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Fachin: quem dizia não ter medo de julgar, hoje joga recursos para plenário decidir

Magistrado é considerado, por uns, nome que foi superestimado e por outros, um jurista que sempre pensou da mesma forma, mas confundiu muitos com o seu estilo 'discreto'

Rosinei Coutinho/SCO/STF

O ministro do STF, Luiz Edson Fachin, apontado como ‘manobrista’ para inviabilizar candidatura de Lula à presidência e dar continuidade ao golpe que derrubou Dilma Rousseff

Brasília – A frase que mais marcou Luiz Edson Fachin no dia da sua posse como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), foi dita poucas horas antes da solenidade, quando provocado por jornalistas. “Não serei um juiz com medo de julgar”, disse. A declaração tem sido bastante lembrada atualmente, quando colegas do tribunal o isolam por o acharem “muito próximo” da linha de conduta capitaneada pela presidenta da Corte, ministra Cármen Lúcia, menos fiel ao que prega a Constituiçãodo país, e em que políticos o acusam de deliberadamente prejudicar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – ao postergar decisões sobre habeas corpus apresentados pela sua defesa e encaminhar recursos para serem julgados por todo o colegiado do tribunal, praticamente anulando as chances de Lula se candidatar a presidente.

Seu comportamento como ministro desperta análises de dois grupos distintos. O primeiro, formado por muitos senadores, acha que sua biografia foi superestimada quando foi indicado para a vaga deixada pelo ex-ministro Joaquim Barbosa, que se aposentou voluntariamente. Alguns desse grupo consideram que ele, apesar de muito preparado juridicamente, não costuma resistir a pressões internas do tribunal.

Já antigos alunos e colegas que atuaram com Fachin em Curitiba (PR) pensam o contrário. Avaliam que o ministro aproveitou, como poucos, a janela aberta à sua frente em 2015, tendo usado as mesmas estratégias que os colegas empossados anteriormente no STF usaram para alcançar o cargo quando viram o vento soprar a favor. Mas que Fachin nunca escondeu de ninguém o seu jeito de pensar e a forma como tem se manifestado nos autos.

A contradição apontada pelos parlamentares que hoje o criticam é pelo fato de o ministro ter sido advogado do MST, ter atuado em causas relacionadas a direitos humanos e, sobretudo, pela trajetória de sucesso na área acadêmica, apesar de sua origem humilde. Por isso tudo, Fachin foi visto, em 2015, como o candidato ideal a ser indicado pela então presidenta Dilma Rousseff.

Na época, contaram integrantes do PT e do PcdoB, foi considerado importante que o Palácio do Planalto, já vivendo uma crise política, escolhesse alguém sintonizado com os movimentos sociais, o que poderia ajudar a equilibrar o colegiado da Corte.

“O pessoal que fazia a base aliada do governo Dilma praticamente se matou para conseguir que esse homem fosse nomeado ministro. Nem tanto por ele em si, mas porque depois que seu nome foi divulgado, avaliou-se que seria sinal de fraqueza ele ser rejeitado pelo Congresso”, contou um ex-líder do governo, mantido sob sigilo.

“A nossa crítica não é pelas posições que ele adota, mas pelo fato de não se comportar, por exemplo, como o ministro Luiz Barroso, que no julgamento que permitiu a prisão de Lula proferiu um longo voto contrário, mas explicando os motivos pelos quais desde o início da carreira é favorável à prisão após condenação em segunda instância. A impressão que Fachin nos passa é sempre a de um magistrado que se rende a pressões políticas ou internas dentro do tribunal ou ainda mais, que se assusta com a opinião pública”, analisa esta mesma fonte.

“Ele manobra os recursos apresentados pela defesa do presidente Lula. Sabe que no plenário do Supremo as chances de Lula são menores, sabe que a Segunda Turma é garantista (que pauta decisões de acordo com a Constituição) e, por isso, os joga para o Pleno, para impedir a liberdade do ex-presidente”, acusou também o deputado Wadih Damous (PT-RJ), que já presidiu a seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Janela aberta

A história do percurso feito pelo ministro para chegar ao STF começou por volta de abril de 2015. Era tarde da noite quando um conhecido assessor de imprensa ligado a setoristas do Judiciário procurou vários repórteres, inclusive da RBA, para comentar que Dilma Rousseff tinha se decidido pelo nome do jurista Heleno Torres.

