Entrevista

Elói Pietá: ‘Maior problema das prisões é esse irracional combate às drogas’

Ex-prefeito de Guarulhos e coautor do livro 'Pavilhão 9: O massacre do Carandiru' diz que perseguição ao PT pelo sistema judiciário reproduz intolerância com setores mais pobres da sociedade

Reprodução Youtube

“Não conseguimos debelar sistema autoritário quando fomos governo”, afirma ex-prefeito de Guarulhos

São Paulo – Prefeito de Guarulhos, na Grande São Paulo, por dois mandatos (de 2001 a 2008), Elói Pietá é autor do livro Pavilhão 9: O massacre do Carandiru (editora Scritta), em parceria com o jornalista Justino Pereira. A obra foi uma das utilizadas pela promotoria no julgamento do coronel Ubiratan Guimarães, apontado como o comandante da operação no presídio de São Paulo em 2 de outubro de 1992. Em 2001, o militar foi condenado por júri popular a 623 anos, mas recorreu em liberdade e foi absolvido em 2006 pelo Tribunal de Justiça. No mesmo ano, foi assassinado.

Pietá concorda com as análises segundo as quais os paradigmas e a filosofia da segurança pública continuam os mesmos da época do massacre. “Inclusive, passaram nossos governos, do PT, e nada mudou nessa área. O que houve foi uma ampliação do número de presídios e ampliação do número de prisões”, diz, em entrevista à RBA.

Ele traça um paralelo entre a realidade que encarcera as camadas mais pobres da população e a perseguição, pelo sistema judicial, do seu partido, o PT. “Quando você coloca como meta do Ministério Público e do Judiciário perseguir um partido, você repete o que acontece no dia a dia, que é perseguir os setores mais pobres da sociedade. Existe uma ideologia de que pobre tem que ser oprimido, e quando resolve oprimir um partido, o sistema vai aplicando métodos similares”, analisa.

 

A filosofia de segurança pública continua a mesma 25 anos depois do massacre do Carandiru?

Continua a mesma. Inclusive, passaram nossos governos, do PT, e nada mudou nessa área. O que houve foi uma ampliação do número de presídios, ampliação do número de prisões e transferência dos presos em delegacias de polícia, presídios chamados de cadeias, para os novos presídios. Aumentou muito o número de prisões e o Judiciário continuou com a morosidade dele, com a injustiça de manter 40% de presos sem julgamento definitivo.

Os avanços que houve em termos de construção de presídios e presídios federais não alteraram a situação. Paralelamente, as organizações criminosas surgiram dentro dos presídios, o PCC e o Comando Vermelho, na primeira metade da década de 90. Progrediram enormemente e são um poder paralelo. Assim como nas áreas de periferia e de favela têm o poder no tráfico de drogas, têm o poder paralelo dentro das prisões. Hoje atuam também fora delas. O cara que sai da prisão continua vinculado à organização, e nem sempre porque quer, mas porque teme.

O sr. concorda que a principal responsável pela situação ter chegado aonde chegou é a guerra às drogas e a lei que prende jovens por pequeno tráfico?

Claro. O maior problema das prisões é esse irracional combate às drogas, que não são responsáveis apenas pelos que são presos por serem traficantes, mas também pelos que são presos por serem homicidas, assaltantes. Enquanto a questão das drogas não for resolvida com outro sistema, enquanto a política em relação às drogas não for mudada radicalmente, não só no Brasil, mas no mundo, esse negócio vai ficar irresolvível.

E cada vez mais terá que se construir mais prisões, e vai aumentar a criminalidade, porque isso é um sistema reprodutor da criminalidade. Portanto, é um sistema podre. Primeiro, do ponto de vista legal; em segundo lugar, sob o aspecto judicial; terceiro, policial; e quarto, do ponto de vista carcerário.

Ou faz uma mudança radical no sistema ou fica como estão fazendo, cada vez mais agravando a extensão das penas, o que significa que vão se criar mais problemas além dos que o sistema não resolve.

