eleições 2016

Artur Henrique vê risco de políticas de trabalho e renda sumirem com canetada

“Se entrar alguém que tenha o olhar empresarial, vai privatizar o sistema de emprego', afirma o titular da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da prefeitura de São Paulo

divulgação

Artur Henrique: Investimento da prefeitura de R$ 4 bilhões ajuda a atenuar situação do desemprego na cidade de São Paulo

São Paulo – As ações públicas voltadas ao emprego e renda na cidade de São Paulo, que incluem as políticas de segurança alimentar e de economia solidária, correm o risco de serem dizimadas com uma canetada, dependendo de quem vencer esta eleição municipal.

“Se não houver continuidade dessas políticas e entrar alguém que tenha o olhar empresarial, ou um olhar apenas pelo lado do lucro, vai privatizar o sistema público de emprego, privatizar mercados municipais, como já se anunciou, sacolões. Seria um retrocesso do ponto de vista de você não ter políticas públicas para quem mais precisa”, afirma o titular da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo (SDTE), Artur Henrique, em crítica dirigida ao candidato tucano, João Doria Júnior.

Além de ter sido alvejado por seu furor privatista, Doria tem enfrentado uma dissidência dentro de seu próprio partido por ter, com apoio do governador Geraldo Alckmin, atropelado a indicação de Andrea Matarazzo como candidato, que trocou o PSDB pelo PSD para compor a chapa de Marta Suplicy (PMDB) como vice.

Segundo Artur, a atual gestão procurou lançar as bases de um novo modelo econômico para a cidade, voltado a criar oportunidades de trabalho e renda para os mais pobres. “Para garantir um novo modelo de desenvolvimento para a cidade você tem de olhar para quem mais precisa, descentralizar as iniciativas para as subprefeituras e fortalecer o que nós chamamos de desenvolvimento local”, disse o secretário em entrevista à RBA.

Depois de dois e meio à frente da SDTE, Artur, que presidiu a CUT entre 2006 e 2012, fala também da importância dos microempreendedores individuais no enfrentamento da crise e do desemprego na cidade. “O que nós percebemos é que era necessário fortalecer as micros e pequenas empresas, que mesmo diante da crise ainda se mantinham como aquelas que mais contratam e menos demitem.”

O secretário recupera uma ideia polêmica para os dias atuais, já que a crise política, que culmina com a divisão ideológica da sociedade, e o golpe, consolidado no Legislativo e nos meios de comunicação, interditam avanços progressistas e trazem a pauta de retrocessos. Ele defende o combater à rotatividade do trabalho por uma cobrança maior de de impostos, que fizesse a empresa pensar duas vezes antes de demitir sem motivação.

“Na questão do seguro-desemprego, se vamos analisar os números, a gente vê que existe uma rotatividade muito grande nas empresas e que são as próprias empresas que alimentam essa rotatividade”, afirma. “Se é preciso aplicar mais no seguro-desemprego, aplicar mais dinheiro em qualificação, no sistema público de emprego e não tem recurso para isso, por que não fazer com que aquelas empresas que mais demitem e mais alimentam a rotatividade paguem mais para que você possa ter recurso?”, questiona.

Nesta entrevista, Artur Henrique comenta o desmonte do Sistema Nacional de Emprego (Sine) pelo governo federal e, ainda, a iniciativa da prefeitura tirou do ostracismo a comunidade de produtores rurais da cidade, que vivem sobretudo no extremo sul da capital, uma área que muitos paulistanos simplesmente desconhecem.

Qual o legado que a gestão do prefeito Fernando Haddad deixa para a cidade na área de trabalho e empreendedorismo e qual o desafio para a próxima gestão?

Desde o início o prefeito Haddad se deu a tarefa de construir um outro modelo de desenvolvimento para a cidade de São Paulo. E quando falamos isso, estamos considerando a quem devem ser priorizadas as políticas públicas. O trabalho não é só emprego formal, com carteira assinada, estamos falando do mundo do trabalho, que é mais amplo, estamos falando de economia solidária, cooperativas, empreendedores individuais, no caso os MEIs (microempreendedores individuais). É necessário ter políticas públicas voltadas para esse segmento da população. Se você olhar o Caged, que o saldo entre o número de trabalhadores demitidos e admitidos, quem mais contratou e menos demitiu, ou seja, quem tem saldo positivo, são as micros e pequenas empresas.

