Ponte para lugar nenhum

Prestes a formalizar filiação ao PT, Celso Pansera detona Temer e o MDB

Em carta, o deputado federal do MDB destaca o papel subalterno da legenda ao PSDB e DEM no projeto de avançar sobre direitos e conquistas dos trabalhadores e esvaziar programas sociais

Arquivo/EBC

Pansera foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações de outubro de 2015 a abril de 2016, no segundo governo de Dilma Rousseff

São Paulo – Prestes a formalizar sua filiação ao PT, o deputado federal do Rio de Janeiro Celso Pansera divulgou carta com duras críticas à sua antiga legenda, o MDB, e ao projeto de Michel Temer “Ponte para o Futuro”.

Ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações no governo de Dilma Rousseff de outubro de 2015 a abril de 2016, Pansera deixou o partido de Temer pela falta de condições de permanência. Ele votou favoravelmente às duas denúncias da Procuradoria-Geral da República contra o atual presidente.

No comunicado, Pansera destaca a trajetória do partido, que teve em Ulysses Guimarães o seu principal nome, e o papel subalterno ao PSDB e DEM, que levaram ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff. E critica duramente o projeto que classifica de “ponte para lugar nenhum”.

Para o ex-ministro, trata-se de um programa de cunho liberalizante, repetidor do receituário liberal e estranho às origens de centro-esquerda democrática do PMDB. “O que se vê hoje no Brasil é o governo avançar sobre direitos e conquistas dos trabalhadores, enfraquecer ou esvaziar programas sociais, diminuir a participação do país na exploração de riquezas como o pré-sal e abortar o desenvolvimento de um ciclo virtuoso de ciência, tecnologia e inovação no país”.

Confira a carta na integra:

Ponte para lugar nenhum

A história de todo partido com relevância política é um processo dinâmico, construído sobre os alicerces de sua inserção na sociedade e da condução de seus dirigentes. No Brasil, talvez nenhuma outra agremiação política surgida nos últimos 50 anos tenha uma história como a do PMDB, partido que se constituiu como principal polo de resistência à ditadura civil-militar com quadros do porte de Ulysses Guimarães, entre muitas outras figuras fundamentais para a retomada democrática no país. Mas, quais caminhos segue hoje o PMDB?

Com o fim da ditadura, o PMDB teve papel preponderante no período da Nova República, tornando-se o principal eixo de sustentação do sistema partidário brasileiro. A forte inserção do partido na estrutura estatal em diversos estados e municípios de norte a sul do Brasil era um fator fundamental. Mas, esse protagonismo somente foi possível graças à tradição democrática peemedebista, traduzida em seu funcionamento e em suas bandeiras, mas também na participação de importantes lideranças locais e regionais no partido.

Desde a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso, pelo PSDB, em 1994, parte dos articulistas políticos dos principais telejornais, jornais e revistas da mídia brasileira passou a repetir o mantra de que “ninguém governa o Brasil sem o PMDB”. Lia-se até mesmo coisa menos lisonjeira, como “o PMDB quer sempre estar no poder e apoia qualquer governo”. A realidade por trás destas afirmações sempre foi o fato de que era praticamente inviável governar o país sem o apoio de uma legenda tão presente na estrutura política e administrativa nacional. Paralelamente, talvez com a exceção de Ulysses em 1989, o partido jamais teve um nome com força eleitoral suficiente para disputar com chances reais de vitória a Presidência da República.

O aspecto democrático do PMDB sempre permitiu a coexistência de grupos políticos heterogêneos em seu interior. Criado em 1985 após um racha supostamente à esquerda no partido, o PSDB, em seu período no comando do Brasil (1995-2002), na verdade tornou-se ponta de lança da aplicação no país da política neoliberal ditada pelo chamado Consenso de Washington. Essa política econômica pressupunha a aplicação global dos ditames do “mercado” e, na prática, implicava em uma série de ataques às conquistas históricas dos trabalhadores. No período FHC, setores do PMDB apoiaram o governo, mas o maior parceiro político do PSDB na aplicação de suas políticas foi o PFL (atual DEM), formado por políticos que, em sua quase totalidade, participaram da Arena, partido de sustentação da ditadura militar. Na prática, o PMDB jamais abandonou sua tradição democrática e popular.

O PMDB aproximou-se paulatinamente do PT ao longo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Na campanha de reeleição de Lula, em 2006, cogitou-se que seu vice fosse um quadro peemedebista, possibilidade concretizada quatro anos depois com a entrada na chapa de Dilma Rousseff. Esse movimento deu ao PMDB a oportunidade de se engajar em um processo de transformação nacional que passava pela inclusão social de milhões de brasileiros, com distribuição de renda e ampliação de diversas políticas sociais. Ali começou a se desenhar a possibilidade de o partido – esse seria o caminho desejável e natural – construir um nome capaz de vencer as eleições presidenciais. Oportunidade histórica desperdiçada.

No momento da reeleição da chapa PT-PMDB, em 2014, a economia brasileira começava a pagar a conta da crise econômica mundial, e o segundo mandato de Dilma já encontra o país em recessão. Então, no lugar de cerrar fileiras ao lado de um projeto de país do qual era parte fundamental, e também confirmado pela quarta vez consecutiva nas urnas, a direção nacional peemedebista deu uma guinada política e iniciou um processo de reaproximação com o PSDB e o DEM que possibilitou o impeachment de Dilma. Assim fazendo, e mesmo na Presidência, o PMDB se coloca de forma subalterna ao projeto tucano e à “receita de Brasil” ensinada pelo PSDB com o apoio nada discreto de setores da grande mídia brasileira e do mercado financeiro internacional.

Essa movimentação se materializou em 2015 com o lançamento do documento “Uma Ponte para o Futuro” que, na verdade, jamais passou de um programa de cunho liberalizante, repetidor do tal receituário liberal e estranho às origens de centro-esquerda democrática do PMDB. O que se vê hoje no Brasil é o governo avançar sobre direitos e conquistas dos trabalhadores, enfraquecer ou esvaziar programas sociais, diminuir a participação do país na exploração de riquezas como o pré-sal e abortar o desenvolvimento de um ciclo virtuoso de ciência, tecnologia e inovação no país.

Internamente, a direção nacional do PMDB passou a negar as tradições democráticas peemedebistas ao executar de uma série de medidas persecutórias contra setores importantes do partido. Setores, diga-se, com apoio popular e história construída na tradição de centro-esquerda. Isso significa um ataque ao PMDB forjado na luta pela redemocratização do Brasil. Em outra frente, o clima de perseguição atinge lideranças e parlamentares que não apoiaram o impeachment de Dilma, a aproximação subordinada ao PSDB ou os ataques às conquistas dos trabalhadores. Calam-se a divergência e a diversidade no partido.

O que será do PMDB? O partido é muito grande, tem tradição e milhares de filiados, além de ser bem inserido na sociedade brasileira. Mas, o alerta está ligado, pois o que a atual direção nacional faz é acenar com uma agremiação distante do povo, politicamente conservadora e economicamente liberal. É isso mesmo o PMDB? A direção nacional do partido o está conduzindo em um sentido muito diferente daquilo que fez o PMDB ser o que é. Neste momento, ocupando a Presidência, os caciques do partido constroem para os trabalhadores retrocessos, pontes para o passado. No plano interno, para seus militantes, simpatizantes e milhões de eleitores que prezam as tradições democráticas peemedebistas, acenam com uma ponte para lugar nenhum.

 

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