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) disse que o mais grave é que essa política de encarceramento que provoca a morte das pessoas conta com respaldo talvez da maioria da opinião pública. O sr. concorda?

Sim, porque é a ideologia dominante. As classes que dominam a economia, a comunicação de massa, a cultura, essas classes têm vários padrões que colocam na cabeça da população. Um dos padrões muito forte hoje é que o Estado não presta, o que presta é o sistema privado. A segunda coisa que colocam na cabeça das pessoas é que bandido se torna bandido por ser um cara mau, não tem nenhum motivo social que leva as pessoas a isso. Portanto, é o caráter do indivíduo, e caráter não tem solução a não ser excluindo-o do meio social. Terceira coisa, quanto mais matar esses indivíduos sem caráter, melhor para a sociedade. Espalharam isso e isso pegou na mente da maioria como uma mancha quase indelével.

Bandido bom é bandido morto…

Pois é. Então isso faz parte do arcabouço ideológico que foi incrustado na sociedade pelos setores ricos. E a maioria do Ministério Público e do Judiciário entrou nessa ideologia. O que está acontecendo com uma parte dos partidos políticos, especialmente com o PT, é um pouco a transferência para o campo político daquilo que já fazem há muito mais tempo no campo de repressão aos pobres. Por exemplo, o cara fica preso indefinidamente sem ter sido condenado. O cara fica preso por comercializar drogas, mas o cara que comercializa cigarro, bebida alcoólica e outras drogas lícitas, esses são cidadãos normais. Como você criminaliza inteiramente as drogas, o que acontece é o que acontecia nos Estados Unidos na época da Lei Seca.

Até a maconha, que é uma droga, digamos, mais leve, o próprio Ministério Público é contra qualquer legalização, o que já acontece em outros países. O Brasil está sob o domínio de ideias conservadoras, reacionárias, que não resolvem os problemas. E quando dirigimos o país, não fizemos essa luta ideológica.

Quando diz que o que acontece com o PT “é a transferência para o campo político daquilo que já fazem há mais tempo no campo de repressão social” o sr. se refere à Lava Jato?

Quando você persegue, coloca como meta do Ministério Público e do Judiciário perseguir um partido, você repete o que acontece no dia a dia, que é perseguir os setores mais pobres da sociedade. Se o sistema atropela direitos escritos na Constituição ou nas leis penais ou de processo penal, isso é feito cotidianamente com as classes pobres. Existe uma ideologia de que pobre tem que ser oprimido, e quando resolve oprimir um partido, o sistema vai aplicando métodos similares. Existe um paralelo do processo autoritário.

Hoje o autoritarismo está indo também para o campo da política. Esse sistema autoritário sobre as classes pobres, esses sistema judicial, policial, prisional e midiático sobre as classes pobres, nós não conseguimos debelar quando fomos governo, porque abdicamos da luta ideológica. Preferimos apenas a luta econômica, e agora esse mesmo sistema se volta contra nós por motivos econômicos, mas com toda essa consolidação ideológica na sociedade que a gente não combateu. O que agora está se agravando, com essas dez medidas contra a corrupção que aqueles procuradores querem fazer, o que é trazer mais para cima aquela selvageria que já se faz com os debaixo.

O que acha do uso das Forças Armadas nos presídios, medida anunciada por Michel Temer?

Eu estou com o Guaracy Mingardi (cientista político e secretário de Segurança Pública de Guarulhos na gestão de Pietá). O mais certo para resolver esse problema emergencial é colocar a Força Nacional, que vem das PMs e tem mais experiência na área de presídio. Na hora da crise vêm os porta-vozes do governo e anunciam novos planos. As Forças Armadas não têm experiência nessa área. Não resolveram o problema das favelas, do tráfico e do crime, não vão resolver nas prisões também. Mas se a emergência tem que ser atendida, o melhor é trabalhar com a Força Nacional.

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