Barulho na praça

Marcelo Min/Agência fotogarrafa Claudinei, 4 dedos decepados num acidente de trabalho. O que ele espera do futuro? “Nada” Muitas situações devem ter inspirado o escritor Dante Alighieri a descrever o […]

Marcelo Min/Agência fotogarrafa

Claudinei, 4 dedos decepados num acidente de trabalho. O que ele espera do futuro? “Nada”

Muitas situações devem ter inspirado o escritor Dante Alighieri a descrever o inferno com imagens de fogo, monstros, choros e ranger de dentes. É o universo do sofrimento, e, hoje, uma dessas situações pode ser o mundo do trabalho. Em particular, suas doenças e acidentes. Quando se observa o que acontece com os trabalhadores no seu dia-a-dia torna-se risível o que se lê em livros que vendem muito por prometer o sucesso das relações pessoais dentro desse ambiente. Chegam a ofender as pregações dos departamentos de RH sobre o envolvimento das pessoas com a empresa. Vestir a camisa, espírito de equipe e time de vencedores são bordões ocos para milhões de trabalhadores, incluam-se aí os próprios gerentes e gestores que comandam a pressão diária. Na verdade, o trabalho danifica o homem e põe em dúvida a fé de que através do trabalho possa haver progresso material, cultural e espiritual.

Esse desconforto com a pregação empresarial produz outros efeitos. Por exemplo, as lesões, doenças e acidentes do trabalho não são pautas de nenhum dos grandes jornais e revistas, não merecem um comentário de renomados colunistas, salvo raríssimas exceções. Sintomaticamente, também não é pauta no mundo da imprensa o intenso debate em torno da Emenda 3, que pode piorar ainda mais as chamadas “relações de trabalho”. Exceto pelo jornal do seu sindicato, certamente o leitor não terá visto nenhuma notícia a respeito de uma queda-de-braço. Em vez de enfrentar um democrático debate com a sociedade em torno de uma reforma trabalhista, é em surdina, com uma emenda a um dos projetos que compõem o Programa de Aceleração do Crescimento, que se tenta mudar cabalmente a forma de contratar empregados sem os direitos que lhes assegurem condições mínimas de vida digna, desde o direito vital ao descanso até o de ser atendido quando sua integridade física é deteriorada pelos (maus) tratos laborais – piorando ainda mais o cenário daquele inferno descrito aí em cima. Imagine lesionados, doentes, mutilados sem o amparo da legislação e contratados como empresa. Pessoa jurídica tem cliente, e não patrão. Parlamentares compromissados com os trabalhadores e centrais sindicais prometem barulho na praça. Para acordar os desavisados e tocar a música que dignifica o homem.