Golpe continuado

Marco Aurélio Garcia: ‘Golpistas estão confrontados com necessidade de mudança’

'Eles estão temerosos de que, a seguir com o comando de Temer, haja reversão dos objetivos do golpe', diz assessor da Presidência da República para Assuntos Internacionais nos governos de Lula e Dilma

Eduardo Maretti/RBA

“Poucas vezes no Brasil se conseguiu aliança tão consistente como no golpe de 2016”, diz ex-ministro de Lula e Dilma

São Paulo – Para o grupo que chegou ao poder com o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff, o comando do governo por Michel Temer coloca em risco a continuidade do projeto que o levou à presidência da República. “Eles estão hoje confrontados com a necessidade de fazer uma mudança – e essa mudança se torna mais dramática no momento em que a cabeça do governo, o comandante, ainda que seja um comandante medíocre, é atingida por esse episódio (das denúncias contra Temer)”, diz Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, à RBA.

“O que é interessante observar – e aí vem o lado meio obscuro –, é por que ele (Temer) é atingido.” Na opinião de Garcia, nesse contexto, não se pode perder de vista o fato sintomático de que quase a totalidade dos jornalistas do sistema Globo tenha se voltado contra Temer.

Durante toda a tarde desta sexta-feira (19), o site de O Globo ostentou uma manchete devastadora contra o presidente: “Temer recebeu R$ 15 milhões para aliados e ‘roubou’ R$ 1 milhão para ele, diz diretor da JBS”. No mesmo dia, em editorial, o jornal da família Marinho pede a renúncia de Temer.

“Eu acho que é porque eles estão temerosos de que, a seguir com esse comando, com Temer, haja uma reversão. Eles tinham como instrumentos para impedir essa reversão basicamente as investigações e o Judiciário. Agora, ao que tudo indica, não vai dar tempo, e não dando tempo eles têm que ver um outro mecanismo. Mas observe que tudo isso é cercado de uma questão fundamental: respeito à Constituição, e respeito à Constituição é eleição indireta.”

Em outras palavras, a opção de retirada de Temer do “comando” precisaria ter uma face legal e constitucional. Essa face seria consumada com a eleição indireta prevista pelo artigo 81 da Constituição. Em seu editorial desta sexta, O Globo preconiza: “O caminho pela frente não será fácil. Mas, se há um consolo, é que a Constituição cidadã de 1988 tem o roteiro para percorrê-lo”.

Um golpe continuado

Os protagonistas do impeachment se veem diante da necessidade de “fazer ajustes permanentemente para que o golpe não fosse desviado de seus objetivos”, diz Garcia. E quais são esses objetivos? “O grande objetivo do golpe parlamentar é mudar o Brasil no sentido de um projeto neoliberal consistente no tempo, coisa que em outras ocasiões não se conseguiu. Nas medidas postas em prática ou propostas, você vê os objetivos claramente desenhados: a questão do congelamento dos gastos por 20 anos, as reformas trabalhista – que é desfazer 70 anos de conquistas sociais – e da Previdência, que não vai só penalizar as pessoas e beneficiar os ricos, mas muda o sistema de Previdência do país para um sistema privado”.

Marco Aurélio Garcia diz que prefere “não ficar numa discussão conceitual” para abordar o golpe que ainda está em andamento no país. “Como foi um golpe incruento (em que não há derramamento de sangue), como são os golpes modernos, eu diria que é um golpe continuado.”

Esse golpe tem uma característica importante: “Talvez poucas vezes no Brasil se tenha conseguido uma aliança tão consistente, que envolve praticamente toda a burguesia, por ação ou omissão, a grande burguesia brasileira, com uma capacidade de atração fortíssima sobre as classes médias, e inclusive sobre um novo ator social, os chamados emergentes. Eles conseguiram uma incrustação importante no aparelho de Estado, Polícia Federal, setores da administração do Ministério da Fazenda, Ministério Público, setores do Judiciário etc., e conseguiram sobretudo capturar um setor fundamental para que o golpe tivesse a característica que teve, pois foi um golpe institucional: a classe política, o Parlamento”.

Para Garcia, “uma coisa pode resolver” esse cenário obscuro: “Eles nos derrubaram com uma votação no Congresso. Por que o Congresso, que tinha uma parte que dias antes estava no governo da Dilma, votou assim? Porque houve pressão de rua. Se houver pressão de rua muito forte, acho que podemos sem dúvida nenhuma reverter essa situação. Mas tem que ser uma pressão muito, muito forte”, diz.

O ex-ministro afirma ter ficado impressionado com as manifestações desta semana contra Temer, principalmente no Rio de Janeiro e de Porto Alegre. 

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