Basílio Skavronski resigna-se e entende o desafio amazônico. “Nossa vida nunca foi fácil, o que dói é a fome. Mas superamos isso”, diz, enquanto ajuda os filhos a montar uma “caieira”, forno artesanal feito no chão para aproveitar restos de madeira. “Não temos dinheiro para o gás. Até ficamos com medo da polícia ver a fumaça e vir prender a gente, mas isso é só para cozinhar o feijão”, explica o genro, Antonio Francisco Alves da Silva.