‘PROTESTO DE TODOS’

Em Brasília, mulheres se mobilizam contra os retrocessos do golpe

Cerca de 50 entidades estão reunidas para shows, oficinas e palestras. Temas passam por maior respeito para as mulheres ao pouco debate, no Congresso, de matérias como a reforma trabalhista

lula marques/Liderança do PT na Câmara

Mulheres fazem protesto na Câmara junto com a deputada Erika Kokay (ao centro): mais dignidade e respeito

Brasília – A manifestação pelo Dia Internacional da Mulher, em Brasília, começou às 8h com uma apresentação no metrô e tem continuidade com ato  que está sendo realizado esta tarde, desde as 13h, em frente ao Museu da República, na Esplanada dos Ministérios. O evento tem a proposta de reunir perto de 1,5 mil pessoas, em vários espaços montados para realização de shows, debates, apresentações culturais e oficinas. Este ano, 50 entidades – entre organizações não governamentais, partidos políticos, sindicatos e movimentos – se reuniram para fazer um ato único.

Os participantes são integrantes de todos os gêneros, em sua maior parte servidores públicos, estudantes, profissionais liberais e militantes. Muitos saíram de longe suas casas, faculdades, escolas, repartições públicas e empresas da região do entorno do Distrito Federal.

Os temas discutidos abrangem desde o fim do assédio (moral e sexual) a mudanças mais firmes para a violência contra a mulher – algumas, aprovadas ontem pela Câmara dos Deputados, mas que seguem para tramitação no Senado – e até mesmo a necessidade de novas formas de mobilidade para as mulheres que exercem tripla jornada.

Também passam pelas perdas de direitos com a “reforma” trabalhista, pelas ameaças impostas às mulheres na proposta de “reforma” da Previdência (adiada para voltar a tramitar depois das eleições) e pelo baixo número de representantes femininas no Congresso Nacional e na vida política do país.

“Temos que viver em alerta. Algumas pessoas dizem que acham exagerada essa manifestação todo dia 8 de Março, mas se somos maioria no país e mesmo assim ainda estamos em desvantagem em salários e em tantas outras questões, imagine se não fizéssemos nada num dia como hoje”, afirmou a estudante de Engenharia Nádia Correia. Moradora de Planaltina, região do entorno do Distrito Federal, ela contou que é filha de um vigilante e uma diarista e será a primeira integrante da família a ter diploma universitário.

Dia de ir às ruas

Para a educadora popular Danielle Veloso, uma das organizadoras do ato, o evento é importante para homens e mulheres lembrarem a data. “Não se trata só de enviar flores ou dar parabéns. Hoje é um dia para irmos às ruas, lembrar nosso histórico de luta, honrar as mulheres que deram a vida pela equidade de gênero”, disse.

Num tom mais politizado, a dentista e professora Valéria Ramos se lembrou das ameaças de retrocessos que precisam ser combatidas no país “por homens e mulheres”. “Esta data também é uma oportunidade de mostrarmos nossa força e nos posicionarmos”, afirmou.

“Queremos combater o golpe contra a democracia que tomou o país, protestar contra a onda conservadora que coloca todas as conquistas dos últimos anos em risco. Temos de lutar contra esse sistema que tenta tornar a política seletiva e impedir candidaturas para as eleições deste ano; ter mais direito a voz nas empresas e na política nacional”, acrescentou Valéria.

Outro tema muito pedido e discutido pelas mulheres, principalmente estudantes ao longo do dia, está relacionado ao assédio, moral e sexual. “Pedir por respeito é mais do que ter o direito de dizer não e de não receber elogios grosseiros se não estivermos interessadas”, disse a estudante de jornalismo Rafaela Campos. Ela afirmou, num dos debates, que  a campanha contra o assédio terminou tendo um efeito contrário ao que esperavam muitas mulheres.

“Muita gente procurou ridicularizar a campanha, dizendo que os homens não podem mais olhar para uma mulher, coisas assim. Mas não é uma questão de frescura feminista. É uma questão de nos impormos”, disse.

A comemoração foi iniciada com uma apresentação do grupo de percussão Batalá, nas estações do Metrô. Logo depois, às 10h, o Coletivo Arquitetas Invisíveis promoveu uma roda de conversas na Universidade de Brasília (UnB), para marcar a data e debater o direito à cidade e a mobilidade da mulher.

Em relação à “reforma” trabalhista propriamente, a pesquisadora Débora Soares destacou que a alteração nas leis, em vigor desde novembro, “mudou significativamente a situação da mulher trabalhadora”. Ela afirmou que a forma como tramitou a legislação no Congresso mostrou que os trabalhadores, sindicatos e movimentos sociais são vistos pela elite como “bem menores, menos qualificados e menos importantes do que se pensava”.

Crítica ao Congresso

“Por mais que tivéssemos conhecimento dessa visão conservadora da elite sobre a classe trabalhadora, isso ficou bem mais claro diante da falta de um debate necessário sobre o tema que terminou sendo acolhido pela grande maioria do Congresso, formado hoje predominantemente por representantes do empresariado”, disse.

“Esse ato é um recado que queremos passar contra toda forma de violência, contra o machismo, o fascismo, o racismo e a misoginia”, ressaltou também a secretária de Mulheres Trabalhadoras da CUT Brasília, Sônia de Queiroz. O evento tem em sua programação, ainda, apresentações de grupo de percussão, shows, oficinas para crianças, debate sobre a democracia e o racismo, apresentação de uma peça de teatro, apresentação de vídeos, grupos de ciranda.

O líder do PT na Câmara, deputado Paulo Pimenta (RS), e a presidente do PT no Distrito Federal, deputada Érika Kokay (DF), lançaram nota conjunta no meio da tarde protestando pela posição da Câmara dos Deputados, que fechou a entrada da Casa para grupos de mulheres que tentavam participar de solenidade oficial de comemoração à data, durante a manhã. Eles ficaram de pedir providências formais quanto a isso e cobrar explicações do presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A marcha pela Esplanada sairá no início da noite. O grupo percorrerá toda a via até a chamada Alameda das Bandeiras, em frente ao Congresso Nacional.