Cotado há tempos para o cargo, Heleno não escondia dos amigos a angústia de ser lembrado todas as vezes em que aparecia uma vaga, sem nunca ter sido confirmado. Depois de uma conversa que entendeu ser conclusiva com o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Heleno disparou a “novidade” pela imprensa. A precipitação pegou mal junto ao Planalto e fez com que, mais uma vez, fosse preterido.

Após conversar com o advogado Marcus Vinícus Furtado Coêlho (ex-presidente do Conselho Federal da OAB), que também era cotado para o Supremo, de conversar também com Fachin e de ouvir a opinião de dois ministros do STF e um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de quem é próxima há décadas, Dilma bateu o martelo pelo nome de Fachin.

Foi aí que começou a movimentação do governo no Congresso. Como Fachin recebeu, de pronto, o apoio de toda a bancada do Paraná no Senado,  passou a ser visto com desconfiança pelo então presidente da Casa, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Na época, um grupo ligado a Renan chegou a lembrar que ele tinha feito parte da Comissão Estadual da Verdade do Paraná por indicação da CUT e, também, que foi filmado na campanha presidencial de 2010 pedindo votos para Dilma.

Diante da possibilidade de seu nome não vir a ser acolhido – e de isso desgastar ainda mais a presidenta –, a bancada petista e dos demais partidos governistas se articularam nas comissões do Senado e, em paralelo, foi traçada uma rotina de audiências e visitas de Fachin e sua esposa, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Rosana Amara Girardi Fachin, aos gabinetes de tribunais superiores e do Congresso em busca de apoio.

Na sabatina, em 12 de maio de 2015, Fachin disse que se considerava independente politicamente, negou ter sido filiado a qualquer partido político, conforme tinha sido especulado, e destacou que não teria dificuldades para julgar qualquer legenda. “O limite da toga é imperativo, a consciência do juiz é a ordem jurídica”, acentuou.

O hoje ministro teve de enfrentar uma verdadeira maratona de 11 horas seguidas por parte de parlamentares como os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO), Ricardo Ferraço (PMDB-ES) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que tentaram fazer perguntas que o relacionassem a ativismo político “de esquerda”.

Foi questionado repetidas vezes sobre a questão da função social da terra e seu relacionamento com movimentos sociais e cobrado a dar explicações sobre rumores sobre ter exercido a advocacia no mesmo período em que foi procurador do Paraná.

Conseguiu se sair bem nos dois casos. Sobre a função social da terra, lembrou o direito constitucional que preserva a terra produtiva. Também enfatizou que não apoia nenhum tipo de violência nas iniciativas de movimentos voltados para a luta pela terra – em resposta a uma pergunta de Caiado sobre ocupações de fazendas produtivas. E sobre o período em que advogou, lembrou que teve o aval da OAB para isso.

Na sabatina, chamou a atenção também por afirmar que considerava importante valorizar mais a primeira instância do Judiciário, bem como os juízes estaduais.

Na época, foi defendido pelo senador Álvaro Dias (então no PSDB e agora no Podemos-PR) que pediu prudência aos colegas e ponderou para que a sabatina não fosse uma batalha entre oposição e governo, de forma a ser levado em conta, segundo ele, o interesse nacional na votação.

“Devemos levar em conta as qualidades jurídicas do sabatinado acima de qualquer esquizofrenia política”, alertou Dias, que chamou, ainda, de “oportunismo político” o fato de a oposição ao então governo Dilma ter se colocado contrária ao nome do advogado como forma de atingir a presidenta.

A tensão foi tanta que levou o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) a afirmar, no final: “Nunca vi um sabatinado ser tão apertado nesta sessão como o senhor está sendo aqui, mas por outro lado o senhor está tendo a oportunidade que poucos tiveram de demonstrar seus conhecimentos”.

