fisiologismo

Para aprovar reforma, governo afeta arrecadação da própria Previdência

Medidas tomadas pelo Planalto como abatimento e perdão de dívidas com a União, usadas para convencer parlamentares a aprovar a PEC 287, agravam situação da Seguridade Social no Brasil

Antonio Cruz/Agência Brasil

Temer anuncia Refis dos Municípios: moeda de troca para aprovar reforma da Previdência

São Paulo – O presidente Michel Temer assinou nesta terça-feira (16) a Medida Provisória nº 778, que estabelece o chamado Refis dos Municípios, reduzindo em aproximadamente R$ 30 bilhões os débitos das administrações municipais e governos estaduais com a Previdência Social. “O que mais me agrada neste momento é que eu posso assinar essa medida provisória com parcelamento em 200 meses do débito previdenciário. E convenhamos, não é apenas parcelar. Nós parcelamos, mas reduzimos 25% dos encargos, reduzimos 25% da multa e 80% dos juros. Então, é algo também que visa exatamente a este caminho do fortalecimento da federação”, celebrou, em discurso proferido na XX Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios.

Contudo, como se sabe bem em Brasília, não existe almoço grátis. A MP faz parte de uma ofensiva do Planalto para conquistar os votos, hoje insuficientes, para aprovação da PEC 287, da reforma da Previdência. Além da MP 778,o governo planeja aceitar diversas modificações propostas por deputados na proposta original do Programa de Regularização Tributária (PRT), o novo Refis. De acordo com matéria do jornal Folha de S. Paulo, o projeto tal qual configurado hoje provocaria uma perda de arrecadação de R$ 23 bilhões, com medidas como o desconto em relação às multas, que pode chegar a até 90%.

O pacote de bondades deve alcançar também à bancada ruralista. Em reunião realizada na segunda-feira (15) com parlamentares do grupo, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles mostrou disposição em reduzir a alíquota do Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural (Funrural) de 2,3% para 1,5%. Em relação aos débitos existentes, o governo já teria aceitado conceder um desconto de 100% do passivo, além de perdoar 25% de multas e encargos legais. Mas as benesses podem aumentar já que a negociação segue.

Curiosamente, para aprovar uma “reforma” que, segundo o governo, seria para “equilibrar” as contas da Previdência, as medidas tomadas tiram recursos… da Previdência. Segundo Evandro Morello, advogado e assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a negociação em torno do Funrual pode tirar do sistema da Seguridade Social um montante “significativo”. “A Previdência Rural depende muito dessa contribuição advinda da área rural e do Funrural. Eu entendo que é uma contribuição, do ponto de vista da justiça social e distributiva, a mais adequada”, disse, em entrevista ao Brasil de Fato.

Perdão de dívidas, uma pedagogia às avessas

Programas como o Refis proposto pelo governo podem desestimular ainda mais o recolhimento de impostos de forma espontânea. “Funciona como uma espécie de pedagogia às avessas e tem feito com que uma parte dos contribuintes espere o próximo Refis para poder pagar seus tributos”, avalia Kleber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). “Cria-se uma concorrência desleal entre quem paga e quem não paga”, aponta.

Ao mesmo tempo em que propõe um programa de parcelamento e amortização de débitos, o governo afeta a própria arrecadação e de outros entes federativos. “Um estudo feito pela Unafisco demonstra que o Refis proporciona um prejuízo de R$ 50 bilhões por ano, e os estados e municípios perdem junto, não é só a União. É uma bola de neve”, explica Cabral.

O presidente da entidade se refere a uma nota técnica divulgada pela entidade em março, a respeito do programa. “Levando-se em conta os dados da arrecadação do ano de 2015, estima-se que municípios perdem R$ 13,45 bilhões de arrecadação, sendo R$ 3,84 bilhões de repasses federais, R$ 4,69 bilhões de repasses dos estados e R$ 4,92 bilhões de tributos municipais”, diz a nota. “Estados, por sua vez, perdem R$ 18,22 bilhões, sendo R$ 3,35 bilhões de repasses federais e R$ 14,87 bilhões de tributos estaduais. Cabe observar que esta é uma perda que se repete anualmente, mesmo em anos que os parcelamentos não são concedidos.” Ainda de acordo com o estudo, parcelamentos especiais como o Refis beneficiam principalmente os grandes devedores, já que 68% deles são concedidos a contribuintes com faturamento anual acima de R$ 150 milhões.

“Conforme mostrou a representante do próprio governo em sua exposição em Audiência Pública da Comissão da Reforma da Previdência, a arrecadação decorrente das várias edições do Refis tem sido pequena, e ainda estimula a sonegação, reduzindo assim a arrecadação em termos gerais”, analisa o economista Rodrigo Avila, da Auditoria Cidadã da Dívida. Para ele, o uso do expediente de perdoar débitos como moeda de troca política “é lamentável, mas isso escancara o que temos denunciado desde o início, de que o governo não está preocupado com o povo, mas com as elites”.

A respeito da aparente contradição do governo em tomar medidas que drenam recursos dos cofres públicos e do sistema de Seguridade Social enquanto defende a aprovação da PEC 287 como forma de manter o equilíbrio fiscal, Avila pondera que os objetivos do Planalto seriam outros. “Estamos falando desde o início que o governo não quer resolver a situação fiscal do país, mas sim retirar dinheiro da Previdência e pagar cada vez mais juros e amortizações de uma questionável dívida pública, que beneficia principalmente grandes bancos, investidores e empresas, que também aplicam seu capital em títulos da dívida. Tais concessões servem para aprovar a reforma, e para beneficiar ainda mais tais setores”, sustenta.