Crise na segurança

Parlamentares fazem diligência em presídios e criticam omissão do governo

Mesmo integrantes da base aliada reclamam do Executivo. Segundo afirmam, pelo menos 20 propostas do Congresso para melhoria do sistema prisional foram deixadas de lado

Edmar Barros/Futura Press/Folhapress

Tropa de Choque entra na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa em Manaus (AM), neste domingo (8)

Brasília – Integrantes da comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara chegam hoje (9) à noite a Manaus para uma diligência e também para conversar com autoridades dos estados de Amazonas e Roraima sobre a crise no sistema prisional. Os dois estados foram palcos nos últimos dias da guerra entre as facções criminosas que dominam o interior dos presídios. No dia 2, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, teve 56 mortos. Na madrugada de sexta-feira (6), outras 33 mortes ocorreram na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista. Neste domingo (8), mais quatro mortes foram registradas na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus.

As críticas ao Executivo federal são feitas tanto por oposicionistas como por parte dos aliados do presidente Michel Temer, que acusam o atual governo de ter desprezado sugestões apresentadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do sistema carcerário, encerrada em 2015. Eles reclamam de “omissão” e “falta de compromisso” do primeiro escalão com a segurança pública.

“A situação é bem mais grave que um acidente perverso”, ironizou o presidente da comissão, deputado João Carlos Siqueira, o Padre João (PT-MG) – numa referência à forma como Temer definiu o primeiro massacre, observado em Manaus. O parlamentar propôs a junção de esforços entre União e instituições do Poder Judiciário – em particular Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Supremo Tribunal Federal (STF) e Procuradoria-Geral da República (PGR), com o apoio do Legislativo. 

“A União não pode simplesmente se eximir, como fez o presidente da República, da responsabilidade de liderar a busca de paz no sistema penitenciário e a construção de um novo modelo. Informações sobre os fatos de Manaus eram de conhecimento do Ministério da Justiça, tanto por investigações sobre o crime organizado pela Polícia Federal quanto pelo relatório de peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT)”, acusou.

Ainda segundo Padre João, um relatório da entidade Conectas Direitos Humanos, produzido por peritos do Subcomitê da Organização das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura (SPT, na sigla em inglês) com recomendações ao sistema prisional do Amazonas, foi entregue em novembro ao Ministério da Justiça e está sendo mantido sob sigilo pelo governo brasileiro. “Os especialistas estiveram no Brasil entre 19 e 30 de outubro de 2015 e inspecionaram presídios do Distrito Federal, Pernambuco, Rio de Janeiro e Amazonas. O trabalho apresenta as impressões e diagnósticos obtidos pelos técnicos, assim como sugestões, mas o Brasil tem a prerrogativa de decidir sobre a divulgação ou não do documento.”

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara disse que os deputados que integram o colegiado e outros, também vinculados à área, chamam a responsabilidade do Poder Judiciário e das defensorias públicas para a realização de mutirões de verificação da situação dos presos em todo o país, em caráter imediato. Assim como a realização de novos estudos e discussões que levem a uma alternativa para a questão da superlotação dos presídios.

“Pedimos ao presidente da Câmara para nos autorizar a realizar estas diligências e tomar providências em caráter inicial e ele já adiantou que nos dará todo o apoio. Precisamos enfrentar e ajudar a combater essa onda de violência”, acrescentou.

A primeira diligência será realizada amanhã (10). Como o período é de recesso do Judiciário, muitos destes parlamentares se deslocarão dos seus próprios estados e somente nesta terça-feira será possível confirmar o nome de todos os que participarão da diligência, conforme informações da assessoria da comissão.

Trapalhadas de Moraes

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) chamou a atenção para as trapalhadas do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que recebeu pedido de ajuda do governo de Roraima para conter a situação prisional, negou ter recebido tal pedido e depois voltou atrás para confirmar que nada foi feito pelo Executivo. Na opinião de Teixeira, o caso mostra que o ministro “não tem condições de gerir a crise dos presídios nem de permanecer no cargo”.

“Com os acontecimentos do Amazonas e de Roraima, e com a farta documentação de que o governo federal sabia do que vinha ocorrendo no sistema prisional nesses estados ficou inviável a permanência do ministro no cargo”, afirmou.

Teixeira lembrou ainda que agências e corporações federais, como a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), fazem parte de grupos de gestão de crise com os estados e, por isso, obtinham informações a respeito do sistema prisional. Ele vai pedir a realização de uma audiência com Moraes, com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e os chefes da Polícia Federal e da Abin na Câmara para que os quatro prestem esclarecimentos sobre as ações tomadas pelo Executivo a esse respeito.

Outro deputado que demonstrou inconformismo com a situação e deve participar da diligência no Amazonas é Paulo Pimenta (PT-RS). Pimenta classificou como “soberba”, a postura de Temer de evitar se pronunciar diante de fatos de graves proporções para o país. E disse que, a seu ver, “não há como fugir do debate”.

‘Perda de controle’

“O fato reabre a discussão sobre o problema do sistema carcerário no Brasil. Um sistema penitenciário que, além de problemas de infraestrutura e da grave superlotação, reflete a realidade do comando de facções criminosas no seu interior. Essa é a tragédia anunciada pela ausência de uma política de Estado, mas a postura do ministro da Justiça, ao tentar desvincular a explicação do massacre das guerras entre facções, indica que o governo não está disposto a enfrentar a dura realidade e impedir que os presídios continuem como parte da estrutura do crime organizado”, acusou Pimenta.

No Senado, o mais crítico foi o líder do PT, Humberto Costa (PE), que ao falar sobre a situação, disse que “Temer perdeu o controle da segurança pública”. “O presidente e seus assessores tentaram se eximir da responsabilidade sobre o caso e culpar as próprias vítimas pelo ‘banho de sangue’ que teve repercussão internacional. Sabemos com que tipo de governo estamos lidando e quem faz parte deste governo”, afirmou.

Já a Frente Parlamentar da Segurança Pública, que integra aproximadamente 300 deputados – muitos deles da chamada “bancada da bala” e integrantes da base aliada do governo – divulgou uma nota reclamando da atuação do governo Temer em relação ao episódio dos massacres. O presidente da Frente, Alberto Fraga (DEM-DF), disse que em momento algum os deputados da comissão de Segurança Pública foram procurados.

O grupo classificou, na nota, como “vaidade e ciúme” o fato de terem sido ignoradas cerca de 20 propostas apresentadas pela CPI do Sistema Carcerário. “Preferiram atuar como se o Congresso Nacional não existisse e não tivesse feito recomendações sobre o sistema prisional”, disse Fraga.

O documento, divulgado no último final de semana, destaca que “não é normal o governo não procurar ouvir a opinião de parlamentares com experiência na área da segurança pública e que já alertavam o Executivo sobre o avanço das facções criminosas nos presídios brasileiros”. E acrescenta: “seria descabido alguns desses deputados serem chamados, por quem quer que seja, para discutir essa pauta? Se a resposta for negativa, temos que reagir e buscar algumas respostas”.

 

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