‘Independência e responsabilidade’

No período entre a sabatina e o discurso de posse, Fachin passou dois recados para os parlamentares. O de que se chegasse ao STF iria trabalhar “com independência, responsabilidade e retidão” e a posição, repetida várias vezes de que “a completa relevância da Constituição Federal se expressa na reiterada ênfase dos direitos fundamentais, onde não há espaço para arbitrariedades”.

Coincidentemente, um dos primeiros processos que ele relatou quando chegou no STF foi uma denúncia contra Renan Calheiros por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. Seu relatório foi pelo recebimento da denúncia e o colegiado decidiu tornar o senador réu. O caso levou a uma nova crise entre os Poderes, quando o ministro Marco Aurélio de Mello pediu o afastamento de Renan do Senado. No plenário, Fachin declarou-se favorável ao posicionamento de Marco Aurélio, mas os dois terminaram sendo voto vencido.

Pouco tempo depois, foi atribuída ao ministro a implantação da tese de que “o impeachment é um processo jurídico-político e ao Supremo cabe apenas garantir que as regras estabelecidas obedeçam aos princípios constitucionais”, tais como os da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Mais do que isso, seria, segundo ele, interferir nas prerrogativas constitucionais do Legislativo. 

Foi essa a tese que ele adotou quando foi sorteado relator de uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e mandados de segurança impetrados por partidos políticos contra decisões tomadas pelo então presidente da Câmara, o deputado cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ) sobre o rito da Câmara para votação do impeachment. Sua posição foi pela manutenção de vários trechos do rito estabelecido por Cunha, tais como criação de chapa avulsa e voto secreto para a formação de comissão (o que irritou muita gente). Mas terminou sendo voto vencido pelos colegas.

Relator das ações da Lava Jato desde fevereiro de 2017, função que passou a exercer depois da morte de Teori Zavascki, o ministro afirmou recentemente, em entrevista ao site Consultor Jurídico(Conjur), que desde sua entrada na Corte viu três tribunais diferentes no STF. “O da crise econômica, o da crise política e a corte penal”.

De acordo com ele, o STF se mostrou presente ao julgar ações nestes três pilares nos últimos tempos, dando respostas sobre todas as questões estruturais. Mas, quanto ao resultado, deu provas do seu estilo: “Podem não ter sido a resposta que um ou outro esperava, ou que determinado grupo queria, mas o Tribunal não pode ser acusado de omissão”, afirmou.

O restante do enigma sobre as posições de Luiz Edson Fachin no STF, só o tempo ajudará o país a decifrar.

POSICIONAMENTOS DO MINISTRO SOBRE ALGUNS DOS TEMAS MAIS RELEVANTES JULGADOS NOS ÚLTIMOS ANOS PELO STF:

 

TESE

SIM

NÃO

 

Os efeitos da Lei da Ficha Limpa se aplicam a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor?

 

X

 

 

Judiciário precisa do aval do Congresso para aplicar medida cautelar que impeça o exercício do mandato de parlamentar?

 

X

 

 

É necessária autorização do Legislativo para instauração de processo penal contra governador?

 

 

X

 

Só cabe foro especial para crimes cometidos no exercício da função?

 

X

 

 

 

Pena pode ser executada antes de sentença transitar em julgado?

 

X

 

 

Acha que lei brasileira admite a prescrição de crimes contra a humanidade?

 

 

X

 

Cabe ao relator fazer apenas o juízo de legalidade ao homologar acordo de delação?

 

X

 

 

Cabe ao plenário julgar o mérito e a eficácia do acordo de delação?

 

 

X

 

 

Estado pode descontar dias parados do salário de servidores públicos em greve?

 

 

X

 

STM pode vedar acesso a processos da época da ditadura?

 

 

X

 

Estado pode aplicar cota racial em concurso de seleção de servidores públicos?

 

 

X

 

 Fonte: Anuário do Judiciário de 2017/ Revista Consultor Jurídico

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