Wikileaks: um Nobel para Julian Assange

Houvesse um Prêmio Nobel de Jornalismo, ele deveria ir para Julian Assange, o australiano responsável pelo site Wikileaks. Assange, hoje, e o site, estão na lista dos mais procurados e […]

Houvesse um Prêmio Nobel de Jornalismo, ele deveria ir para Julian Assange, o australiano responsável pelo site Wikileaks.

Assange, hoje, e o site, estão na lista dos mais procurados e visados no faroeste da política norte-americana.

A Interpol decretou um mandado de detenção contra Assange, que se encontra em estado de clandestinidade na Inglaterra. O provedor norte-americano que abrigava o site cassou seu abrigo, forçando-o a emigrar para a Suíça ( <http://wikileaks.ch> ou <http://213.251.145.96>)  e a Alemanha (http://wikileaks.dd19.de), além de continuar na Suécia. Querem congelar as contas do site, impedindo-o de receber doações. É cada vez mais uma luta de Davi contra Golias, só que o Golias – o establishment norte-americano – se sente cada vez mais como um pequeno anão diante de um formidável gigante que, mês sim mês não, derruba sua credibilidade. E agora ameaça “um grande banco norte-americano”.

A Suécia expediu mandado de prisão contra Assange, acusado de violência sexual. Ele se defende, dizendo que o sexo em pauta foi consensual e que tudo não passou de uma armação. É fato que antes dos últimos “escândalos Wikileaks” a promotoria sueca não viu razão para mantê-lo preso.

Há parlamentares nos Estados Unidos que desejam colocar Assange e o Wikileaks na lista dos terroristas internacionais. Outros desejam que uma de suas fontes, um jovem soldado que servia no Iraque, em meio àquela guerra impensável, seja condenado à morte.

Mas o fato é que as últimas revelações do site credenciam Assange e o Wikileaks como um dos grandes fenômenos – e positivos – do jornalismo do século XXI. Já estão na história. São essas revelações: 1) o filme sobre como um comando norte-americano ataca um grupo de civis iraquianos, inclusive dois jornalistas da Reuters, matando vários deles debaixo de risadas, e depois ataca uma van de civis que vem em seu socorro, matando várias crianças; 2) as revelações sobre o Afeganistão; 3) sobre o Iraque; 4) e agora, sobre a diplomacia norte-americana e seus comentários, bem, digamos, pouco ortodoxos, além de sua rede mundial de infiltração.

Não é à toa que o ressentimento contra Assange e o Wikileaks subiu a níveis delirantes depois das últimas revelações de documentos. Os três primeiros casos aqui listados, embora horríveis, todos, revelam o desprezo de certos aspectos da política norte-americana para com seus inimigos, ou os povos de onde provém, como no caso do primeiro vazamento acima listado. Isso é algo “normal”: no mundo dominado por um único “hegemon”, a guerra é “normal”, a paz é “anormal”, e quando não há inimigos é necessário e conveniente fabricá-los, como aconteceu com o Iraque de Saddam Hussein, com os talebãs e a Al-Qaeda, todos inicialmente ajudados pela CIA.

Mas o último vazamento mostrou a arrogância e o desprezo embutidos na diplomacia norte-americana em relação… a seus aliados. Isso é insuportável, comprometedor, inadequado, “anormal”. Além disso, os documentos revelados – que, na maioria, não contém novidades importantes – expuseram a falta de profissionalismo da diplomacia norte-americana, vazada numa linguagem inaceitável e inacreditável, a não ser por duas razões: 1) o sentimento de impunidade que o hábito do longo segredo traz; 2) o desabafo de diplomatas obrigados a conviver socialmente com tipos que não suportam, por n razões. Acredito até que essa linguagem deva ter sido potenciada pela solidão, diante da tela do computador, em que são redigidas e criptografadas, quando o cidadão se vê inteiramente a sós com suas projeções, fantasmas e frustrações, além de ter a necessidade de expor o grau de penetração e intimidade com os “alvos” a que chegou. Outra causa colateral dessas atitudes é o sentimento, que se lê nas mensagens, de serem eles (os norte-americanos), na visão desses seus representantes, um “povo melhor do que os outros”, e que, portanto, tudo podem fazer e desfazer.

Só a conjugação desses motivos pode explicar coisas como chamar a chanceler Ângela Merkel de “Teflon”, ou de dizer que Putin está para Batman como Medvedev está para Robin.

Em meio ao caos, uma revelação, afinal, verdadeiramente cômica e de humor, de fato, irônico. Em 2006, durante a Copa do Mundo na Alemanha, pela primeira vez em 170 anos um urso selvagem adentrou o território alemão e nele vagou. A “invasão” se deu dos Alpes italianos para os da Baviera. Inicialmente houve um movimento pró-urso; mas este começou a atacar animais de estimação, a rondar aldeias e assim passou a ser visto como perigoso. O primeiro ministro bávaro chegou a dizer que ursos “normais” (sic) seriam bem vindos na Baviera, mas que aquele urso, apelidado de “Bruno”, era “problemático”. No fim de contas, sua morte foi autorizada, e ele acabou sendo abatido a tiros. Hoje pode ser visto, empalhado, no Museu do Homem e da Natureza em Munique, enquanto fãs inconformados improvisaram um memorial no lugar onde ele foi morto. 

Pois bem, a diplomacia norte-americana se ocupou do assunto, sim senhora e senhor, e os despachos a respeito afirmavam que Bruno fora morto por “não querer se adaptar às tradições e aos costumes da Alemanha”.

Afinal uma nota de bom humor num assunto tão carregado de amargor, desprezo, despeito, quanto de ridículo.