“Para garantir novo modelo de desenvolvimento você tem de olhar para quem mais precisa, descentralizar as iniciativas para as subprefeituras e fortalecer o desenvolvimento local”

E esse desempenho ocorre mesmo diante da crise, apesar do desemprego grande na cidade de São Paulo. O desemprego não é maior do que na época do governo Fernando Henrique Cardoso, principalmente em torno de 2001 e 2002, atingiu perto de 20% na cidade – as pessoas esquecem isso e a televisão acaba tendo um papel não de informar, mas de desinformar a maioria da população. Mas de qualquer forma, tem uma situação que é grave, e exige por parte de São Paulo e da prefeitura políticas públicas para enfrentar essa situação. Percebemos que era necessário fortalecer as micro e pequenas empresas, que mesmo diante da crise ainda se mantinham como aquelas que mais contratam e menos demitem.

E o que foi feito?

Aprovamos um decreto de compras públicas trabalhado pela Agência São Paulo de Desenvolvimento. Além de estarmos nas subprefeituras articulando crédito para os micros e pequenos, olhamos para a situação e dissemos: “Aqui tem um enorme potencial”. Para você ter uma ideia, estamos falando de algo em torno de R$ 9 bilhões, que são compras anuais de serviços, de obras, ou de materiais que são adquiridos pela prefeitura, e isso poderia evidentemente ser direcionado para fortalecer o fornecimento por parte de micros e pequenas empresas e de cooperativas. Foi o que fizemos por exemplo com a agricultura familiar e com a produção de orgânicos na região sul, região de Parelheiros, e na região da zona leste, fortalecendo os pequenos proprietários da agricultura familiar pelo compra de merenda escolar – estamos falando de 2 milhões de refeições.

Uma segunda questão, dentro dessa perspectiva, é considerar a economia solidária como estratégia de desenvolvimento. Criamos a incubadora pública municipal, voltada a empreendimentos de economia solidária, na qual você tem hoje grupos que envolvem as áreas de gastronomia, artesanato, costura, produtos de cimento, que são pessoas que estão fazendo pisos para praças e tudo o mais. Há um conjunto de cooperativas, ou de pessoas que querem abrir sua própria cooperativa, que estão podendo passar um determinado tempo sendo fortalecidas dentro de uma incubadora pública no Cambuci, para depois ganhar vida e condições de se manter, vendendo seus produtos para a própria prefeitura, ou para fora, e evidentemente ganhando mercado.

SDTE-PMSP/DivulgaçãoFeira de empregos
Semana do Trabalho, Emprego e Renda: intermediação de mão de obra e orientação com recursos do Sine

Mas esse modelo de desenvolvimento repercutiu em empregos?

Há todo um trabalho que está sendo feito com R$ 4 bilhões de investimento por ano, e se não tivéssemos investido isso, a situação do desemprego na cidade de São Paulo seria ainda pior. O orçamento da minha secretaria é R$ 100 milhões, e os R$ 4 bilhões são o investimento anual que foi feito pela Prefeitura de São Paulo na média dos últimos quatro anos. Em uma situação de crise, na qual você tem estados falando em calamidade, a cidade de São Paulo conseguiu reduzir a sua dívida e ainda investiu R$ 4 bilhões por ano, o que representou criação de empregos diretos e indiretos muito grande; se não tivesse investido, o emprego estaria pior do que está hoje na cidade de São Paulo.

E o que fica para a próxima gestão no sentido de aprimorar esse modelo?

Em primeiro lugar, fica essa ideia de que para garantir um novo modelo de desenvolvimento para a cidade você tem de olhar para quem mais precisa, descentralizar as iniciativas para as subprefeituras e fortalecer cada vez mais o que nós chamamos de desenvolvimento local. É preciso transformar cada uma das subprefeituras em um espaço de desenvolvimento local, que crie emprego, oportunidades de trabalho e renda próximo do local de moradia.

“Há uma preocupação muito grande essa perspectiva de reformas que não são as reformas estruturais de precisamos no país, que ainda não foram feitas (a tributária, a política, a dos meios de comunicação, mas de reforma trabalhista vai aumentar a informalidade”

Esses primeiros quatro anos (do Haddad) foram um período para reorientar as prioridades para quem mais precisa e para implementar políticas públicas que possam ser no próximo mandato fortalecidas, como a economia solidária como estratégia de desenvolvimento, política municipal de segurança alimentar, política municipal de emprego, trabalho e renda. Mas qual é o nó? O risco que se tem de tudo isso que aconteceu é de ser jogado fora. Um retrocesso que com uma canetada, como estamos vendo em nível federal após o golpe, é uma redução e até eliminação de programas sociais importantes, com perigo inclusive de se aprovar uma medida como essa PEC (241) que está sendo discutida e que nos próximos 20 anos a gente tenha menos recursos da educação e da saúde do que nós temos hoje.

