Europa: duas nuvens vulcânicas no ar…

Bento XVI, de fala mansa e por vezes cruel, mostra-se um reverendo omisso (Foto: Janusz Stachoń/Wikipedia) Duas nuvens vulcânicas pairam sobre a Europa neste fim de semana que se abre […]

Bento XVI, de fala mansa e por vezes cruel, mostra-se um reverendo omisso (Foto: Janusz Stachoń/Wikipedia)

Duas nuvens vulcânicas pairam sobre a Europa neste fim de semana que se abre na sexta-feira 16 de abril.

A primeira é a nuvem vulcânica stricto sensu e que paralisou todo o tráfego aéreo norte-europeu, de Londres a Berlim, com reflexos no mundo inteiro. Provinda da erupção do vulcão islândês Eyjafjallajoekull (quero ver um de nós dizer isso assim como dizemos “inconstitucionalissimamente”), ela provocou um impacto ainda difícil de avaliar. Dez mil vôos foram, são ou serão ainda afetados pela volta à atividade desse vulcão, depois de quase 190 anos de hibernação.

Um geólogo em entrevista na CNN explicou que as partículas dessa nuvem são como vidro micro-moído: dentro de uma turbina de avião, elas a espandongam em minutos. E a situação assim vai ficar por muitas e muitas horas. Enquanto escrevo essas mal traçadas e apressadas linhas, às 15 horas de Berlim da sexta-feira, ainda não há previsão sobre o fim do fenômeno, que só chegará a termo com o fim das emissões de lava e fumaça e a dispersão lenta, insegura e gradual do material já lançado na atmosfera.

Parece que 2009/2010 é um biênio caracterizado por uma espécie de “deu a louca no planeta”. São inundações, nevascas, secas, tremores de terra, ressacas, uma coisa atrás da outra, sem parar. Nem bem fomos sacudidos pelo terremoto na China, com centenas de mortos e milhares de desabrigados, depois dos da Turquia, Chile, Haiti e outros, e veio essa tsunami aérea a desorganizar a vida de todo mundo.

Não se sabe bem o significado disso tudo, mas eu arriscaria dizer que o planeta está com alguma espécie de indigestão. E, que isso pode obedecer a amplos e milháricos (em termos de anos) ciclos naturais, nós, os “sapiens pouco sapiens”, não estamos fazendo muito bem a nossa parte para ajudar a Terra e ajudar-nos diante de tudo isso.

Claro que tudo vai levar muito tempo, mas estamos diante de situações cada vez mais limite, que relembram lição do prof. Ignacy Sachs, da Sorbonne, um dos maiores especialistas do mundo em reforma agrária e produção de alimentos. Segundo ele, a escala gigantesca que certos problemas concentrados vêm atingindo (como a situação mundial dos aeroportos), mostra que é necessário pensar, em termos mundiais, não só numa mudança em padrões de produção, como também numa mudança nos padrões de consumo. Isso vai levar duas gerações pelo menos, pois depende de educação e medidas internacionais que os atuais governos, em geral, não estou conseguindo coordenar, sequer implementar. E também porque não adianta pensar que os norte-americanos, os europeus ocidentais e os japoneses vão manter o seu padrão de consumo e que chineses, indianos, latino-americanos venham a mudar os seus “por livre e espontânea vontade”, numa espécie de “sim, eu vou continuar com o meu carrão, já o vizinho que leve os filhos pra escola num carrinho de mão”.

Bom, essa é a primeira nuvem, que paralisou o tráfego aéreo europeu e mundial.

A segunda nuvem, de lato sensu, sentido amplo, no caso, metafórico, é bem mais complicada. Essa nuvem vulcânica vem em atividade há séculos, ora mais, ora menos. Mas recentemente tremeu e mostrou que pode explodir. Chama-se Igreja Católica Apostólica Romana. O caso do celibato católico e das denúncias de pedofilia na Igreja expôs uma fratura que, como a falha de San Andrés na Califórnia, ou o vulcão de nome impronunciável para nós, pode provocar uma tsunami de grandes proporções.

Qual é essa fratura? Será o celibato ou a pedofilia? Penso que não. A pedofilia é um caso simultaneamente criminal e psiquiátrico. Já a obrigatoriedade do celibato sacerdotal no mundo católico vem se comprovando algo cada vez  mais obsoleto, se é que foi adequado um dia. Não é “causa” de pedofilia, mas serve de caldo de cultura, e de uma cultura perversa, porque baseada na hipocrisia, na mentira, e por aí no pior dos pecados dentro do mundo cristão (não esqueci de minhas jesuíticas aulas), que é o da omissão.

E aí se expõe a fratura: ela se chama Bento XVI.

João Paulo II não era do meu agrado. Mas era um quadro político, ninguém pode negar. Um papa à altura do papado, para o mal e até para algum bem, mas sempre por seus méritos. De todos os papas, foi talvez o mais midiático. Anti-comunista ferrenho, fez o que prometia a sua força humana para promover a derrubada dos regimes comunistas no leste europeu, e conseguiu. Autoritário, prejudicou o que pode a teologia da libertação e os movimentos de esquerda na América Latina. Não conseguiu todos os seus objetivos, mas deu um trabalho danado e deixou cicatrizes indeléveis. Uma figura.

Já Bento XVI, de fala mansa e por vezes cruel, desde que assumiu o papado vem se mostrando um reverendo omisso. Não perde oportunidade para dar um fora. E suas emendas são sempre piores do que os sonetos, tardias, desengonçadas, inoportunas. Como aconteceu nesse caso das acusações de pedofilia. Ao invés de assumir uma postura investigativa e condenatória dos malfeitos e dos malfeitores logo de cara, tergiversou, dançou quadrilha, deu pulos para lá e para cá, pensando que assim fugia da brasa e da frigideira. Não conseguiu. E agora o que se vê é a Igreja tendo de usar todo o poderio de sua retórica e de sua presença para defender… um omisso. O que a torna ainda mais conservadora, e exigirá também umas duas gerações de bispos e cardeais para uma correção de rumo, se é que tem remédio. O Cardeal Ratzinger, secundando João Paulo II, também era uma figura. Danosa, mas figura.

Bento XVI: virou uma figurinha. O ex-poderoso inquisidor vem se revelando uma figurinha omissa, opaca, sem brilho. Mas por isso mesmo mais danosa ainda.

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