América Latina

A primeira vítima da ‘guerra’ na Venezuela é a verdade, diz professor da PUC-SP

Para Pedro Fassoni, se Maduro cair, haverá retrocessos em benefício da mesma oligarquia que tentou derrubar Chávez em 2002. Ele também critica o deputado Jean Wyllys: 'Faz coro com mídia conservadora'

Reprodução/Youtube

Problema de Maduro não é de legitimidade, mas inabilidade política na condução da crise

São Paulo – Um dos principais argumentos utilizados contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, para acusá-lo de “ditador” e sobre seu papel na grave crise do país, é o número de mortos, cerca de 120 desde o início dos protestos contra o governo chavista há quatro meses. Os grupos midiáticos e a oposição no país aproveitam a eleição de domingo (30), segundo eles “ilegítima”, que elegeu uma nova Assembleia Nacional Constituinte com 545 membros, para tentar fechar o cerco.

O pleito foi mais uma vez marcado pela violência e mortos, que teriam sido dez. A oposição se recusou a participar e convocou novos protestos. Para o professor do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Pedro Fassoni, as informações no atual cenário venezuelano são muito desencontradas, e não se pode atribuir ao governo Maduro a responsabilidade sobre a violência.

“A primeira vítima dessa guerra é a verdade”, diz. “Até mesmo um candidato à Assembleia Constituinte foi assassinado. É óbvio que o governo não teria nenhum interesse em assassinar, aliás, um aliado político. A oposição venezuelana também tem grande responsabilidade na escalada de violência no país.”

Fassoni observa que existem imagens na internet nas quais se veem claramente grupos paramilitares atacando a polícia em comboios de motocicletas, por exemplo. “É difícil apurar exatamente qual a parcela de responsabilidade do governo nessas mortes, e quantas podem ser computadas na conta do governo e da oposição também.”

No entanto, na opinião do professor, é evidente que há enorme resistência de setores internos contra o chavismo, sobretudo da oligarquia tradicional da Venezuela, aliada dos Estados Unidos, que em 2002 já havia apoiado uma tentativa de golpe contra o então presidente Hugo Chávez, que só não caiu porque tinha grande apoio popular e de setores importantes das forças armadas.

Por outro lado, mesmo os defensores de Maduro têm de admitir que, com a crise econômica e política, o governo vem perdendo apoio popular. “Há dissidentes do chavismo, que se opõem ao governo do Maduro, e a situação é agravada pela crise econômica, inflação, desemprego, desabastecimento. Uma realidade que não se pode negar, o que faz com que o governo perca o apoio.”

Para os críticos de Maduro e até setores da esquerda latino-americana e brasileira, ele perdeu a legitimidade e a convocação da Assembleia Constituinte é contaminada e portanto ilegítima. Pedro Fassoni discorda. “A convocação de nova eleição é totalmente legítima. Não se falou em denúncia de fraude nessa eleição. Aconteceu de maneira transparente, embora com boicote da oposição.”

O que o professor da PUC-SP questiona não é a legitimidade, mas a conveniência da eleição. Até porque, segundo ele, o fato de Maduro não ter carisma e nem a popularidade de Hugo Chávez ajudou a agravar a crise. “Maduro está se mostrando inábil na condução do processo de crise.”

“Não se pode acusar de ditador aquele que promove realização frequente de eleições ou consultas populares”, diz. O problema é que no momento a iniciativa pode não ter sido oportuna. “A correlação de forças hoje não é favorável. Se fosse em outro contexto, com Cristina Kirchner, Lula e Mujica, as pressões não seriam tão fortes.”

Ao convocar a eleição, Maduro pode ter radicalizado o processo, apostando todas as suas fichas. “A partir desse momento, só com o tempo vamos saber se a aposta foi acertada ou se isso pode precipitar sua queda.”

Se Maduro cair, o que pode acontecer? “Considerando os grupos que estão por trás das manifestações contra Maduro, é muito provável que aconteçam retrocessos, como se anunciava em 2002, já que por trás dos protestos estão os mesmos setores da oligarquia tradicional que usava os recursos do petróleo para enriquecer um pequeno grupo de pessoas em detrimento da maioria da população.”

Jean Wyllys

O deputado federal Jean Wylllys (Psol-RJ) está entre os representantes da esquerda brasileira que se opõem a Maduro. Em postagem publicada ontem em seu Facebook, intitulada “A esquerda não pode apoiar Maduro”, o parlamentar tece duras críticas ao presidente venezuelano. Segundo ele, “a ditadura de Nicolás Maduro, cada dia mais descontrolada e sem limites, reprime as manifestações com uma violência inusitada, cerceia as liberdades públicas e avança sobre os outros poderes”.

Para Wyllys, a eleição de domingo foi considerada ilegal pelo parlamento (de oposição). Ele diz ainda que “por volta de 90% da população decidiu não votar”.

Na opinião de Pedro Fassoni, Wyllys expressa uma visão de “setores minoritários” da esquerda, inclusive dentro do Psol. “A executiva nacional do Psol não fez declaração nenhuma nesse tom. Na mesma postagem, Jean Wyllys deixa claro que é uma posição pessoal e não fala em nome do partido”, diz Fassoni.

“Jean Wyllys tem sido criticado pela esquerda principalmente com relação à sua posição nas relações internacionais. Ele se manifestou a favor do Estado terrorista de Israel e não fez nenhuma menção ao genocídio praticado contra a população palestina. Ao mesmo temo, ignora os crimes praticados pela oposição venezuelana.”

Para o professor da PUC-SP, ao afirmar que mais de 90% da população não participou da eleição de domingo, quando o índice divulgado foi de 41%, Wyllys “acaba fazendo coro com a mídia conservadora no Brasil, utilizando os mesmos argumentos e as mesmas estatísticas no mínimo duvidosas”.

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