Equador: tem cheiro de golpe sim

Protesto no Equador foi reação a tentativa de golpe (Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters) Que foi golpe, foi. Só que não deu certo, e teve falhas de origem graves. Tenho milhas […]

Protesto no Equador foi reação a tentativa de golpe (Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters)

Que foi golpe, foi. Só que não deu certo, e teve falhas de origem graves.

Tenho milhas e milhas de reivindicações na sola dos pés de minha passada experiência como sindicalista e juro que nunca vi manifestação salarial seqüestrar presidente, fechar aeroporto, tomar quartéis e sair atirando em passeata popular.

A seleção de fotos mais espantosa da crise no Equador está no The Guardian.

Está certo que o presidente Rafael Correa pode ter exagerado na dose ao ir se reunir com os amotinados no quartel que tinham tomado, embora isso tenha contribuído, no fim, para apressar o desfecho do movimento.

Mas o que se seguiu, com a revolta se alastrando por setores da Força Aérea, outras guarnições em Quito e em outras cidades no país, somado a uma hesitação por parte do General Gutierrez, no Brasil, em se colocar ao lado da democracia, sugere algo mais do que um motim salarial. Também vai nessa esteira a tomada da TV local.

Sugere a existência de um embrião conspirativo, para dizer o mínimo. Até porque o roteiro dos revoltados seguia o da Venezuela, de 2002: seqüestro do presidente, o que abre o caminho para pedir sua renúncia.

É possível que alguém tenha planejado tornar o Equador uma nova Honduras. Dali a falar de “governo de facto” seria um pequeno passo. Mas faltou mais coordenação aos revoltados, e uma liderança de alcance público, além do apoio de outros setores da sociedade, que estão insatisfeitos com o esquerdismo de Correa e seu arco de alianças à esquerda no continente.

Ainda estamos no campo das conjeturas, mas é possível que a motivação salarial tenha ajudado a precipitar os acontecimentos, provocando o fracasso do golpe pela exposição prematura de seu esquema e pela falta de articulação política, inclusive internacional. Porém é bom não esquecer que o golpe contra Allende em 1973 começou exatamente da mesma maneira, com uma rebelião militar aparentemente pequena que propiciou aos golpistas nos bastidores a observação de como o governo reagiria a uma situação dessas.

O melhor de tudo – se for possível falar em “melhor” em tal situação, foi observar, além da decidida atitude de Correa depois do golpe, a também decidida e rápida reação da América Latina (incluindo os presidentes da Colômbia, do Peru e do Chile), e da formação de uma rede internacional de apoio a ele que reunia de Fidel a Obama, de Lula e OEA a Sarkozy e Zapatero, além da União Européia.

Mas para olho experimentado, permanece a observação: a rebelião passou, mas o embrião – o ovo da serpente – está lá.

P.S.: O novo tchans da direita internacional e do anti-islamismo militante, o holandês Geert Wilders está em Berlim, com sua cabeleira álgida e seu ar hollywoodiano de neo-cruzado e defensor da civilização judaico-cristã contra os adeptos de Mafoma (como se dizia nos tempos antigos). Faz um pronunciamento neste sábado em local incerto e não sabido (para saber é necessário inscrever-se, pagar uma taxa pela internet, e só depois da inscrição aceita se recebe a orientação sobre o local) como ajuda a criação na Alemanha de um partido igual ao seu, na Holanda. Segunda-feira isso dará um bom assunto, além de comentários sobre a eleição brasileira.