Marcio Pochmann

O trabalhador entre o neoliberalismo e o anarquismo

Realidade da nova classe trabalhadora produz movimentos cuja natureza remete ao antigo anarquismo em um cenário de hegemonia neoliberal

Pixabay

Ascensão da sociedade pós-industrial traz a proliferação dos movimentos sociais cuja natureza fragmentada tem características similares ao antigo anarquismo

No final de contas, o valor de um Estado

é o valor dos indivíduos que o compõem.

John Stuart Mill

 

O Estado é nocivo e desnecessário!

Somos capazes de encontrar nossos próprios caminhos.

Nina Delfim

 

Sepultado há menos de cem anos, o liberalismo ressuscitou pela via do neoliberalismo que, ao se apropriar de parte das críticas ao capitalismo formuladas pelos movimentos sociais de esquerda no final da década de 1960, o tornou hegemônico desde então. Nos dias de hoje, contudo, a ascensão da sociedade pós-industrial traz embutida a proliferação dos movimentos sociais cuja natureza fragmentada prima por características do espontaneísmo e do horizontalismo similares ao antigo anarquismo.

Isso porque a nova classe trabalhadora dos serviços tende a se diferenciar do antigo protagonismo do trabalho material gerador de produção palpável e tangível a partir de um local determinado e submetido à disciplina e à hierarquia superior. Tanto assim que o direito do trabalho e a organização do novo sindicalismo se circunscreveram ao local de trabalho (canteiro de obra, fábrica, fazenda, entre outros). Esta especialização de funções determinadas no espaço físico de realização do trabalho possibilitou ao sindicato concentrar-se nas condições de trabalho e remuneração, enquanto o partido político nos temas gerais da sociedade, a associação de bairros no local de moradia, entre outras formas de representação dos interesses sociais.

Na atualidade, a generalização do trabalho imaterial desprovido da produção palpável e tangível, porém cada vez mais responsável pela precificação nos mercados, transcorre diante de contida hierarquia e elevada autodisciplina. Além disso, a presença das tecnologias de comunicação e informação torna o trabalho imaterial portável e gerador da maior extensão no tempo de trabalho que vai do local específico a outro qualquer, sobretudo em casa.

Esta nova realidade da nova classe trabalhadora encontra-se na maior parte das vezes desconectada das tradicionais instituições de interesses, o que leva a convergir em um único responsável, o Estado. Este arrecada recursos, mas não devolve em direitos e serviços condizentes com as novas demandas da sociedade pós-industrial.

Por conta disso, o descrédito no Estado, nos políticos, partidos, sindicatos, associações de bairros, entre outras formas de representação especializada da antiga classe trabalhadora industrial. A ascensão das igrejas, sobretudo as neopentecostais, poderia estar a indicar, em contrapartida, a formatação de novas esferas de ação com atenção totalizante e assentada desde a oferta de serviços gerais, que instituições tradicionais não proporcionam, até a sociabilidade espiritual do saber ouvir, compartilhar e apontar saídas às angústias, desejos, fracassos e sucessos do cotidiano de cada um.

A ação totalizante que lidava com o todo do trabalhador marcou o velho anarquismo, com forte crítica ao Estado e partidos políticos em geral. Não sem motivo, valores e percepções equivalentes foram identificadas pela pesquisa da Fundação Perseu Abramo recentemente realizada com a classe trabalhadora de serviços situada na periferia paulistana, a principal e mais antiga cidade industrial que não mais existe no país.

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