Das operações urbanas a uma luta de boxe pública

Morador da Luz desafia Kassab para luta no Morumbi. Descrença e medo convivem com raiva e ódio em locais onde a prefeitura paulistana promove operações urbanas

Demolições de estabelecimentos comerciais e prédios residenciais são pesadelo de quem mora ou trabalha na Luz (Foto: Maurício Morais/Rede Brasil Atual)

“Não falo com vocês, não são bem-vindos”, avisou um morador da Luz à reportagem da Rede Brasil Atual. “A gente mostra tudo e vocês (jornalistas), parece que não entendem, que querem levar nossa vida e nossa história.” A recepção hostil mostra, em parte, os nervos à flor da pele dos moradores da região da Luz, quando o assunto é o projeto da prefeitura que promete requalificar o bairro, com demolição de prédios e até quadras inteiras.

Descontente com o projeto da Nova Luz, o morador prosseguiu dizendo que se encontrasse o prefeito Gilberto Kassab iria desafiá-lo para uma luta no Morumbi. “Só eu e ele”, diz. “Vai encher o lugar. Tem muita gente infeliz com as obras que excluem moradores da cidade.” Ele não esclareceu a modalidade em que se daria o combate.

Não é só na Luz, região histórica de São Paulo, que o prefeito é desafiado a aparecer pessoalmente para explicar projetos malvistos pela população. Nesse aspecto, lojistas e moradores da Nova Luz têm muito em comum em pelo menos duas outras áreas. Além da Nova Luz, os habitantes do Jabaquara, na zona sul, têm a pespectiva da Operação Urbana Água Espraiada. No Jardim Pantanal, no extremo da região leste, o Parque Várzeas do Tietê é a principal intervenção.

Corre, nessas regiões, um mesmo sentimento de descrença e medo – quando não de raiva e ódio – a respeito do que a prefeitura chama de operações urbanas. As intervenções urbanísticas são planejadas para requalificar áreas consideradas estratégicas, mas a falta de diálogo e de transparência sobre os projetos é um dos pontos em comum entre os habitantes de pelos menos essas três áreas. Tampouco há atenção ao que pensam os moradores, que sofrem nessas áreas áreas.

Base nos fatos

Não é raro sobrar para profissionais da imprensa parte da bronca com o Executivo. Os moradores da Luz, por exemplo, reclamam que veículos de comunicação acabam apoiando as pretensões da prefeitura quando tratam todo o bairro por “cracolândia”. As pessoas viciadas em crack concentram-se em apenas parte das ruas do local. Há ainda a desconfiança corrente – que beira uma teoria da conspiração – de que a tal “cracolândia” teria sido “instalada” justamente para degradar e depreciar o preço dos imóveis na região.

No que diz respeito à cobertura da mídia, não se pode dizer que a versão dos moradores seja fantasiosa. A suspensão das ações do projeto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no dia 25, foi noticiada em veículos de comunicação como projeto na “cracolândia”. Até porque, quem seria contra um “projeto de reurbanização da área conhecida como cracolândia, no centro da capital paulista”? O trecho mencionado consta de várias reportagens publicadas a respeito.

Debaixo d’água

Os moradores do Jardim Pantanal ficaram meses com os móveis levantados, posicionados sobre cômodas, cadeiras ou no que estivesse disponível. Isso para quem conseguiu salvá-los, no verão de 2009 e 2010, devido às enchentes que tomaram conta do bairro por cerca de três meses. Quando as águas baixaram, começaram as remoções de famílias pela prefeitura de São Paulo para a construção do Parque Várzeas do Tietê, de responsabilidade do governo estadual.

No local, os moradores revoltam-se e resistem à retirada de famílias. Segundo a maioria deles, a ação é realizada de forma arbitrária, com pressão de funcionários da prefeitura para a aceitação de uma bolsa-aluguel de R$ 300. O valor é insuficiente para alugar imóveis, segundo os moradores. O destino das famílias que aceitam o benefício são outras áreas de risco, sem infraestrutura – e, talvez, a espera de uma nova ação de remoção. Tudo para o o problema recomeçar em outro lugar.

Também há relatos de cheques de R$ 5 mil,  conhecidos como “cheques-despejo”, que serviriam de indenização para as pessoas abrirem mão de casas – em muitos casos sem titulação de propriedade. Ainda há a possibilidade de o morador entrar em uma lista de espera para a compra de apartamentos construídos futuramente, de prazo nem sempre claramente definido.

Além do prazo obscuro para as construções, moradores se perguntam: “Por que entrar na fila para algo que vou pagar e eu já tenho, mas querem que eu deixe?” A questão ecoa na mente daqueles que têm casas bem instaladas, mas suas regiões serão contempladas com operações urbanas, parques ou outras obras da prefeitura.

Na região do Jabaquara, zona sul de São Paulo, é a construção de um túnel que tira o sono de moradores de sete bairros. Eles discordam do traçado do túnel que faz parte da operação urbana Água Espraiada. O projeto inicial incluía um túnel de 400 metros, mas o traçado foi alterado e deve ter 2,850 metros.

A nova proposta, além de mais cara, vai exigir a retirada de mais de mil famílias, podendo chegar até duas mil, segundo moradores. Além das duas mil famílias – não pessoas – acrescente-se mais 12 mil famílias de comunidades carentes que vivem ao longo da avenida Roberto Marinho, antiga Água Espraiada, que deve ser estendida até a rodovia dos Imigrantes. 

Paulistanos contra obras?

Nesse caso, mais uma vez, a história contada pelos moradores repete-se: falta de informações sobre as obras, medo de perder as residências, pressão para deixar o local e descontentamento da comunidade com as obras da prefeitura. Um morador apresentou uma tese interessante quanto a importância das remoções de forma rápida pela prefeitura: depois de removidas as famílias da área, cada uma vai para um lado, com cheque ou bolsa-aluguel. E perde-se a força do conjunto, que permitiria reivindicar negociação com o poder público ou simplesmente pautar a mídia.

Em entrevista com o presidente dos Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia, Joseph Hanna Fares Riachi, sobre os pontos que preocupam os comerciantes da região sobre o projeto da Nova Luz, ele fez um alerta, em forma de questionamento. “Desde quando São Paulo rejeita obras e por que em todos os lugares estão sendo rejeitadas?”

A cidade já teve figuras “tocadoras de obras” como seus grandes representantes. Seja Adhemar de Barros (prefeito de 1957-1961), José Vicente Faria Lima (1965-1968) ou, mais recentemente, Paulo Maluf (que administrou a cidade de de 1969 a 1971 e de 1993 a 1997), o perfil do administrador típico era o de quem aposta na engenharia civil como motor. Mesmo que as intervenções que caracterizaram a pouco ordenada expansão paulistana tenham sofrido contestações pontuais, a pergunta de Riachi fica no ar.

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