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A gente era assim

O Barão Vermelho misturou o suingue negro americano com a poética brasileira, contrastando com o rock “branquela” que insistia em predominar. E resistiu mesmo sem Cazuza

divulgação

Cazuza, Roberto Frejat, Dé, Guto Goffi e Maurício Barros gravaram em apenas dois dias aquele que seria o primeiro disco do Barão Vermelho. Com canções importantes como Ponto Fraco e Down em Mim, começava em 1982 uma das carreiras mais bem-sucedidas do rock nacional. Integrantes entraram e saíram, mas o Barão se manteve firme e forte. Para marcar esses 25 anos de estrada, a apresentação histórica no Rock in Rio de 1985 foi lançada em CD e DVD. Ainda este ano, sai também uma biografia, Por Que a Gente É Assim?, escrita por Guto Goffi, Ezequiel Neves e pelo jornalista Rodrigo Pinto.

“O grupo foi formado, ainda na época de colégio, por mim e pelo Guto Goffi. Aos poucos encontramos os outros integrantes e por fim o Cazuza, que começou a mexer nas letras e conhecia muita gente do meio artístico, o que ajudou bastante no início. O rock, na época, era maldito, underground”, lembra Maurício Barros. “Não tocava no rádio. Fizemos nosso primeiro show no Circo Voador, ainda no Arpoador, junto com a Blitz. Nunca ficamos muito presos ao que estava rolando.” Maurício também reconhece que se destacavam pelas letras e pelo carisma do cantor. “A sonoridade era crua e totalmente diferente do som pasteurizado da maioria.”

Guto Goffi via no grupo influência da música negra americana misturada à poesia de Cartola, Ângela Ro Ro e Luiz Melodia. “As outras bandas da época eram derivadas do punk – Sex Pistols, The Clash –, que eram bandas mais branquelas, com outro suingue.” A referência mais forte do Barão Vermelho sempre foram os Rolling Stones. “Fiquei impressionado com aqueles cinco moleques novinhos que tocavam um som à la Stones e com um vocalista que não tinha técnica alguma, era um berrador, mas muito carismático”, lembra o jornalista Jamari França. “Além disso, o Barão teve em suas fileiras um dos maiores letristas do Brasil, Cazuza”, completa Arthur Dapieve, autor do livro BRock – O Rock Brasileiro dos Anos 80.

O Barão Vermelho estourou em 1984 com o álbum Maior Abandonado, que trazia sucessos como a faixa-título, Bete Balanço e Por Que a Gente É Assim? A banda rodou o Brasil e encarou talvez um de seus maiores desafios – a platéia do Rock in Rio. “Eles mostraram que o rock brasileiro poderia ser comparado ao de algumas bandas internacionais que se apresentaram por lá”, acredita Marcos Mazzola, coordenador do CD e DVD do show, que conta com o documentário Aconteceu em 85. O primeiro show do Barão Vermelho no Rock in Rio foi realizado no mesmo dia em que foi eleito Tancredo Neves, primeiro presidente civil após um longo período de regime militar. Cazuza saudou ao final de Pro Dia Nascer Feliz: “Que o dia nasça lindo pra todo mundo amanhã. Com um Brasil novo, com a rapaziada esperta! Valeu!”

Segundo Rodrigo Pinto, havia uma sensação de que Tancredo personificaria o início da modernidade e o fim da caretice dos generais. “Mas, que ninguém se iluda, ele era um cara muito ligado ao poder constituído. No show, o Barão deu voz à vontade que havia de que os militares fossem embora. Naquele momento, a classe média, dentro e fora do palco, se manifestou coletiva e contrariamente à ditadura, que estava de saída”, comenta. “Como brasileiros e jovens, nascidos em plena ditadura militar, sentimos a importância daquele momento, e celebramos com a platéia”, completa Maurício Barros.

Poucos meses depois o vocalista Cazuza abandonaria os antigos colegas e partiria em carreira solo. “Tivemos de nos reinventar, começar tudo de novo. Não modificamos muito a sonoridade da banda, apenas seguimos nosso processo de amadurecimento técnico com a experiência na estrada e no estúdio”, acredita Maurício.

Jamari França considerava Cazuza, com todo o seu talento, um corpo estranho dentro do Barão porque era caótico e não era músico, obrigando os demais a se adaptar a ele. Para o jornalista, depois da saída, “o Barão virou uma banda de músicos que podiam trabalhar de maneira mais integrada”. As dificuldades da transição foram superadas no álbum Na Calada da Noite, de 1990, que mostra uma banda madura, com composições como Política Voz e O Poeta Está Vivo. Guto Goffi concorda: “É o melhor de todos os nossos discos. Representa a nossa libertação definitiva do Cazuza”.

O Barão Vermelho lançou 18 álbuns e teve outros grandes momentos. Voltou a arrebentar no Hollywood Rock de 1990 e abriu os shows dos Rolling Stones no Brasil em 1995. “Mas o melhor show de todos foi o do Rock in Rio 2001, tocamos como se fosse a última chance de provar que somos fodas”, avalia Guto Goffi.

