Desaparecida desde 1971, paradeiro de Heleny Guariba continua desconhecido

Família da dramaturga, companheira da presidenta Dilma Rousseff na prisão, lamenta a falta de informações

(Foto: Arquivo Pessoal/Arte Jornal Brasil Atual)

São Paulo – Ainda reside em Bebedouro, na Avenida Raul Furquim, Ruth Caetano Belo, de 87 anos, uma tia de Lenita – como Heleny Telles Ferreira Guariba era carinhosamente tratada pela família. Rachel, 99 anos; Noêmia, 92; e Levy, 89, também moram na cidade – Eunice Maria, de 79, uma tia mais nova, reside em Barretos.

A bebedourense, desaparecida política desde 1971 – hoje ela teria 70 anos –, foi casada com o professor universitário Ulisses Telles Guariba, com quem teve dois filhos: Francisco, hoje com 49 anos, e João Vicente, com 44.

Dona Ruth, aposentada, trabalhou na Escola Estadual Abílio Manoel. O irmão dela, Isaac, pai de Lenita, era funcionário do Banco do Brasil e foi transferido para Paraguaçu Paulista quando Lenita tinha dois anos de vida. Com problemas respiratórios, Isaac foi para São Paulo com a família para se tratar, mas faleceu, em 1946. Lenita tinha cinco anos.

Dona Ruth conta que Heleny era “uma criança muito viva, muito esperta”, mas, com a morte de Isaac, ela perdeu o contato com a sobrinha. Porém, as fotos do período ela guarda com carinho. Como a da mãe de Lenita, dona Paschoalina, a Tita, ainda jovem, em 1945, com uma dedicatória à cunhada Noêmia. Ou como a de Heleny, mocinha, com a dedicatória: “À vovó e às tias, com todo o afeto da Lenita”. Outra foto guardada com zelo no velho álbum de dona Ruth é a de Isaac com a garotinha Heleny, em frente à casa da Rua Francisco Inácio, em Bebedouro. Segundo dona Ruth, “Tita” faleceu em 2009.

Heleny: Tia Ruth relembra trajetória da militante (Foto: Mauro Ramos)A tia de Lenita conta que a visitou já casada, em São Paulo, e achava que ela era diferente. “Sua casa não era arrumada nos padrões da época, era meio desorganizada”, diz dona Ruth, que completa: “Ela tinha muito livro. No quarto só tinha a cama e o guarda-roupa. A casa dela não era mobiliada como a casa de todo mundo”, lembra.

Hoje a tia compreende que isso denotava o caráter transformador e desprendido da sobrinha que, segundo imagina, deve ter sido companheira da presidenta Dilma Rousseff durante os tempos de chumbo da ditadura militar. Para ela, é muito triste não saber sequer dos restos mortais de Lenita. “Na época, o que chegou à família é que ela tinha sido esquartejada”, lamenta dona Ruth.

Influêcia

Em São Paulo, Lenita tornou-se Heleny Guariba. Graças a seu brilho intelectual, à criatividade artística e à coragem pessoal, aos 27 anos, ela surpreendeu a crítica ao montar o espetáculo Dorotéia, de Nelson Rodrigues, em 1968, na Escola de Artes Dramáticas da USP, onde lecionava havia um ano. “Ela era muito intensa, rigorosa, e isso se refletia nos trabalhos que fazia”, diz a aluna, a dramaturga Dulce Muniz, que escreveria uma peça em sua homenagem – Heleny, Heleny, Doce Colibri –, os espetáculos Nossa Cidade, de Luis Alberto de Abreu, e Sinal de Vida, de Lauro César Muniz, também se inspiraram na vida dela.

Heleny: Aluna destaca brilho da dramaturga (Foto: Leonardo Brito)Heleny fez doutorado de teatro em Paris e estagiou no Berliner Ensemble, de Bertold Brecht, no Théâthre de Cite, de Roger Planchon e no teatro de Peter Brooks, em Londres. Ao voltar da Europa, fundou, em Santo André, o Grupo Teatro da Cidade, que reunia operários e estudantes. A montagem que realizou com o grupo de Georges Dandin, de Molière, foi premiada em 1968 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte.

Heleny trabalhou com Augusto Boal, no Teatro de Arena, e, em 1969, montou um curso de intepretação com a atriz Cecília Thumim que despertou a vocação de jovens, como o ator e diretor Celso Frateschi, então com 18 anos: “Heleny me apresentou Stanislavski e Brecht, eu nunca tinha ouvido falar nada disso. Também me ensinou muito sobre estética teatral, mas a grande lição que ficou para mim da convivência com ela foi sua intensidade e radicalidade no modo de viver”, conta.

A essa altura, Heleny já era simpatizante da luta armada. Conta Dulce Muniz: “Só depois que fiquei amiga dela, soube que abrigara Carlos Lamarca, em 1965, na casa em que morava com o marido e os filhos pequenos, um enorme risco na época. Quando, no final de 1969, ela entrou para a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) deixou de dar as aulas de teatro e de participar do espetáculo “O casamento de Figaro”, de Beaumarchais. Nunca mais voltaria ao teatro, mas seu nome batiza hoje a sala de espetáculos do Teatro de Santo André e do Teatro de Mauá.

Leia na próxima edição do jornal Brasil Atual – A vida de Lenita em família e a família que ela criou no Presídio Tiradentes, inclusive com a presidenta Dilma Rouseff.