Em São Paulo

Zavascki é homenageado em abertura de congresso nacional do PT

Na abertura do evento em que o partido discutirá erros e restauração de sua imagem, militantes estranham circunstâncias de acidente que matou magistrado

Filipe Araújo

Lula disse que o congresso dará oportunidade de fazer um reflexão profunda sobre o desgaste da imagem do PT

São Paulo – O presidente nacional do PT, Rui Falcão, abriu ontem (19) o evento de lançamento do congresso nacional da legenda, em ambiente pautado pela morte do magistrado Teori Zavascki. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), relator dos processos da Operação Lava Jato endereçados à Corte, foi lembrado com um minuto de silêncio no auditório lotado do Hotel Jaraguá, na região central de São Paulo.

Pouco antes, o partido distribuira nota assinada por Falcão, em que lamenta a morte do jurista, considerado “homem público exemplar, que dedicou sua vida à busca da Justiça”. Falcão assinalou a relevância da carreira de Zavascki antes de ser indicado por Dilma Rousseff, em 2012, para ocupar uma cadeira no STF. “Foi um excepcional professor de Direito e autor de livros fundamentais. Deixará para a posteridade o legado de um magistrado respeitado por sua competência técnica, equilíbrio e ética.”

Nos corredores e rodas de conversa, no entanto, o clima era de apreensão e de estranhamento com as circunstâncias da queda do avião em que ele viajava. “Duvido que vá haver uma investigação profunda dessas circunstâncias. Não era do interesse dos que hoje controlam o poder a conduta de Zavascki. Mas espero que se investigue. Se havia alguma perspectiva de isenção na Lava Jato em instância superior, ela agora se reduziu”, afirmou um dirigente.

Erros, acertos e restauração

O congresso nacional do PT, com previsão de ocorrer no mês de abril, não deverá promover, diferentemente de versões anteriores, Processo de Eleição Direta (PED) para eleger sua nova direção. As principais correntes da legenda firmaram entendimento por realização de etapas municipais e estaduais, que culminarão na delegação da fase nacional do fórum.

(Atualização: nesta sexta-feira 20, ficou definido o início de junho para encerramento do congresso do partido. Antes, em abril e mai, ocorrem os congressos estaduais e muncipais)

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva caminha para assumir a presidência do partido que ajudou a fundar em fevereiro de 1980 e que venceu as quatro últimas eleições presidenciais. Ontem, Lula afirmou que o congresso dará oportunidade aos petistas de fazer um reflexão profunda sobre” o que aconteceu” – referindo-se ao desgaste da imagem do PT que levou à acachapante derrota eleitoral do ano passado.

“É preciso voltar a ser aquele partido que desperta esperança da sociedade de que algo vai acontecer de melhor. Nós fomos construindo esperança em cima de nossas derrotas. Tínhamos uma relação muito profunda com o movimento social”, disse, em uma das diversas vezes em que criticou veladamente a atuação de quadros da legenda instalados em espaços institucionais, como o Parlamento, por perderem contato com as origens. “Hoje a situação está mais difícil, porque uma parte da esperança que a gente tinha neste país virou uma certa desesperança. Nós sabemos que o que aconteceu com a companheira Dilma não foi fruto apensas de nossos algozes.”

A fala de Rui Falcão seguiu tom semelhante, ao atribuir ao congresso da legenda a oportunidade de “revigoramento de nossas instâncias e retificação dos nossos erros”.

O ex-prefeito de São Bernardo do Campo Luiz Marinho admitiu que o período foi tumultuado e de desarticulação. Para ele, as forças de esquerda, especialmente, encontraram dificuldade de construir um discurso unificado, em meio a um país atordoado pela crise política e o agravamento da paralisia econômica.

“A configuração de um novo cenário, e o reagrupamento em torno de projetos mais claros passarão por novas eleições. Embora o calendário normal preveja eleições presidenciais para 2018, o ideal seria antecipar esse calendário”, disse Marinho. Uma alteração legislativa difícil, admitiu, de ser emplacada em um Congresso comprometido até o pescoço com o golpe jurídico-parlamentar que destituiu Dilma.

O ex-ministro do Trabalho, cotado para presidir o diretório estadual do PT, acredita entretanto que não é impossível que o agrupamento das forças progressistas em torno da campanha pelas Diretas Já e de um projeto nacional em torno da candidatura de Lula consiga pressionar o Congresso a considerar essa medida de excepcionalidade – “eleições em 2017 e um mandato de cinco anos para os eleitos” – diante do agravamento da desordem econômica e do desemprego.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) concordou que o governo Temer não tem um projeto capaz de tirar o país da recessão e encontrará ambiente cada vez mais adverso, à medida que tentar avançar com reformas como a trabalhista e da Previdência.

“Ao adotar um discurso que não fala outra coisa que não seja austeridade, o governo vai provocar o agravamento da crise social. E a crise política já é gigante. O governo pode acabar a qualquer momento, ainda tem o risco de novas delações, inclusive do Eduardo Cunha”, observa o senador.

Lindbergh disse acreditar que há muitos fatores influenciando o cenário, que a esquerda vai se unificar na resistência à reforma da Previdência, por eleições diretas já, e vai apresentar o nome de Lula. “O retorno do presidente Lula é capaz de mexer com a correlação de forças no Congresso Nacional. As pessoas começaram a perceber que estamos saindo de um país de inclusão social para outro, de retirada de diretos.”

A deterioração dos direitos sociais, porém, não é capaz por si só de levar a sociedade, inclusive os mais afetados pelo golpe, a abraçar de volta a bandeira do socialismo democrático – marca da fundação do PT. A avaliação é do ex-presidente da CUT Artur Henrique, que lembrou um episódio clássico da história em que a insatisfação social combinada com um ambiente de negação da política favoreceu a ascensão do nazismo na Alemanha de Hitler.

“Sei que a comparação pode parecer exagerada, mas quero chamar a atenção que um dos fatores que contribuiu para aquela ascensão foi a dispersão das esquerdas. Então nós vivemos um momento crucial para a construção da unidade das forças progressistas”, alerta.

Artur Henrique acrescentou que o momento, inclusive, é de enfrentar o debate e disputar a opinião pública comparando projetos. “Mais do que nunca, temos de enfatizar muito mais os nossos acertos.”