Crise penitenciária

Presidente da Comissão de DH diz que armas entravam ‘pela porta’ de presídio de Manaus

Segundo deputado, informações mostram 'total descaso do Estado com a reinserção de apenados no país'. Parlamentares fazem diligência em presídios na região Norte

BRUNO ZANARDO/SECOM

Forças de segurança entram para revista no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus: conflito entre facções deixou dezenas de mortos

Brasília – O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM), deputado João Carlos Siqueira, o Padre João (PT-MG), afirmou hoje (11) que durante as diligências realizadas pelos integrantes da comissão, que investigam as recentes rebeliões em presídios de Manaus e Boa Vista, o que mais chamou a atenção foi a constatação de que as armas entravam pela porta da frente do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), na capital amazonense. A inspeção teve como objetivo apurar mais detalhes sobre o massacre de presos nos estados do Amazonas e de Roraima, nos últimos dias. A informação sobre o trânsito livre de armas, segundo ele, foi repassada aos deputados, primeiro, por parentes dos mortos, e posteriormente confirmada por servidores do sistema carcerário.

O grupo de parlamentares, que chegou a Manaus na noite de segunda-feira (9), entre integrantes da CDHM, deputados e senadores de outros estados da região Norte, fez várias reuniões com representantes do governo estadual, servidores do sistema carcerário e familiares das vítimas. Os deputados percorreram ainda o Compaj, que teve 56 mortos, e a Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, também na capital amazonense, onde foram registradas outras quatro mortes, todas na semana passada.

Sob a coordenação do Padre João, o grupo conheceu as instalações e os locais dos massacres, conversou com detentos nestes lugares e seguiu, no início desta tarde, para Roraima, onde será dada continuidade às diligências. Já estão programadas visitas a presídios e reunião com a governadora daquele estado, Suely Campos (PP). Na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, foram registradas 33 mortes durante o final de semana.

Arquivo Pessoal / Facebook
Deputado Padre João (centro) durante diligência em presídio de Manaus: políticas públicas equivocadas

Descaso do Estado

Conforme contou Padre João à RBA por telefone, antes de embarcar para Roraima, alguns relatos dos próprios apenados mostraram, além da entrada de armas, que até mesmo cargas de dinamite passavam livremente pelos portões. “Para mim, isso causou mais indignação e prova que as autoridades estavam cientes do que acontecia lá dentro o tempo inteiro”, afirmou.

De acordo com o parlamentar, houve, de fato, cumplicidade na direção do Compaj (que teve o diretor exonerado do cargo ontem, depois de denúncias de que recebia propina de presos). Na avaliação do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara o que ocorreu nos presídios dos estados de Amazonas e Manaus consiste em “prova da negação do Estado brasileiro para com a questão prisional”.

“Em vez de serem preparados para a reinserção na sociedade, por meio de programas diversos, por conta dessa ausência do Estado esses presos estão sendo doutrinados pelas facções criminosas e tendem a se tornarem pessoas ainda mais perigosas. Faltam-lhes educação, proteção e segurança, entre outros itens que deveriam ser oferecidos”, acusou. “É uma lógica perversa o que foi constatado, até porque temos a certeza que essa lógica não vai tirar as pessoas do crime. E, infelizmente, acontece em várias unidades prisionais do país, não apenas nesses dois estados”.

A viagem institucional dos parlamentares, como representantes da Câmara, recebeu autorização extraoficial, uma vez que o período é de recesso do Legislativo. 

Privatização dos presídios

O presidente da Comissão de Direitos Humanos comentou também a postura do presidente da República, Michel Temer, que recebeu esta manhã integrantes da Comissão de Segurança Pública da Câmara e não convocou, em momento algum, integrantes da CDHM para conversar sobre os massacres sob a ótica de direitos humanos. “É claro que há uma preocupação, pelo governo, de agradar os parlamentares da sua base aliada e tratar do assunto do massacre nos presídios sob o ponto de vista dos interesses da base e não dos direitos humanos”, afirmou.

De acordo com Padre João, “para um presidente da República que já chamou o episódio de ‘acidente lamentável’ essa postura não surpreende”. Muitos dos deputados que compõem a Comissão de Segurança Pública fazem parte da chamada “bancada da bala” do Congresso, formada por policiais e políticos que tratam do tema sob uma visão contrária à dos direitos humanos, como o apoio à redução da maioridade penal, por exemplo.

“É lamentável, mas não nos surpreende que o presidente prefira conversar com eles e não conosco. Há um interesse por parte de setores que apoiam o governo em privatizar cada vez mais os presídios e, até, em obter lucro com o sistema carcerário”, criticou Padre João. “Já a nossa visão é de ajudar na reinserção dos apenados na sociedade. Ao meu ver, o Executivo deveria é enviar força tarefa constante para estes estados como forma de identificar propostas que realmente ajudem na situação carcerária dos locais que foram alvo dessas rebeliões.”

Procurada, a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto não se manifestou sobre as declarações do presidente da Comissão de DH. Afirmou que a audiência de Temer com os deputados da comissão de Segurança Pública foi realizada em atendimento a pedido feito pelos próprios deputados desse colegiado, que tomaram a iniciativa de procurar o presidente, no início da semana.