Ao avaliar toda a trajetória do Barão Vermelho, Guto Goffi destaca a determinação cega, que atribui a ele e Frejat, com que conduziram a história, de cuja farra muita gente participou – além de Guto, Frejat, Maurício, Dé e Cazuza, passaram pela banda Fernando Magalhães, Peninha, Rodrigo Santos e Dadi. “O Barão não se tornou um pastiche de si próprio. Não envelheceu nem amadureceu. Faz basicamente o mesmo som do início da carreira com rara competência. Eles continuam com a garra de garotos”, completa Arthur Dapieve.

Unidos pelo rock

A turnê 25 Anos Rock começou no dia 27 de outubro em Belo Horizonte e segue até 19 de janeiro, quando se encerra com um show no Rio de Janeiro. Durante esse período, Paralamas do Sucesso e Titãs dividirão os palcos em Salvador (11 de novembro), São Paulo (24 de novembro), Florianópolis e Porto Alegre – ambos sem datas confirmadas. É a terceira vez que as duas bandas tocam juntas, comprovando que essas duas décadas e meia de histórias se passaram principalmente na estrada.

Em 1982, formada pelo vocalista e guitarrista Herbert Vianna, o baixista Bi Ribeiro e o baterista João Barone, substituindo Vital, estreava a banda Paralamas do Sucesso com uma apresentação na Universidade Rural do Rio de Janeiro. No ano seguinte era lançado seu primeiro disco, Cinema Mudo, sucedido pelo consagrado O Passo do Lui (1984), que reuniu os sucessos Meu Erro e Óculos.

O primeiro grande desafio aconteceu em janeiro de 1985, quando se apresentou por duas vezes no Rock in Rio. Feliz pelo show, mas insatisfeito com a recepção do público, o vocalista Herbert Vianna desabafou dizendo que as pessoas fossem para casa aprender a tocar um instrumento e, quem sabe, no ano seguinte, estariam ali também.

Os Paralamas dariam um passo adiante na carreira com o álbum Selvagem? (1986), que vendeu cerca de 700 mil cópias e se destacou por misturar vários ritmos com MPB. Por exemplo, os hoje clássicos Alagados e A Novidade. De lá para cá, a banda lançou mais 15 discos. A trajetória quase foi interrompida em fevereiro de 2001, quando Herbert Vianna sofreu um grave acidente de ultraleve, no qual morreu sua mulher, Lucy – e do qual vem se recuperando movido a música.

Um dos momentos marcantes na estrada foi o festival Hollywood Rock, de 1993, quando, ao lado dos Titãs, se tornou o primeiro artista nacional a encerrar uma de suas noites. A dobradinha voltou a se repetir em 1999, quando as duas bandas participaram do projeto Sempre Livre Mix, viajando por várias capitais do Brasil. “Quando fomos convidados pela primeira vez para tocar no Hollywood Rock pensamos em fazer um encontro interessante, que pudesse funcionar como atração principal e quebrasse um pouco a regra de que brasileiros tocavam para abrir para os principais estrangeiros. No final, ficamos com aquela sensação de ter feito algo muito legal”, lembra João Barone.

Sérgio Britto, vocalista e tecladista dos Titãs, considera que as bandas têm muito mais em comum do que se imagina. “Quando nos reunimos para tocar fica evidente que compartilhamos um mesmo conhecimento e gosto pela canção brasileira. Independentemente do som que cada banda faz, temos o mesmo gosto pela melodia e pela letra. Também temos em vista uma maneira de fazer rock com algum dado de brasilidade.” Acrescenta Herbert: “Além disso, cada vez que a gente ensaia e se encontra reforçamos uma admiração mútua”.

Os integrantes dos Titãs foram se modificando ao longo desses 25 anos. Formado inicialmente por oito integrantes, a banda já chegou ao seu primeiro disco, homônimo, de 1984, desfalcada de Ciro Pessoa. No ano seguinte, perderia André Jung para o Ira! Em troca, receberia da mesma banda Charles Gavin, que continua comandando as baquetas até hoje. Em 1991, foi a vez de Arnaldo Antunes partir, passo que seria dado também por Nando Reis em 2002. Antes, em junho de 2001, o guitarrista Marcelo Fromer foi atropelado em São Paulo por um motociclista e não resistiu.

O estrelato dos Titãs veio em 1985 com aquele que é considerado por muitos um dos melhores álbuns do rock brasileiro. Cabeça Dinossauro reuniu sucessos como Polícia, Igreja, Família e Bichos Escrotos, entre outros. O disco que mais vendeu, no entanto, foi o Acústico MTV, de 1997, que chegou a 1,7 milhão de exemplares. Ao todo, a banda lançou até agora 15 álbuns e da sua formação inicial mantém, além de Sérgio Britto e Charles Gavin, Paulo Miklos (vocais), Tony Bellotto (guitarra) e Branco Mello (vocais).

“A gente está sobrevivendo. Crescemos na era do vinil, pegamos a do CD e agora estamos assistindo ao fim da era do CD e, de certa forma, o da própria indústria do disco”, acredita Tony Bellotto. “Nossas histórias, por definição, são ligadas à estrada. Gostamos de fazer shows e nunca vamos parar”, finaliza Charles Gavin.