Há um desmonte em curso, então…

É muito complicado, é quase um desmonte daquilo que foi a conquista da Constituição de 1988. É um desmonte dos benefícios sociais e das vitórias trabalhistas que a gente teve ao longo de muita luta durante esse período todo e que aqui em São Paulo pode acontecer. Você tem, por exemplo, uma política municipal de segurança alimentar, uma política municipal de economia solidária, uma política municipal de emprego, trabalho e renda, e o que pode acontecer é que se não houver continuidade dessas política e entrar alguém que tenha o olhar empresarial, ou um olhar apenas pelo lado do lucro, vai privatizar o sistema público de emprego, privatizar mercados municipais, como já anunciou, os sacolões, é um retrocesso do ponto de vista de você não ter políticas públicas para quem mais precisa.

A crise, o desemprego e seu impacto na formalização da economia são um problema que a prefeitura já percebe?

Com o agravamento da crise, você tem um reflexo imediato na diminuição de oferta de vagas de empregos nos nossos Centros de Apoio ao Trabalho (CAT) espalhados pela cidade, e em compensação um aumento significativo da formalização de microempreendedores individuais (MEI). Isso é muito importante, formalizar MEIs para ter garantia de direitos e tudo o mais, mas demonstra que aquele que fica desempregado acaba se transformando em um microempreendedor, portanto, temos de atuar nesse segmento, como nós estamos tentando fazer, e espero que os juros desçam a níveis compatíveis com uma sociedade moderna, porque o que estamos assistindo é um absurdo, um ataque sem precedentes aos trabalhadores, essa taxa de juros é um crime.

Para os microempreendedores, além da formalização, precisa de apoio técnico, como estamos fazendo por meio da Agência São Paulo de Desenvolvimento, e crédito – o microcrédito, o crédito orientado. Além disso, há uma preocupação muito grande com essa perspectiva de reformas de que está se falando, e que não são as reformas estruturais que nós precisamos no país, que ainda não foram feitas – a reforma tributária, a reforma política, a reforma dos meios de comunicação –, mas sim uma reforma trabalhista, por exemplo, que vai aumentar a informalidade.

O Sine tem dinheiro federal, mas quem executa é o município. Dá para dizer como isso está sendo impactado pelo golpe?

Vivemos uma situação que é a seguinte. Em 2013, foi feito um convênio entre o governo federal e o governo municipal de São Paulo, que envolve o sistema público de emprego, trabalho e renda, que é o Sine. No Brasil, uma parte das prefeituras – principalmente as maiores, ou naquelas em que você tenha ações como essa do CAT, o sistema que atende a população na busca por emprego – faz serviços de intermediação de mão de obra, qualificação profissional, emissão de carteira profissional e de seguro-desemprego. Esse é o sistema público de emprego, trabalho e renda, que a cada ano vem tendo redução no seu orçamento.

Quando o CAT, por exemplo, aprova uma determinada quantia de recursos necessários para fortalecer as políticas ativas de emprego no Brasil e a cada ano você tem uma redução drástica desses recursos, porque grande parte é utilizada para o seguro-desemprego, abono e cada vez menos para políticas ativas de emprego. São fundamentais o seguro-desemprego, o abono salarial, mas também (para o governo federal) é fundamental pegar recursos, por exemplo, os gastos com juros da dívida para enriquecer banqueiros, e reorientar para promover o emprego em todo o país.

Na cidade de São Paulo, nós tínhamos um convênio assinado com o Ministério do Trabalho que previa R$ 12 milhões por ano, fora os recursos que o município também aporta, que em São Paulo, tanto em 2013, quanto em 2014, e 2015, nós fomos mais do que esses R$ 12 milhões por ano que deveriam ter sido repassados para o município. Havia uma perspectiva de recebimento de uma parcela de recursos de convênio para o sistema público da ordem de R$ 11 milhões e isso foi sendo reduzido e a última informação que nós tivemos – por e-mail – do próprio Ministério do Trabalho é uma redução para R$ 2,5 milhões. Estamos trabalhando para encontrar uma solução, porque isso, desmontar ou reduzir de R$ 11 milhões para R$ 2,5 milhões, é uma demonstração de que o sistema público de emprego, trabalho e renda está sendo desmontado.

Mas isso é no orçamento deste ano?

R$ 65 milhões seriam no orçamento de cinco anos, e neste ano deveria ter pelo menos R$ 11 milhões ou R$ 12 milhões de repasse do governo federal, mas neste ano ainda não recebemos nada e estamos discutindo ainda o repasse de R$ 2,5 milhões; até agora neste ano não recebemos nada. Na questão do seguro-desemprego, se vamos analisar os números, a gente vê que existe uma rotatividade muito grande nas empresas e que são as próprias empresas que alimentam essa rotatividade. Mais de 70% não são trabalhadores que pediram para sair, ou se aposentaram, mas foram demitidos.

