Para parentes de Heleny, restam fragmentos de uma história interrompida

Lenita, o marido Ulisses e o filho Chico, numa foto de 1968 (Foto: Arquivo Pessoal) Bebedouro – Cândida Cappello Guariba, 19 anos, é uma das netas de Heleny Guariba, filha […]

Lenita, o marido Ulisses e o filho Chico, numa foto de 1968 (Foto: Arquivo Pessoal)

Bebedouro – Cândida Cappello Guariba, 19 anos, é uma das netas de Heleny Guariba, filha de Francisco Mariani Guariba Neto, hoje com 47 anos. Heleny teve mais três netas, duas do filho João Vicente Ferreira Telles. Cândida conta que seu pai mal conheceu a avó, pois ela desapareceu quando ele tinha sete anos. “O que sei dela são histórias fragmentadas, que ouvi de familiares e de amigas dela.” Pelo pai, Cândida soube que ele recebia informações de Heleny por meio de cartas que eram enviadas ao avô, Ulisses Telles Guariba Netto.

As lembranças de Heleny também foram preservadas por Daniela Guariba, atual esposa do seu pai. Foi Daniela quem contou a Cândida sobre o episódio do abrigo a Carlos Lamarca, na casa de Heleny. “Na época – diz ela –, nem o Francisco sabia que Lamarca estava escondido em casa, sabia apenas que havia alguém  hospedado num quartinho minúsculo e escuro nos fundos da casa.” Cândida diz que o pai não faz juízo de valor sobre Heleny. Heroína ou pessoa ausente? Não existe isso, apenas lembranças boas. “Meu pai tem pela minha avó uma grande admiração pela sua história de vida” – ressalta.

 

Uma manta, a recordação

Heleny: Cândida é neta da atriz morta há 40 anosCândida sabe da vida da avó pelas amigas de Heleny – Dulce Maia, Dulce Muniz e Elza Lobo. O primeiro contato ocorreu quando ela, pequena, foi assistir a uma peça no Centro Cultural São Paulo – A Revolta da Chibata, de João Cândido Felisberto. Depois da apresentação, houve homenagem aos desaparecidos políticos e pessoas foram falar no palco. Uma delas foi Dulce Maia. “Foi aí que começei a saber das histórias da vida da minha avó” – conta Cândida. Outra amiga, Elza Lobo, deixou com Cândida uma manta colorida que Heleny usava no frio. “Minha avó pediu a ela para um dia devolver à nossa família; ela sentiu a alma lavada por ter feito isso” – conta Cândida.

O contato acabou íntimo quando Cândida começou a visitar o projeto Sábado Resistente, espaço de discussão sobre as lutas contra a repressão, no Memorial da Resistência, no centro de São Paulo. Tempos depois, Cândida foi assistir à peça Heleny, Heleny – Doce Colibri, escrita por Dulce Muniz – no Studio 184, também no Centro de São Paulo.

 

Dedicação à causa

Heleny: foto de arquivo pessoalPara Cândida, a avó foi uma pessoa importante na história do país. Sua luta pela democracia junto com a presidenta Dilma é para ser lembrada sempre. Cândida fica brava quando qualificam os militantes de arruaceiros. “Distorcem os fatos. Em vez de as pessoas terem orgulho da minha avó, por ela ter lutado pela democracia, tem gente que a rotula de assassina” – diz Cândida. Uma triste lembrança de Cândida foi quando pesquisou sobre a avó no site dos desaparecidos políticos do Brasil. Na página da avó havia relato da tortura que Heleny sofreu. “Foi pesado, chocou-me bastante” – lembra.

Para Cândida, Heleny era uma pessoa muito mais ligada às causa da militância do que ao convívio da família. “Quando se vive clandestino, o afastamento é algo natural” – relata. Na sua visão, o corpo de sua avó faz mais falta para a sociedade do que para a família. Ela acha mais triste não haver os túmulos oficiais dos desaparecidos políticos do que somente o túmulo da sua avó. “O grande problema são os torturadores ainda andarem impunes a essas atrocidades” – lamenta Cândida.

Desaparecida em 1971

Heleny: casamentoPaulista de Bebedouro, Heleny, para nós Lenita, foi casada com Ulisses Telles Guariba, professor de história na USP. Tiveram dois filhos – Francisco e João. Ela se especializou em cultura grega, trabalhou em teatro e deu aulas na Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD). Em 1965, recebeu uma bolsa de estudos do Consulado da França em São Paulo, especializando-se na Europa até 1967. De volta ao Brasil, dirigiu um grupo de teatro em Santo André. Em março de 1970, foi presa pela primeira vez por pertencer à Vanguarda Popular Revolucionária, VPR.

Heleny foi torturada na Operação Bandeirante (DOI-Codi/SP) pelos capitães Albernaz e Homero. Ficou dois dias internada no Hospital Militar, em razão de hemorragia provocada pelos espancamentos, até ser transferida para o Dops/SP e depois para o Presídio Tiradentes. Solta em abril de 1971, ela se preparava para deixar o país quando, em 12 de julho, foi presa no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi. Familiares e advogados fizeram buscas nos órgãos de segurança mas seu corpo nunca foi encontrado, apesar dos esforços do sogro, Francisco Guariba, um general que se opôs à ditadura e fez tudo para encontrar a nora, embora ela estivesse separada de seu filho, Ulisses, há quase dois anos.

A prisão e o desaparecimento de Heleny foram relatadas por Inês Etienne Romeu. Ela testemunhou que, durante o período em que esteve sequestrada no sítio clandestino em Petrópolis (RJ), chamado de “Casa da Morte”, ali esteve, dentre outros desaparecidos, uma moça, que acredita ser Heleny. Lá, ela foi torturada por três dias, inclusive com choques elétricos na vagina.