Otan x Rússia: Eu não disse?

Assange, do Wikileaks, foi preso e operadoras de cartão de crédito cancelaram doações ao site, supostamente por pressão os EUA (Foto: Valentin Flauraud/arquivo Reuters) Prezada leitora, prezado leitor: Desculpem o […]

Assange, do Wikileaks, foi preso e operadoras de cartão de crédito cancelaram doações ao site, supostamente por pressão os EUA (Foto: Valentin Flauraud/arquivo Reuters)

Prezada leitora, prezado leitor:

Desculpem o título intempestivo acima. Mas é só reler o que neste blog estava escrito em “Spy vs. Spy: mais atual do que nunca” e em “Na ponta dos mísseis”, tempos atrás.

Lá se descreve como a Guerra Fria não tinha acabado, pois a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) continuava a querer cercar sua velho inimiga, a Rússia, antigamente União Soviética. O raciocínio tinha algo de simples, mas não simplório: uma organização que levou 50 anos tratando de derrotar um inimigo que foi abalado, mas não destruído, não se desarma assim no mais de seus objetivos.

Pois agora os últimos documentos revelados pelo Wikileaks e tratados na terça-feira pela mídia internacional confirmam: a Otan, reunida em Lisboa, através de seus comandos “secundários”, decidiu prosseguir na tarefa de “proteger a Polônia” e resguardar o Bósforo, mais países do antigo Leste europeu. Leia-se: continuar o cerco do arqui-inimigo, a Rússia. Ainda mais depois que está comprovado que esta vem ganhando de volta sua influência sobre regiões estratégicas, como a Geórgia e a Ucrânia.

Lê-se também que a notícia causou certo espanto em Moscou. Não tenho elementos para dizer se isso é verdade ou retórica para a publicidade. Ou então uma manifestação de apoio ao presidente Obama (que está precisando de apoios) e sua política de distensão com a Rússia. É possível que seja tudo isso, mais uma lapada de quebra na diplomacia norte-americana que tachou o governo russo de “máfia” nos relatórios revelados pelo Wikileaks.

O fato é que ao mesmo tempo em que vai ficando claro mais e mais o alcance do poderio norte-americano, mais e mais vão sendo reduzidas a credibilidade da sua diplomacia e a sua profissionalidade, a menos que por isso se entenda a capacidade de desprezar e desprestigiar aliados. Também fica claro que a política externa dos EUA é cada vez mais recheada de tensões internas, e que o poderoso hegemon de hoje é uma frente de arestas por dentro.

Enquanto isso continua a caçada ao Wikileaks e seu porta-voz ou líder, Julian Assange. Ele já está detido, mas aos olhos dos furiosos caçadores, entre os quais se destaca o senador Joseph Lieberman, uma espécie de novo McCarthy que se autoproclama “independente”, é necessário tornar o caso “exemplar”. Não bastará calar o site ou encarcerar Assange: vai ser necessário, a esse olhar, destrui-los. Conseguirão? É difícil dizer. Sim, as contas estão bloqueadas, o site está sob permanente ataque de hackers, seus amigos vão entrar nas “listas negras”, etc.

Em tudo isso o que também chama a atenção é ver como se espraia a subserviência ao poder norte-americano. A Amazon se comporta como uma agência do governo norte-americano (ou melhor do senador Lieberman), Visa e Mastercard cortam a possibilidade de fazer doações ao Wikileaks através de seus cartões, enquanto (denúncia do The Guardian) a possibilidade de que se as façam a grupos racistas protegidos pela Ku-Klux-Kan, o judiciário e a polícia sueca se aprestam a mandar capturar quem antes tinham julgado capaz de ficar em liberdade etc.

Pelo menos as cores estão ficando distintas. Você sabe onde está pisando. Ou quem está pisando em você e na sua liberdade de expressão – quem sabe até de pensamento.