Gol de placa 2: Hillary cuspindo fogo

Hillary Clinton tem de lidar com as pressões dos falcões – ultraconservadores norte-americanos (Foto: Departamento de Estado EUA/Divulgação)   Depois do baile que levou no fim de semana da dupla […]

Hillary Clinton tem de lidar com as pressões dos falcões – ultraconservadores norte-americanos (Foto: Departamento de Estado EUA/Divulgação)

 

Depois do baile que levou no fim de semana da dupla Luiz Inácio-Celso Amorim, a Secretária de Estado Hillary Clinton está cuspindo fogo pelos olhos, nariz, ouvidos e garganta.

Brandindo a palmatória contra os invasores de seu jardim – Brasil e Turquia – aproveitou para realinhar em torno de si as crianças do seu jardim de infância, algumas das quais  ameaçavam juntar-se aos “neófitos” invasores.

Atropelando a diplomacia, requentou a série de sanções econômicas contra o Irã, e apresentou-as em nome do seu Clube dos 5 + 1 (EUA, Reino Unido, França, Rússia e China, mais a Alemanha) ao Conselho de Segurança da ONU, que agora deverá debater a questão.

Mas seu movimento denota algumas frinchas. Primeiro (ver artigo do Wall Street Journal, por Peter Spiegel, Jay Solomon e Joe Lauria), teve de abrandar a versão mais dura, que previa sanções no setor energético, justamente as que a China e Rússia mais recalcitravam em propor. Restringiu-se a questões de armamento, transporte (sob alegação do risco de transporte de armas) e financeiras, envolvendo instituições que estivessem sob suspeita de envolvimento com importação de armas.

Segundo, deixou claro que seu movimento tem também um componente interno, em momento em que os EUA vão rumo a eleições para o Senado em novembro, quando a maioria democrata estará sob risco. Nesses termos, o esforço de Hillary pode ser também o de manter em seu jardim os falcões norte-americanos, que, diante do acordo com a Turquia e Brasil, praticamente já pediam uma intervenção militar de Israel contra o Irã (ver editorial do mesmo WSJ em 17/05/2010).

Por trás dessa pressa em desacreditar a via diplomática negociada e sustentar a via das sanções, está também o esforço de demonstrar a hegemonia norte-americana sobre a região do Oriente Médio. Além disso, há o esforço continuado de impedir o crescimento regional do Irã – não apenas na sua alegada vontade de criar armas nucleares – mas no âmbito energético e econômico.

Se olharmos para o mapa da região, o Irã não sai tão mal na foto. Em primeiro lugar, alegar falta de democracia (e não tenho a menor simpatia pela “república islâmica”, nem por qualquer outra que se baseie em discriminações étnicas, religiosas, culturais, etc.) para colocar o Irã no pelourinho é de uma hipocrisia sem limites. Onde está a democracia na Arábia Saudita, no Egito, no Kuwait, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, que, no entanto, são muito bem recebidos no regaço do governo norte-americano?

Em segundo lugar, o Irã, controlado pelo Conselho dos Aiatolás (cujo crescimento político, aliás, teve uma ajuda do Ocidente lá atrás, quando eram vistos como uma alternativa à esquerda e à “ameaça soviética”), é um perigo regional em termos econômicos. Algumas comparações com países da região mostram o potencial iraniano de “desestabilizar” a “pax romana” dos Estados Unidos, que mantém mais ou menos sob controle quase todos o Oriente Médio. As cifras monetárias absolutas estão em US$.

População: Irã 66,4 milhões; Arábia Saudita, 26,6 mi, Egito, 78,8 mi.

PIB: Irã, 335,7 bilhões, Egito, 190,2 bi, Arábia Saudita 384 bi. Mas se pularmos para o critério PIB/purchasing power parity, que situa as cifras num grau comparativo em escala mundial, como se todos os países fossem nivelados numa única cotação de valores, esses valores iriam para: Irã: 876 bi; Egito: 471,2 bi; Arábia Saudita: 585,3 bi. Para termos uma idéia, o PIB brasileiro no critério absoluto (também chamado de official exchange rate, é da ordem de 1,499 trilhões de dólares; no comparativo (ppp), 2,02 tri.

Razão Dívida Pública/PIB: Irã, 19,4%; Egito, 79,8%; AS, 20,3%.

População abaixo do nível de pobreza: Irã, 18 %, Egito 20 %, AS, s/d.

Taxa de alfabetização: Irã, 77% (Homens: 83,5%, Mulheres, 70,4%); Egito, 71,4% (H: 83%; M, 59,4%), AS, 78,8 % (H, 84,7%; M, 70,8%)

Razão investimento em educação/PIB: Irã, 5,1%; Egito, 4,2%; Arábia Saudita, 6,8%.

Para não ser acusado de “parcialidade”, usei dados do “World Factbook”, da CIA norte-americana; um dado me pareceu defasado, o da população iraniana, que, em outras fontes, aparece como de 70 milhões ou até de 75. Mas para ser coerente, mantive na tabela comparativa o número da CIA. Pode-se comparar esses números e cifras com os do FMI e do Banco Mundial, por exemplo: as variações serão pequenas, e a escala comparativa entre os países continua muito semelhante.

De um modo geral, a economia egípcia é descrita como um pouco mais diversificada do que a iraniana, e esta, bem mais do que a saudita. Composição do PIB:

Egito: agricultura, 13,1%; indústria, 37,7%; serviços, 49,2%.

Irã: agr., 10,9%; ind., 45,2%; serv. 43,9%.

AS: agr. 3,3%; ind., 60,8%; serv., 36,4%.

Embora dependa das exportações  de petróleo e derivados, a produção industrial do Irã é descrita como em processo de diversificação, e também se aponta no país uma classe média emergente – o que representa um problema político para a república islâmica dos aiatolás.

Ou seja, um Irã desalinhado, que pode se tornar uma superpotência energética e uma potência econômica de médio alcance, é um perigo para a “pax romana” liderada pelos EUA, ainda mais que o país detém a segunda reserva de petróleo do mundo.

O petróleo é também um motivo histórico de conflito entre o país e o ocidente. Em 1951 o governo nacionalista de Mohammed Mossadegh promoveu a nacionalização da indústria do setor, o que enfureceu particularmente os britânicos. Estes tentaram arrastar a ONU numa tentativa de derrubada do governo. Não conseguindo, voltaram-se para os EUA, que consentiram e promoveram, com a “Operação Ájax”, a deposição de Mossadegh. Essa foi também a primeira vez em que os EUA admitiram abertamente a participação num golpe de estado em outro país, embora já tivessem contribuído para a derrubada de governos, sobretudo na América Latina e Caribe.

Toda essa folha corrida mostra que a fúria de Hillary tem razão de sobra para existir. E que a questão vai longe.

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