Carta Aberta

Diplomatas brasileiros defendem eleições para ‘restabelecimento do pacto democrático’

Documento surgiu em resposta à postura do Ministério das Relações Exteriores sobre as críticas recebidas da ONU e OEA condenando a violência policial nas manifestações

LUCAS DUARTE DE SOUZA

Diplomatas rejeitam “qualquer restrição ao livre exercício do direito de manifestação pacífica e democrática”

Opera Mundi – Um grupo de pelo menos 93 diplomatas e 25 oficiais do Ministério das Relações Exteriores distribuídos em postos diplomáticos brasileiros pelo mundo publicou nesta quinta-feira (1º) uma carta pública com críticas ao governo de Michel Temer e defendendo a legitimação do “voto popular” para o “restabelecimento do pacto democrático no país”.

No texto, intitulado Diplomacia e Democracia, os funcionários do Itamaraty se dizem preocupados com o “acirramento da crise social, política e institucional” no país. Eles também condenam “qualquer restrição ao livre exercício do direito de manifestação pacífica e democrática” e “o uso da força para reprimir ou inibir manifestações”.

De acordo com a BBC Brasil, o catalisador da iniciativa foi uma nota do Itamaraty divulgada na última sexta-feira (26) em resposta a críticas do ACNUDH (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) e da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos).

A agência da ONU e o órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos) condenaram a violência policial no Brasil, citando a repressão do protesto antigoverno em Brasília no dia 24 de maio, a operação policial na Cracolândia, em São Paulo, no dia 21, e reintegrações de posse de terras, como a que deixou 10 mortos em Pau D’Arco, no Pará, também no dia 24.

Na nota, o Itamaraty qualifica o comunicado das entidades de “desinformado e tendencioso” e acusa o ACNUDH e a CIDH de “má fé”, “leviandade” e de ter “fins políticos inconfessáveis”.

Segundo os diplomatas ouvidos pela BBC Brasil, a “postura defensiva e agressiva” do Itamaraty pode “fechar portas” e prejudicar a imagem internacional do país. A agência britânica afirma que a maioria dos signatários da carta são diplomatas que acumulam entre 10 e 20 anos de carreira no Ministério das Relações Exteriores e que têm diferentes origens e inclinações políticas.

Na carta, que segue aceitando adesões, os funcionários do MRE se dizem conscientes de suas “responsabilidades e obrigações como integrantes de carreiras de Estado” e afirmam que as conquistas alcançadas desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 se encontram “ameaçadas”.

“Conclamamos a sociedade brasileira, em especial suas lideranças, a renovar o compromisso com o diálogo construtivo e responsável, apelando a todos para que abram mão de tentações autoritárias, conveniências e apegos pessoais ou partidários em prol do restabelecimento do pacto democrático no país”, diz o texto. “Somente assim será possível a retomada de um novo ciclo de desenvolvimento, legitimado pelo voto popular e em consonância com os ideais de justiça socioambiental e de respeito aos direitos humanos.”

Questionado sobre a carta dos diplomatas, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, afirmou hoje que “a manifestação de funcionários públicos é uma manifestação livre”. “Esses são cidadãos brasileiros, dizem o que pensam. Eu não faço caça às bruxas no Itamaraty e nunca farei”, afirmou, segundo a Folha de S. Paulo.

Leia a íntegra da carta a seguir:

Diplomacia e Democracia

1. Nós, servidoras e servidores do Ministério das Relações Exteriores, decidimos nos manifestar publicamente em razão do acirramento da crise social, política e institucional que assola o Brasil. Preocupados com seus impactos sobre o futuro do país e reconhecendo a política como o meio adequado para o tratamento das grandes questões nacionais, fazemos um chamado pela reafirmação dos princípios democráticos e republicanos.

2. Ciosos de nossas responsabilidades e obrigações como integrantes de carreiras de Estado e como cidadãs e cidadãos, não podemos ignorar os prejuízos que a persistência da instabilidade política traz aos interesses nacionais de longo prazo. Nesse contexto, defendemos a retomada do diálogo e de consensos mínimos na sociedade brasileira, fundamentais para a superação do impasse.

3. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a consolidação do estado democrático de direito permitiu significativas conquistas, com reflexos inequívocos na inserção internacional do Brasil. Atualmente, contudo, esses avanços estão ameaçados. Diante do agravamento da crise, consideramos fundamental que as forças políticas do país, organizadas em partidos ou não, exercitem o diálogo, que deve considerar concepções dissonantes e refletir a diversidade de interesses da população brasileira.

4. Para que esse diálogo possa florescer, todos os setores da sociedade devem ter assegurado seu direito à expressão. Nesse sentido, rejeitamos qualquer restrição ao livre exercício do direito de manifestação pacífica e democrática. Repudiamos o uso da força para reprimir ou inibir manifestações. Cabe ao Estado garantir a segurança dos manifestantes, assim como a integridade do patrimônio público, levando em consideração a proporcionalidade no emprego de forças policiais e o respeito aos direitos e garantias constitucionais.

5. Conclamamos a sociedade brasileira, em especial suas lideranças, a renovar o compromisso com o diálogo construtivo e responsável, apelando a todos para que abram mão de tentações autoritárias, conveniências e apegos pessoais ou partidários em prol do restabelecimento do pacto democrático no país. Somente assim será possível a retomada de um novo ciclo de desenvolvimento, legitimado pelo voto popular e em consonância com os ideais de justiça socioambiental e de respeito aos direitos humanos.

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