Lucas Duarte de Souza/RBACleide_Parelheiros
Cleide Duarte, de Parelheiros, reconhecida como zona rural, tem consultoria da prefeitura e fornece alimento orgânico, inclusive para merenda

A rotatividade é um problema que se resolve como?

Esse é um problema sério e histórico no país. E só tem uma maneira, é você estabelecer no Brasil a ratificação da Convenção de 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e aplicar um conjunto de medidas que já foram propostas e, portanto, já têm projetos de lei, e que nunca saíram da gaveta de algumas comissões na Câmara Federal. Se você olhar o estudo do Dieese sobre rotatividade, esse estudo demonstra que aproximadamente de 15% a 20% das empresas existentes no Brasil são responsáveis por mais de 70% de toda a rotatividade. Defendo uma legislação que imponha uma cobrança maior dessas empresas. Se é preciso aplicar mais no seguro-desemprego, aplicar mais dinheiro em qualificação, no sistema público de emprego e não tem recurso para isso, por que não fazer com que aquelas empresas que mais demitem e mais alimentam a rotatividade paguem mais para que você possa ter recurso.

Mas seria criado um imposto? Como seria?

Seria cobrado no imposto que as empresas já pagam. Você altera a alíquota de um determinado imposto e quem tem maior rotatividade paga mais. Isso já existe em vários países do mundo, mas aqui, infelizmente, os grandes veículos de comunicação não vão divulgar isso porque não interessa.

E é um tema que está interditado na atual discussão política do país…

Isso é censurado e não é de hoje, eles só utilizam comparação com os países desenvolvidos quando é para dizer que nos outros países você tem idade mínima para se aposentar. Eles só esquecem de dizer que em todos os países desenvolvidos as pessoas começam a trabalhar depois de concluir os estudos com 23, 24, 26 anos e não como no Brasil onde as pessoas começam a trabalhar com 13 anos.

“Na questão do seguro-desemprego, se vamos analisar os números, a gente vê que existe uma rotatividade muito grande nas empresas e que são as próprias empresas que alimentam essa rotatividade”

Ninguém fala, quando pega exemplo da Dinamarca, da Suécia, de países nórdicos, diz que lá as alíquotas de imposto chegam a 50%, 60% no caso das remunerações mais altas. Só que se devolve para as pessoas, nesses países, serviços públicos de qualidade em educação, saúde, moradia, transporte. Nós não temos problema nenhum em fazer um grande debate na sociedade brasileira, de melhoria cada vez maior das políticas públicas, e temos de fazer isso, mas o que não podemos deixar de mostrar é que quem paga mais imposto neste país são pobres e assalariados. Os ricos têm dinheiro para pagar advogado para fazer um monte de tramoia para não pagar imposto, criam uma fundação para não pagar. Olha o exemplo: quem tem carro, paga imposto, mas quem tem barco ou helicóptero não paga. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso se estabeleceu uma legislação que tirou o imposto de veículos como barcos e helicópteros.

E o que representou o Plano Diretor Estratégico da cidade na sua gestão à frente da secretaria?

Esse plano tem como característica trabalhar de forma planejada um modelo de cidade e um debate sobre qual cidade se quer para os próximos anos. E isso foi feito com muita participação social, com muito diálogo, muita discussão. Em relação ao nosso trabalho, impactou na discussão dos eixos de desenvolvimento da cidade, que envolvem emprego, trabalho e renda. E além disso, um elemento muito forte é que pela primeira vez fizemos a regularização de uma área rural na cidade de São Paulo.

São 400 proprietários rurais na zona sul. A área rural da zona sul é quase 30% do território da cidade, e lá você tem uma área indígena, e foi importante isso ter sido estabelecido, porque fortalece a possibilidade desses produtores rurais acessarem financiamento –  antes eles trabalhavam já como produtores rurais, mas não eram considerados dessa forma, eles não tinham como acessar o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), dificuldades de acessar programas de financiamento da área rural, como juros mais baixos.

Agora, com esse reconhecimento, isso ajuda a implementar políticas públicas como a política municipal de segurança alimentar, reformando o mercado de sacolões para trabalhar com o papel social dos mercados e sacolões. É toda uma lógica de produção e de comercialização dos produtos da agricultura. Temos a Quinta da Economia, toda quinta-feira, com 20 produtos da cesta básica a no máximo R$ 1,99. Foi um trabalho nosso aqui da secretaria, parte de um conjunto de iniciativas para levar para a sociedade alimentos sem agrotóxicos a um preço mais em conta.

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