eleições 2016

Entender papel do vereador permite a eleitor escolher com mais confiança

Para especialista em políticas públicas, o chamado 'vício de prerrogativa' inunda campanhas para o Legislativo municipal. Mas afinal, quais as funções dos cerca de 60 mil vereadores do país?

André Bueno / CMSP

Câmara Municipal de São Paulo: espaço para debate, fiscalização e propostas que assegurem a vitalidade da democracia

São Paulo – Além de escolher prefeitos, os eleitores vão às urnas no próximo domingo (2) para indicar também os nomes que vão ocupar os cargos de vereadores. São cerca de 60 mil cadeiras em disputa nos 5.570 municípios da Federação. O funcionamento dessa carreira, no entanto, não é claro para a maioria da população. As promessas e conversas no corpo a corpo com o eleitor muitas vezes passam longe das reais atribuições de um vereador. Há candidatos, por exemplo, que prometem pôr fim à violência na cidade, sem considerar que a questão é uma atribuição do estado, e isso acaba mais por confundir do que esclarecer.

“Muitas do que os candidatos a vereado prometem nas campanhas não tem nada a ver com o que é o dia a dia do Legislativo”, diz o professor de Políticas Públicas da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) Renato Eliseu. “Isso se chama vício de prerrogativa.”

O amplo número de candidatos à vereança e o breve tempo de campanha (45 dias) acabam também dificultando os debates, confundindo os eleitores e, em muitos casos, beneficiando os que dispõem de mais estrutura ou popularidade – o que nem sempre é sinônimo de bons projetos. Discutir e aprimorar propostas encaminhadas pelo Executivo é um ponto central da atividade do vereador, como explica o professor de Ciência Política Álvaro Martim Guedes, da Unesp: “O vereador essencialmente faz o controle político sobre o prefeito”. E tem também o potencial de envolver a sociedade na discussão desses projetos, seja levando a discussão para as comunidades, seja convocando-as para acompanhar a atividade no Legislativo.

O professor Eliseu assinala ainda a fiscalização do Executivo, além da função de revisar e montar o orçamento  do município. “A proposta é feita pelo Executivo e encaminhada ao Legislativo. Nesta função, os vereadores acabam determinando para onde os recursos serão destinados. Ao fazer emendas no orçamento, acabam determinando prioridades. A aprovação do orçamento é uma função legislativa, e tem um forte impacto nas cidades”, explica o professor.

Um ponto importante é que nenhum projeto de autoria dos vereadores pode impactar no orçamento. Então, promessas ligadas a realizações de obras, por exemplo, não cabem diretamente a vereadores. A RBA ouviu também de alguns candidatos progressistas respeitados em suas áreas de atuação para explicarem como veem o papel do parlamentar em meio aos desafios de um cenário marcado por ameaças de retrocessos.

Sâmia Bomfim, candidata a vereadora pelo Psol

Marcia Minillo / RBAsamia.JPG
Sâmia: Somos democráticos, horizontais, participativos e coloridos

“Acho que existe uma demanda por novos rostos, pessoas jovens e mulheres na política. A impressão que dá é que as pessoas querem isso”, afirma Sâmia, que disputa seu primeiro pleito como candidata. Ela é secretária de Mulheres do sindicato dos funcionários da USP e ativista do movimento feminista Juntas. “O método com que construímos mobilizações nas ruas é radicalmente diferente de como se faz política tradicional”, diz. “Somos democráticos, horizontais, participativos e coloridos. Não somos enrijecidos ou carcomidos.” Ela acredita na ascensão do feminismo e na defesa de direitos, contra retrocessos, especialmente contra a agenda regressiva do governo não-eleito de Michel Temer, como ponto de fortalecimento das forças progressistas.

“O Fora Temer não entra de forma desconexa em nossa campanha. É parte da luta que travamos todos os dias. Hoje, tentamos reunir e consolidar a força das mulheres, é o momento de negar o bela, recatada e do lar e ocupar a política”, diz Sâmia, que celebra a união de movimentos progressistas em pautas como o Fora Temer, mas pondera que o poder econômico ainda dita as regras das eleições. “São apenas 45 dias de campanha e é muito difícil para um nome novo, sem dinheiro, sem estrutura e mandato.” Entretanto, afirma, “estamos com uma grande responsabilidade porque não falamos apenas de ajustes que estão por vir, e sim perdas históricas da classe trabalhadora”.

Jamil Murad, candidato a vereador pelo PCdoB

André Bueno / CMSPjamil murad.jpg
Jamil: O feijão com arroz não vai ser suficiente para defender o povo

“Eles (a direita) fazem uma campanha sórdida, criminosa, não só contra a esquerda, mas contra a democracia no país. Mentiras, calúnias e condenação sem provas. Tudo isso são atos criminosos. Eles estão neste processo covarde, espúrio, de usar o poder contra os interesses do povo. Então, eles estão manobrando nestas eleições”, afirmou o candidato. Ele afirma temer a ampliação da dificuldade em proposição de projetos na Câmara Municipal de São Paulo. “Temos que eleger vereadores que, além do cuidado com o dia a dia da cidade, pensem politicamente os desdobramentos das esferas maiores da política. O feijão com arroz não vai ser suficiente para defender os interesses do nosso povo”, completa Jamil. Para o candidato à reeleição, que já passou pelos cargos de deputado estadual e federal, a experiência dos candidatos pode ser um diferencial, visto que a bancada progressista pode diminuir.

