Assembleia das Nações Unidas

Discurso morno de Temer na ONU mostra ao mundo ‘governo de transição’

'Por seu tamanho, sua liderança, sua história, Brasil tinha que estar em posição mais afirmativa', diz professor Luis Fernando Ayerbe. Para economista Pedro Rossi, Temer falou de 'neoliberalismo anacrônico, típico da década de 1990'

Beto Barata/PR

“Com reformas estruturais, estamos superando uma crise econômica sem precedentes”, garantiu Temer

São Paulo – O discurso de Michel Temer na abertura da 72ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, na manhã de hoje, não trouxe novidade e, mais uma vez, mostra que, na figura de seu presidente, o Brasil deixou a posição de protagonismo que desempenhou no período dos governos de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. “Externamente, a visão dos Estados Unidos e da comunidade internacional é de que o presidente brasileiro é representante de um momento de transição”,  diz Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

O Brasil deixou de desempenhar papel importante como mediador na resolução de conflitos e não atua com destaque nem sequer para defender sua própria posição contra o presidente venezuelano, por exemplo. O discurso de Temer teve um tom morno. Não foi enfático nem para falar da Venezuela, cuja crise eleva o país governado por Nicolás Maduro como um dos temas mais importantes da América do Sul hoje. 

“Não foi um discurso contundente nem mesmo contra o governo Maduro. Foi mais uma tomada de posição, que se diferencia da postura mais incisiva de Mauricio Macri (presidente da Argentina), mais ativista quando fala contra a Venezuela”, avalia o professor. “O Brasil sempre teve papel de liderança na América do Sul, em termos de apaziguar situações, evitar radicalismos. Temer deixou clara a posição brasileira, mas sem se apresentar como um país que está na liderança de um processo de negociação sobre a Venezuela.”

Temer lembrou que o Brasil tem recebido “milhares de migrantes e refugiados da Venezuela”, e opinou: “A situação dos direitos humanos na Venezuela continua a deteriorar-se. Estamos ao lado do povo venezuelano, a que nos ligam vínculos fraternais. Na América do Sul, já não há mais espaço para alternativas à democracia”.

Para Ayerbe, o Brasil vem perdendo o papel de liderança regional na América do Sul e o argentino Mauricio Macri tenta ocupar esse espaço. “Certamente a postura tanto brasileira quanto argentina é bem diferente do que era na época dos Kirchner ou de Lula. Por seu tamanho, sua liderança, sua história, o Brasil tinha que estar numa posição mais afirmativa, mais visível, mas está um pouco acuado. No discurso de Temer na ONU, isso fica claro: ele marcou posição, mas sem avançar para nada mais consistente.”

No discurso, Temer pontuou cidades do mundo vítimas de terrorismo (“de Barcelona a Cabul, de Alexandria a Manchester”) para afirmar a crença brasileira “na liberdade e na tolerância”. 

“O discurso foi muito pouco enfático. É uma série de pontos reforçando princípios e posições, mas sem ênfase. No caso da Venezuela, foi até moderado, considerando a posição que o Brasil assumiu no governo Temer.”

Em entrevista à RBA, a professora Analúcia Danilevicz Pereira, de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disse que Temer aparece na cena internacional como chefe de um governo “absolutamente vulnerável, em crise, com dificuldade de garantir níveis mínimos de legitimidade”. Para ela, “esse governo está mais envolvido em questões ligadas à sua própria sobrevivência do que tem condições para articular algo coletivamente, como uma ação contra a Venezuela”.

Ayerbe observa que o próprio Temer parece representar esse papel. “Quando viaja, ele às vezes volta antes. Está sempre sintonizado com o que acontece no Brasil e nunca está em posição de estadista, discutindo grandes temas com grandes lideranças. É muito visível no mundo que estamos numa situação da transição.”

Economia

Como tem feito em suas viagens internacionais, Temer também falou da economia brasileira, e do “novo Brasil que está surgindo das reformas”, que, segundo ele, “é um país mais aberto ao mundo”.

O presidente afirmou que “o Brasil atravessa momento de transformações decisivas” e acrescentou: “Com reformas estruturais, estamos superando uma crise econômica sem precedentes. Estamos resgatando o equilíbrio fiscal. E, com ele, a credibilidade da economia.”

Para o economista e professor da Unicamp Pedro  Rossi, não é bem assim. “O Brasil está resgatando um neoliberalismo anacrônico, típico da década de 1990, quando havia alguma esperança de que esse tipo de política gerasse crescimento.”

O conjunto de reformas de que Temer falou na ONU não é apenas amplo, mas também “antidemocrático”, avalia o economista. “A população não aprovaria essas reformas nas eleições, que favorecem o capital em detrimento do trabalho. Na verdade, essas reformas retiram os instrumentos capazes de gerar desenvolvimento econômico e estabilidade macroeconômica.”

Além de tudo, o conjunto de reformas “não dá sinalização fiscal alguma”, diz Rossi. “A austeridade econômica praticada no Brasil tem agravado o cenário fiscal, e não melhorado.”

Em agosto, o governo anunciou uma nova meta fiscal para 2017, com rombo R$ 20 bilhões maior do que o previsto anteriormente. A meta de 2017 passou de R$ 139 bilhões de déficit para R$ 159 bilhões. A de 2018, de R$ 129 bilhões de déficit também para R$ 159 bilhões.

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