Crise penitenciária

Sem garantia de recursos, estados rejeitam plano de segurança de Temer

Relutância de governos estaduais em assinar carta de compromisso fez com que a solenidade marcada para amanhã (18) fosse cancelada pelo Planalto

Beto Barata / PR

Avaliação dos governos estaduais é de que o plano não levou em conta características específicas dos estados

Brasília – Ainda não encerrada, a reunião dos secretários estaduais de segurança pública e de administração penitenciária com ministros e técnicos do governo federal, que se realiza desde o início da manhã, está sendo definida por assessores do ministério da Justiça e do Palácio do Planalto como “uma tourada”. As conversas sobre o sistema carcerário brasileiro, de forma a conter a crise existente, suscitaram divergências sobre responsabilidades entre esferas. E muitos representantes dessas pastas disseram que  os governadores dos seus estados não assinariam, amanhã (18), o termo de compromisso para execução do Plano Nacional de Segurança Pública sem a certeza de que as medidas a serem adotadas serão efetivas e sem a garantia de onde sairão os recursos para isso.

A solenidade de assinatura do termo seria uma espécie de reconhecimento de apoio por parte dos estados ao plano divulgado no último dia 5 pelo governo Temer e estava sendo organizada pelo Palácio do Planalto para ter um efeito político, do ponto de vista de efetividade das medidas do Executivo para resolução da crise. Com a posição de dúvida dos governadores, o cerimonial do governo resolveu cancelar a solenidade e o plano terá sua formalização assinada de forma isolada por grupos de estados, posteriormente.

A assinatura desse termo de compromisso estava sendo vista, também, como uma forma de amenizar o desgaste do presidente da República e seus ministros, expostos por declarações desastrosas e iniciativas tidas como atrapalhadas, adotadas nos últimos dias. Como tudo está sendo realizado a portas fechadas, com o máximo de cautela quanto à divulgação até o final do encontro, as informações sobre as discussões têm sido feitas em reservado por assessores ou por alguns secretários que se dispuseram a dar declarações. Mas já se sabe que a avaliação geral dos governos estaduais é de que o plano não levou em conta características específicas dos estados.

São quatro principais pontos principais de polêmica. Os secretários querem que o plano dê atenção especial à cobertura de entrada e saída de detentos e fugitivos de presídios nas áreas de fronteira do país, inclusive para conter também o tráfico de drogas; querem um programa efetivo para combater o tráfico de entorpecentes dentro destes complexos prisionais e o mais importante: só aceitam assinar o termo de compromisso se houver garantia de recursos para que as ações possam ser realizadas pelos governos estaduais.

Um grupo formado por secretários da região Norte fez a quarta reivindicação, ainda mais radical: para que o Executivo envie ao Congresso, em caráter imediato, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que vincule recursos de forma prioritária para a segurança pública, como acontece hoje com os setores de educação e saúde – mesmo que em caráter provisório, levando-se em consideração a situação de crise nos presídios.

‘Necessidades dos estados’

Um dos mais empenhados em fazer críticas e manifestar a opinião dos colegas sobre as ações programadas foi o secretário de Segurança Pública de Rondônia, coronel Lioberto Caetano, que destacou as condições do presídio Urso Branco, naquele estado – considerado precário desde inspeção feita em 2012 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo Caetano, “o plano apresentado pelo governo não atende às necessidades dos estados”.

De acordo com ele, para que um trabalho integrado possa ter ação efetiva e imediata para solucionar a crise existente hoje é preciso fiscalizar as fronteiras do país e, principalmente, ter como certo de onde serão tirados os recursos.

“Como o governo federal vai custear isso? Dizer que vai fazer e acontecer, chamar todos aqui, governadores, ministros e presidente e fazê-los assinar um termo de compromisso é fácil, mas não resolve nada. O governo estadual de Rondônia só assinará essa carta se houver um compromisso sobre a liberação dos recursos suficientes”, afirmou.

Lioberto Caetano também contou que vários secretários refutaram, durante a reunião, o anúncio por parte do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de que o governo pretende construir cinco novos presídios nas cinco regiões do país, como forma de desafogar o déficit de vagas no sistema prisional.

O secretário disse que a avaliação dele e de outros colegas é de que somente construir presídio não resolve a crise. “Apenas aumenta o número de presos, com aumento também do gasto dos governos estaduais e do governo federal”, acrescentou. Ele ainda ressaltou que, a seu ver, o Brasil já passou pela experiência necessária de testes. “Não estamos mais na fase de testes, agora precisamos resolver de vez esse problema, que é tão sério.”

Crime organizado

 O secretário de Segurança do Amazonas, Sérgio Fontes, disse, em tom mais ameno, que se por um lado todos os secretários estão empenhados em participar de uma ação conjunta para reestruturar o sistema carcerário, a preocupação com os recursos e de onde eles serão retirados é real e foi bastante externada.

Segundo Fontes, o plano de segurança precisa ser visto como um ponto positivo por todos, mas não basta. Ele declarou que não acha que o plano, por si só, resolva a questão do sistema carcerário de uma vez por todas. E cobrou iniciativas voltadas especificamente para o combate ao crime organizado no país – sobretudo dentro dos presídios.

Ao ser questionado sobre o quadro, o secretário de Segurança Pública do Maranhão, Jefferson Portela, também disse que as discussões sobre os recursos deve ser concluída entre hoje e amanhã para que o apoio ao plano possa ser concretizado. Ele defendeu junto aos colegas que uma condição para que os governadores assinem o apoio ao plano nacional seja o esclarecimento sobre os recursos.

Vistorias e comissões

No início da tarde, o governo anunciou que já estão acertados entre os vários itens a serem anunciados a criação de um grupo que vai elaborar projeto de reestruturação completa do sistema carcerário brasileiro e a criação de uma comissão para ampliar a inteligência e prevenção de rebeliões nestes presídios.

Além disso, foi autorizado o uso das Forças Armadas para fiscalizar e vistoriar presídios, sempre que houver solicitação dos estados, bem como a construção de cinco novos presídios de grande porte e a liberação imediata de R$ 295 milhões para compra de tornozeleiras eletrônicas, scanners corporais e aparelhos bloqueadores de celulares.

A situação do sistema carcerário brasileiro, cujo quadro ficou evidente com duas rebeliões em presídios do Amazonas e Roraima registradas no início do mês, foi intensificada com a observação de uma terceira rebelião, no Rio Grande do Norte, na madrugada de ontem. Esta última rebelião, apesar de negativas do governo daquele estado, continua sendo objeto de confronto entre detentos integrantes de facções criminosas diversas nesta terça.

No Judiciário, acaba hoje o prazo dado pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, para que os tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal apresentem números de servidores e magistrados que possam ser cedidos para integrar uma força-tarefa emergencial. Os tribunais ficaram de enviar, ainda, documentos referentes a processos criminais já julgados e em tramitação. O objetivo do STF é realizar, até março, a revisão de todos esses processos, principalmente os referentes a presos provisórios.

 

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