Jamil também cita possíveis perdas com a agenda de direita do país. “Estamos participando de uma intensa resistência democrática contra o golpe que se efetivou. É um risco grande para a nação brasileira, passa por nossa soberania, pelos direitos dos trabalhadores. Mas nós acumulamos força com anos de luta. Eles são covardes e vão tentar de tudo para impor a reforma da Previdência, mudanças nas leis trabalhistas e atentados contra os trabalhadores”, disse o vereador que está na política desde a década de 1960, tendo se filiado ao PCdoB em 1968.

Luiz Claudio Marcolino, candidato a vereador pelo PT

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Marcolino: população organizada tem desejo maior de participar da eleição

“O vereador tem o papel de fazer leis que melhorem a qualidade de vida da população da cidade de São Paulo, e também o papel de fiscalizar as ações do executivo, projetos, plano de metas”, diz Marcolino. Ele destaca também o papel de acompanhamento da gestão do orçamento municipal, e a discussão da Lei de Diretrizes Orçamentária para aprovar o orçamento do município, “que ele discute a partir de projeto apresentado pelo Executivo, se aquelas ações propostas estão de acordo com as necessidades da cidade”. O vereador deve analisar, propor e fazer as alterações necessárias no orçamento, para garantir que o recurso arrecadado a partir do IPTU, ISS, e de de transferência do governo federal e do estado para o município seja executado corretamente.

Para Marcolino, a crise política na qual o país hoje está inserido, e que alimenta um sentimento de rejeição aos políticos, exige que o candidato esteja mais próximo da população. “Para poder conversar mais, apresentar suas propostas e ouvir das comunidades o que elas acham que deve ser executado na cidade”, diz, destacando a necessidade de valorizar o processo de aproximação com o eleitor. “E quando tem a população organizada, consciente, entendendo a importância que a eleição tem, que ela mexe na vida das pessoas, o pessoal tem um desejo maior de participar da eleição. O que eu tinha sentido em alguns lugares é que existe essa rejeição ao processo eleitoral, um descrédito da política de uma maneira geral, e o modelo de eleição que está tendo hoje exige um processo de diálogo um maior.”

Gilberto Maringoni, candidato a vereador pelo Psol

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Maringoni: Vereador não pode agir como despachante de bairro

“A Câmara Municipal de São Paulo não é um poder legislativo qualquer. São Paulo tem o quinto maior orçamento do país e um eleitorado de quatro Uruguais”, diz o candidato, para quem o legislativo municipal encerra uma potência política e um leque grande de possibilidades para se interferir nos destinos da cidade. “Vereador não pode se apresentar ao leitor como detentor de um plano de governo, mas sim de um plano de ação. Não pode agir como despachante de bairro, que é uma conduta que estimula a política clientelista, e que contribui para a negativação da política – que já está bastante desacreditada e até criminalizada, subproduto desses tempos de avanço do conservadorismo”, observa.

Para ele, o parlamentar é um dos elos para fazer funcionar a democracia representativa. “Numa prefeitura de direita, aumenta sua responsabilidade como fiscalizador do poder público habituado a governar para a elite. Numa gestão progressista, deve ser um agente mobilizador para a ampliação dos direitos da cidadania. A Câmara Municipal tem de ser uma caixa de ressonância da sociedade”, afirma. “Infelizmente, a campanha deste ano foi muito prejudicada pela minirreforma do Eduardo Cunha – que a Dilma sancionou, não sei onde estava com a cabeça – que tornou os pequenos partidos invisíveis e com reduzida capacidade de aparecer mais no debate e de competir com os candidatos mais favorecidos pelo poder econômico”, conclui.

Nabil Bonduki, candidato a vereador pelo PT

Marcia Minillo / RBAnabil.JPG
Nabil: População está começando a perceber as consequências do golpe

“As Câmaras vão refletir as forças da sociedade e, sem dúvida nenhuma, a esquerda precisa se unir em torno de representantes que possam de fato se contrapor aos retrocessos”, diz o candidato. Nabil é enfático em dizer que os cidadãos precisam, além de votar em vereadores do campo progressista, eleger um prefeito de esquerda. “para se contrapor aos retrocessos”, disse, referindo-se aos projetos apresentados pelo governo federal após o golpe. “Espero que consigamos eleger uma bancada progressista na Câmara. Estamos trabalhando para isso.”

Para o vereador, candidato à reeleição, “a população está começando a perceber a força das consequências do golpe consumado e está vindo para as ruas. É um fator que entra também no pleito”. Nabil aposta em uma unidade das forças progressistas para conter o avanço dos retrocessos no âmbito nacional, que se reflete nos municípios. “Quem está nas ruas não está mais em um ‘fla x flu’ de Dilma versus Temer, mas em defesa de direitos, em defesa de um programa vencedor nas eleições de 2014. Precisamos eleger candidatos progressistas e incentivar o crescimento das manifestações, para que possamos enfrentar de fato essa situação que ultrapassa o golpe, chega nos retrocessos de políticas econômicas, sociais, tudo que o Temer representa.”

Com reportagem de Gabriel Valery

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