Argentina paga nesta sexta última parcela bilionária do ‘corralito’

No entanto, o país ainda precisa sanar uma dívida de US$ 240 milhões remanescente, que vence no ano que vem

Cristina Kirchner, assim como Nestor Kirchner, herdou a dívida, considerada uma das maiores catástrofes financeiras do país (Foto: ABr/Arquivo)

Buenos Aires – “Sem dívida, somos livres”, garante uma mensagem ao lado de um cronômetro digital em contagem regressiva, no site e nas dependências do Ministério de Economia da Argentina. O objeto calcula os segundos, minutos, horas e dias que faltam para o pagamento da última parcela bilionária da dívida deixada pelo congelamento das contas bancárias, em dezembro de 2001, e a desvalorização dos ativos em dólares, após anos de paridade artificial com a moeda local.

Lembrado como uma das maiores catástrofes financeiras do país, o “corralito financeiro” acabou gerando um endividamento estatal, herdado pelos governos de Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner. Após mais de 10 anos, com um desembolso de US$ 2,3 bilhões, o governo argentino terminará de pagar amanhã (3) os bônus em dólares do Estado oferecidos em 2002 a afetados pela crise. O título público é conhecido como Boden 2012.

O ministro de Economia argentino, Hernán Lorenzino, é um dos que festejam a proximidade do término da dívida. Há dias, vem registrando, em seu perfil do twitter, a contagem regressiva diária para o “desendividamento”, fomentando a hashtag “#independenciaeconomica”. A presidente Cristina Kirchner, por sua vez, anunciará o pagamento bilionário em um ato de comemoração dos 158 anos da bolsa de comércio portenha.

Perto do fim

Uma relevante porcentagem deste pagamento, no entanto, não irá aos afetados originais pelo congelamento e desvalorização dos depósitos, mas sim a agentes que compraram bônus da dívida no mercado. Os bônus circularam, ao longo dos anos, como forma de financiamento, e muitas vezes voltaram aos próprios bancos. “Poucos ainda estão em mãos dos credores originais. De fato, estimativas indicam que cerca de 70% desta dívida está no exterior”, explicou ao Opera Mundi Marina Dal Poggetto, economista da consultoria financeira Estudio Bein & Asociados.

A liquidação da dívida com reservas do Banco Central argentino, no entanto, ainda deixa uma quantia de cerca de US$ 240 milhões remanescente. “Ainda falta o Boden 2013, que vence no ano que vem. É de uma compensação um pouco posterior, que também tinha a ver com o ‘corralito’, mas é muito menor. Agora falta pouco”, disse Dal Poggetto, destacando o processo de desendividamento argentino no mercado.

A compensação do rombo dos bancos depois do “corralito” e da assimetria no valor dos depósitos, após anos de paridade artificial entre o dólar e o peso, foi iniciada em 2002, com emissão de bônus. Nos anos de 2005 e 2010, o governo reestruturou a dívida, e conseguiu uma diminuição nominal de 47%, passando de US$ 102,6 bilhões, entre capital e juros não pagos, para US$ 54,3 bilhões, segundo um informe da consultora Econométrica S.A..

Papel dos bancos

Juan Guaresti, ex-diretor do Banco Central argentino, define o pagamento estatal do rombo deixado pelos bancos e a reestruturação da dívida deixada pelo “corralito” como uma “estafa aos argentinos”. “Transferiram a dívida para as pessoas, quando os bancos não cumpriram seus contratos de depósito em moeda estrangeira. O erro dos banqueiros foi garrafal, emprestavam em dólares a pessoas que tinham ingressos em pesos. Uma regra elementar em um banco é que as operações têm de estar calcadas”, afirma.

Para ele, as piores catástrofes financeiras da história se devem à má administração dos bancos, mas que tanto o FMI (Fundo Monetário Internacional) – “que sabia o que estava acontecendo e ignorou” – como o Estado argentino têm responsabilidades na compensação assimétrica dos depositantes bancários afetados. “No Uruguai, em vez de defraudar os depositantes, obrigaram os bancos a pagar esta dívida”, exemplifica.

Em dezembro, o Estado argentino ainda pagará mais de US$ 3 bilhões de bônus da dívida, nascidos na reestruturação de 2005. O compromisso anual, variante de acordo com o Produto Interno Bruto (PIB) do país, é uma das razões pelas quais se acredita que o governo não aliviará tão cedo os controles à compra de dólares para evitar a decomposição das reservas do Banco Central e, como conseqüência, do fundo de destinado ao pagamento de dívidas públicas criado em 2010.

Entre as dívidas originadas na época, também está a moratória com o Clube de Paris, de cerca de US$ 6,7 bilhões. Apesar da exigência dos credores de que o pagamento seja realizado em no máximo um ou dois anos, o governo argentino tenta uma negociação para que este prazo se estenda a pelo menos cinco. No início deste ano, segundo a imprensa argentina, Cristina Kirchner pediu ao ministro de Economia que a renegociação se defina antes do final deste ano.

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