Curitiba

Experiência solidária, acampamento Lula Livre mostra que lá o mundo tem razão

Cuidados diários com a saúde física e emocional dos acampados e visitantes diários envolvem doação de tempo, carinho, atenção e muito respeito ao próximo

Cláudia Motta/RBA

Integrante do MST ajuda a proporcionar melhores condições físicas e mentais a quem se dispõe e deixar para trás o conforto do lar

Curitiba – O cheiro bom de comida caseira feita na hora toma conta do ar. Logo na chegada ao acampamento Lula pelo Brasil, o que se vê é uma barraca em ritmo frenético para a produção do almoço para mais um dia de luta. São centenas de bocas para alimentar. Mais adiante, outras três barracas estão mobilizadas com essa mesma função.

Essas tendas devem começar a mudar para um terreno próximo, a duas quadras dali, em função de um acordo feito entre os responsáveis pelo acampamento e a administração pública municipal. A vigília vai continuar onde sempre esteve – na Praça Olga Benário, a 100 metros do prédio da Polícia Federal, onde Lula se apresentou na noite de 7 de abril, em Curitiba –, e os cuidados diários com quem se mudou para ali também. 

Tudo que é produzido para o café da manhã, almoço, café da tarde e jantar, vem das doações que chegam diariamente ao acampamento. E muita gente doa também algo que a sabedoria popular diz valer dinheiro: seu tempo.

A aposentada Sheila Maria Ventura, 61 anos, deixou para trás os cuidados com a casa, próxima dali, no bairro de Santa Cândida. E mesmo sem o consenso na família – somente uma filha e um genro a apoiam – decidiu ser parte dos que doam tempo para lutar pela democracia.

Desde o segundo dia do acampamento já passou por várias barracas. Agora se dedica às cartas ao Lula. “E aqui eu fiquei: cada pessoa que vem escrever pergunta se está bom, pede ajuda, você começa a ler as cartas e chora junto. É uma coisa tão linda a demonstração de carinho, de entendimento do que está acontecendo e você fica muito emocionada.” 

Vem amor, vai amor

Sheila entende que está fazendo parte da história. “Estou muito feliz de estar aqui colaborando com tudo isso, para que a gente possa ter a democracia junto com a gente. E eu espero que as pessoas entendam isso, que a gente tem de lutar para esse país melhorar e não ficar do jeito que está aí, que abandonaram tudo, que não tem mais nada em educação, nada em saúde. Tudo que foi montado está sendo destruído. O parque industrial do Brasil está destruído. A gente tem essa percepção e sabe que tem de lutar. E também pelo nosso Lula, que está aí, é inocente e julgaram e condenaram igual um furacão. Então é por isso que estou aqui lutando e vou continuar.”

Na barraca de cartas a Lula pessoas simples pedem para escrever por eles, crianças desenham, pessoas que conviveram com Lula, um poeta francês, noruegueses de uma organização de defesa da América Latina, gente que chora e quer dedicar um pouco da vida a ele. “Uma senhora que escrevia sem parar de chorar, contou que bordou a bandeira do PT junto com Dona Marisa Letícia (morta em fevereiro de 2017). Outro senhor escreveu misturando todas as religiões, um homem simples, que queria passar sua mensagem.”

A aposentada descreve como transformadora a experiência de quem está há mais de uma semana dedicando os dias a ajudar outras pessoas. “O aprendizado que estou tendo é muito bom. É o sentimento de poder ajudar e você recebe aquilo com todo amor e volta amor e vem amor e a gente consegue ficar mais forte.” 

Energia na luta

Marta Lucia Di Martini Maciel, 46 anos, trabalha como voluntária na barraca de promoção de saúde do Movimento Sem Terra (MST) no acampamento Lula Livre. De acordo com a agricultora, a principal queixa são gripes e resfriados. “Está chuviscando, frio, as pessoas dormindo nas barraquinhas.”

Há seis anos, Marta estuda para ajudar a proporcionar melhores condições físicas e mentais a quem se dispõe e deixar para trás o conforto para lutar. “São várias terapias e muita gente vem voluntariamente contribuir”, diz apontando para duas massoterapeutas que, depois do almoço, atendiam na barraca onde também estava dona Maria Natividade de Lima, 65 anos, assentada do MST de Lapa (PR), e que já ficou famosa pelos tratamentos de auriculoterapia.

Médicos cubanos e profissionais do programa Mais Médicos, criado no governo Dilma Rousseff, participam desse trabalho solidário após os plantões na região. “Muitos médicos que vêm contribuir já conhecem nossas lutas e estão junto sempre.” Casos um pouco mais graves, dor no peito, pressão alta, pessoas que tomam medicamentos mas esqueceram receitas são atendidos. “Mas são poucos casos, viu”, afirma Marta, valorizando seus remedinhos alternativos. “A maioria são pessoas que estão vindo aqui tomando específicos, tomando própolis, e está dando muito resultado, muito mesmo.”

Marta valoriza os cursos feitos com apoio dos governos petistas. “Tivemos formação importante na área de saúde, terapias, o Bioenergia que conseguimos desenvolver dentro de várias brigadas do Movimento em diferentes regiões do Paraná. Assim, várias pessoas conseguem estar em cada espaço, cada local, ajudando o seu acampamento, seu assentamento. E quando a gente sai para as mobilizações, tem pessoas da equipe de saúde contribuindo com nossas terapias, remedinhos, nossas tinturas, nossos chás, nossas raízes, ervas. Estamos controlando muito bem os desarranjos em função do estresse, de dormir mal.”

Povo sofre, mas não desiste

Para Marta, Lula preso é o pior dos males para a saúde do povo. “Tiraram toda sua liberdade, é como se fosse um passarinho preso na gaiola. Acredito que ele deve estar sofrendo, assim como todo esse povo, deve estar sofrendo muito, fechado num espaço, sendo que ele é do povo. Por isso estamos aqui fazendo o máximo de esforço que podemos e vamos ficar, não vamos desistir. Só vamos sair daqui com ele, porque queremos que ele fique bem para continuar esse Brasilzão com nós, se Deus quiser.”

A tensão, diante da prisão que tantos no Brasil e no mundo consideram arbitrária e injusta e de tudo que o Brasil perde desde o golpe em 2016, também é tratada na barraca da saúde do MST.

“Tem muito estresse, porque quem é que queria estar aqui, a gente queria que nada disso fosse necessário. Mas o momento da história nos convida e a gente sai do conforto da nossa casa para vir lutar pelo Brasil. E não é uma luta só do Lula, mas pelo Brasil. Essa história aí, nossos netos, nossos filhos, isso vai ficar. Temos obrigação de estar aqui para defender nossos direitos que estão sendo roubados. Com tanta luta conseguimos adquirir e hoje está sendo roubado. Então é Lula livre, alimentos livres (de agrotóxico). Nós queremos ser livres, queremos ter nossa democracia. Estão querendo roubar de nós, mas não vamos deixar.”

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