Poder econômico

Golpe mirou Constituição, que sempre esteve sob ataque liberal

Análise é da economista Leda Paulani, que participou de debate na Faculdade de Direito da USP. Professor vê 'submissão' da ordem jurídica à economia

Cesar Ogata/Secom/PMSP

“Os neoliberais nunca gostaram da Constituição”, avalia Leda Paulani

São Paulo – O tema do debate era “Constituição em tempos de crise”, e um dos fios condutores foi o avanço do poder econômico em relação ao campo jurídico. Para a professora Leda Paulani, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), a Carta de 1988 esteve sob ataque liberal desde que surgiu, e essa ofensiva tornou-se mais aguda após o golpe. Com a Emenda 95 (controle de gastos) mais as reformas trabalhista e da Previdência, “a gente vai ter a destruição completa da Constituição”, afirmou a economista, na parte final do evento promovido pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, região central de São Paulo, na manhã de hoje (10).

“A Constituição de 88 nasce na contramão da história”, disse Leda, referindo-se a um período de expansão global de teses liberais ou neoliberais, pondo fim a um ciclo de conciliação de classes vindo do pós-guerra – positivo para o próprio capitalismo, observou a professora. Mas chegava o momento em que o capital financeiro queria “liberdade”, sem regulações por parte do Estado.

“Esse embate sempre existiu. Não arrefeceu mesmo nos governos do PT”, lembrou a economista. Naquele momento, segundo ela, iniciativas de “retalhamento” da Carta eram de certa forma contrabalanceadas pelas políticas sociais. “Os liberais, os fundamentalistas do mercado, estiveram presentes em todos os governos. Os neoliberais nunca gostaram da Constituição.” Agora, acrescentou, esse quadro de permanente ataque torna-se mais agudo – e se materializa em forma da emenda de congelamento de gastos públicos e das reformas que o governo pretende impor e afetarão direitos sociais.

Leda também chamou a atenção para o papel dos meios tradicionais de comunicação. “A mídia convencional reproduz essa racionalidade econômica à exaustão”, afirmou, lembrando da repetição de discursos como o do “remédio amargo” para resolver os problemas econômicos. Isso explicaria em parte a fraca ou inexistente reação contra a Emenda 95 – além de certa “despolitização” que teria sido promovida pelo PT no período anterior –, mas isso pode ser diferente com a reforma da Previdência, cujas consequências são mais perceptíveis à população. Para a economista, este talvez seja “um momento definidor do que pode acontecer em seguida”.

Direitos e finanças

O professor  Luís Fernando Massonetto, da Faculdade de Direito, também identifica a Emenda 95 como um possível “ponto culminante” desse ataque. “No embate entre os direitos e as finanças, o que sucumbe é o universo dos direitos”, afirmou, vendo um momento de “submissão da razão jurídica à razão econômica”. E as crises, acrescentou, surgem como elemento “disparador” da supressão de direitos.

O país vive um tempo “muito angustiante”, com poucas saídas à vista, segundo Maria Paula Dallari Bucci, também do Largo São Francisco. Mesmo certa maturidade institucional a que se acreditava ter chegado, agora é posta em dúvida, com questionamentos sobre a organização política baseada em partidos e sindicatos.

A professora do Departamento de Direito do Estado também fez críticas ao Judiciário, questionando os “super poderes” representados pelas decisões monocráticas (individuais). “Cada juiz é um corte inteira”, afirmou, colocando ressalvas ao que chamou de “excesso de entrevistas” de alguns magistrados.

Pierpaolo Cruz Bottini, outro professor de Direito da USP, identifica um período de “disputa”, entre Legislativo e Judiciário pela interpretação da Constituição, levando a uma “politização” da Justiça. Assim, o Poder Judiciário torna-se protagonista diante da incapacidade – ou morosidade – do Legislativo de tomar decisões. Essa atuação mais política do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, torna-se preocupante, na medida em que se trata de um poder com “déficit democrático”, não eleito.

O debate fez parte da 19ª semana de recepção aos calouros da Faculdade de Direito, que termina no próximo domingo (12). Ainda na tarde desta sexta, haverá um “júri simulado” tendo como tema o romance O Primo Basílio, de Eça de Queiroz.

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