Segundo turno do Chile será definido por migração de votos de Ominami

Preocupado com imagem, deputado independente evita manifestar apoio enquanto pesquisas indicam que um em cada três de seus eleitores não sabe em quem votar no dia 17 de janeiro

O candidato conservador Sebastián Piñera rechaçou na última semana discutir temas relativos à ditadura alegando que Frei quer ficar remoendo coisas do passado (Foto: Ivan Alvarado. Reuters)

“Eles são o passado, eu sou o futuro”. Foi desta maneira que Marco Enríquez-Ominami, terceiro colocado nas eleições chilenas, despediu-se da campanha. Não é uma manifestação à toa: além de deixar claro que não vai apoiar ninguém, o deputado, ex-Partido Socialista, olha realmente para 2014.

Com apenas 36 anos, Ominami não quer, obviamente, que nas próximas eleições possam apontar-lhe o dedo e dizerem que no passado esteve ao lado deste ou daquele candidato. Se apoia o bilionário Sebastián Piñera, ganha a pecha de ser amigo de um político conservador e perde seus eleitores, majoritariamente liberais. Se dá respaldo ao ex-presidente Eduardo Frei, corre o risco de apoiar alguém que sairá derrotado e que, em sua passagem por La Moneda, saiu com péssima avaliação – Frei tem a imagem de alguém com políticas do passado, que já não cabem no Chile atual.

O jornalista Bruno Sommer, em artigo para o El Ciudadano, indica o caminho a ser seguido por Ominami, que ficará sem cargo público nos próximos quatro anos. “Dedicar-se por inteiro à reconstrução da esquerda desde abaixo, ser o condutor revolucionário para a redação de uma nova Constituição por meio de processo amplo, popular e participativo de Assembleia Constituinte, é o desafio que deve assumir com valentia”.

Bom, mas o futuro de Ominami, embora possa coincidir com o futuro do Chile, é um capítulo para adiante. Importante é lembrar que as projeções indicam um segundo turno apertado, com 43% para Piñera e 37% para Frei. Os outros 20% podem ser nulos, brancos ou até mesmo abstenções, gente que vai faltar no dia da votação.

Entre esses 20% há muito eleitor de Ominami, e a campanha do segundo turno certamente focará na sedução desses chilenos. A pesquisa do Centro de Estudos Públicos, considerada a mais completa e confiável, mostrava na projeção entre outubro e novembro que um em cada três eleitores do deputado estava indeciso sobre o apoio no segundo turno ou anularia o voto.

Entre os outros 66%, a distribuição de fato favorece o governista Eduardo Frei, mas nada a ponto de, sozinho, mudar o andar da carruagem. O integrante da coalizão oficialista, Concertação, tem péssima avaliação por seu mandato na década de 1990 e a maior rejeição entre os candidatos: 54% afirmam que jamais votariam em Frei, contra 47% que não pretendem votar em Piñera.

Somadas, as rejeições dos dois indicam o que já foi explicitado acima, ou seja, um alto número de brancos e nulos, o que de certa forma favorece quem está na frente. Caso confirme o favoritismo, Piñera será o primeiro a vencer a Concertação nos vinte anos de retomada da democracia. A vitória no primeiro turno já foi um feito inédito, fortemente comemorado pelos partidários do candidato conservador. “Ninguém é dono dos cidadãos, nem dos votos e, portanto… os que querem a mudança sabem muito bem que em nosso projeto e nossa campanha está a verdadeira mudança”, disse Piñera a um canal de TV, num claro aceno aos apoiadores de Ominami.

Aceno que também foi feito por Eduardo Frei, certamente de maneira mais explícita. “A maioria nos disse que se identifica com as ideias progressistas e democráticas, e escolheu esta opção para representar todas essas ideias em janeiro (…) Arrate e Enríquez-Ominami expressaram valores que compartilhamos e temos de somar”, disse.

Jorge Arrate, ex-ministro de Salvador Allende, obteve 7% dos votos e deve ratificar o apoio que vinha sendo desenhado na última semana do primeiro turno. O comunista vai pedir que Frei atenda a algumas condições em seu programa de governo, como rever a Lei de Anistia referente à ditadura de Augusto Pinochet, mas terminará por aderir.

Frei, por sinal, fez nos últimos dias diversas tentativas de aproximação dos eleitores de esquerda, o que foi ironizado por Piñera e Ominami. O anúncio da investigação judicial que mostrou que o pai dele, o também presidente Eduardo Frei Montalva, foi envenenado pelo regime militar, jogou na campanha o tema que Frei esperava para aproximar-se de um lado do espectro político no qual ele não anda com desenvoltura. Durante dias, ele falou em julgamento de torturadores, anulação da Lei de Anistia e outros temas queridos aos atingidos pela repressão.

“O dilema de Frei é bem complexo. Se Frei comer à esquerda, pode perder votos centristas que poderiam ser mais próximos de Piñera”, afirma Carlos Huneeus, diretor do instituto Cerc, à agência Reuters.

Outro dilema do oficialista é conseguir a união da Concertação que, depois de vinte anos de casamento, rachou, com a saída de alguns líderes e o desgaste entre alguns dos partidos integrantes da sigla. A presidente Michelle Bachelet, com extraordinário apoio de 78%, pouco se envolveu com a campanha no primeiro turno. Bem avaliada por conta da gestão da crise, Bachelet manifestou em alguns poucos momentos seu apoio a Frei, embora o fato de fazê-lo com mais frequência nos últimos dias indique que, frente às dificuldades, pode colocar seu peso decisivo na votação.

No domingo, a presidente evitou fazer previsões e saiu-se com evasivas. “A eleição presidencial ainda não está definida. Os cidadãos deverão ir novamente às urnas em 17 de janeiro, e nesse momento será de fato uma nova eleição”, afirmou.

Qualquer que seja o presidente, algumas das linhas formuladas no atual governo dificilmente serão tocadas. A gestão comandada pelo Partido Socialista garantiu algumas políticas sociais que contribuem para a popularidade de Bachelet, e as linhas econômicas terão de ser mudadas com cautela devido à superação da crise.

Outro fator é que a apuração dos votos até aqui mostra uma divisão meio a meio no Congresso: 44% para a atual base governista e 43,4% para a Coalizão para a Mudança, de Piñera. Outros 12% ficam divididos entre siglas menores e políticos independentes. Os projetos de relevo enviados ao Parlamento, portanto, terão de ser fortemente negociados.

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