A comunista que evitou uma guerra para os brasileiros

A história da barretense que desafiou o governo Dutra, foi presa, mas acabou condecorada em Moscou

A filha de Elisa Branco Batista, Horieta, exibe o prêmio da Paz (Foto: Leonardo Brito)

Nascida em Barretos em 1912, Elisa Branco Batista é uma comunista brasileira, com reconhecimento internacional. Filha do casal português Carolina e José – ele um comerciante de madeiras, que faleceu quando ela tinha 6 anos –, Elisa viveu com a mãe e cinco irmãos na cidade até a idade adulta.

“Como aqui não tinha nada para a mulher trabalhar, fui para São Paulo onde aprendi a costurar com minha prima” – disse ela ao jornal Inverta, órgão oficial do Partido Comunista Marxista Leninista (PCML), do qual Elisa foi fundadora, no ano 2000.

Elisa começou sua militância política em Barretos, em 1945, ao assumir o Departamento Feminino do Comitê do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 1946, como vice-presidenta, participou da inauguração do Comitê Popular Democrático da Fortaleza, na Rua 22, número 1220, que defendia o bairro.

Na capital, lugar em que foi presidenta de honra da Federação das Mulheres de São Paulo ( Foto: Arquivo Pessoal)Na capital, foi presidenta de honra da Federação das Mulheres de São Paulo e vice-presidenta do Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz. Em 1950, num desfile de 7 de setembro, no Vale do Anhangabaú, desafiou o governo Dutra ao abrir uma faixa de cinco metros de extensão com os dizeres “Os Soldados, Nossos Filhos, Não Irão Para a Coreia”.

Aplaudida pela multidão, foi presa e conduzida ao Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS. Ficou oito dias incomunicável. Foi condenada a quatro anos e três meses de prisão. “Mas uma luta muito bem-feita obrigou o governo a desistir de mandar brasileiros para a guerra” – disse na ocasião.

Na prisão, Elisa alfabetizou detentas, ensinou corte e costura e higiene pessoal. Do lado de fora, organizou-se um movimento pela sua libertação, campanha da qual participou até a Rádio Central de Moscou. Depois de um ano e oito meses de cárcere, ela foi libertada. Em 1953, no Palácio do Kremlin, em Moscou, na União Soviética, recebeu o Prêmio Internacional da Paz.

Em 1958, Elisa Branco volta a Barretos, onde participa de um comício na Praça Conselheiro Antônio Prado (a Praça da Estação), quando um simpatizante da candidatura Carvalho Pinto sai esfaqueado “sem gravidade”, como destacou à época o jornal “Correio de Barretos”.

Em 1964, Elisa morava na Vila Mariana, em São Paulo, e foi importunada pelos militares. “Os bandidos do DOPS reviraram tudo e levaram um monte de fotografias pessoais” – contou à revista ISTOÉ. Em 1971, agentes foram buscá-la de madrugada, mas, aos berros, ela acordou a vizinhança. “Estão me levando.” A família ficou três dias sem informação, até que foi liberada por falta de provas. Elisa faleceu em 8 de junho de 2001, aos 87 anos, em São Paulo. Sua militância é reconhecida em trabalhos acadêmicos e livros. 

Nome branco, alma límpida

Campanha pela paz (Foto: Divulgação)Casada com Norberto, Elisa Branco teve duas filhas – Florita, em 1932, falecida em 2006, e Horieta, em 1934 – ambas cidadãs barretenses. Horieta mostra os cadernos, escritos a partir de 1996, em que Elisaconta passagens de sua vida. Numa delas, Elisa escreve sobre a morte do pai, José Branco, que se transferira para Campinas para se tratar de uma doença grave, quando um telegrama chegou à casa, em Barretos, para a mãe, Carolina, grávida da irmã Zulmira, informando a morte de José.

“Minha mãe chorou copiosamente, mas não ficou abalada por muito tempo, pois tinha que ter forças para sustentar a mim, a meus quatros irmãos e a minha irmã que estava pra chegar” – relata Elisa Branco. Após a morte do avô, Horieta lembra que a família passou por dificuldades financeiras, tendo de alugar os quartos do casarão em que nasceram, de 21 cômodos, para imigrantes que chegavam refugiados da guerra na Europa.

Horieta acredita que a dedicação de Elisa ao movimento comunista se deve à atitude humanista do avô – ele não se negava a ajudar as pessoas; era muito católico e dizia à esposa que nunca lhes faltaria nada se ajudassem a quem precisa – e aos livros anarquistas emprestados por um amigo da família. “O que eu sei, devo ao partido. Ser comunista é ter o saber” – escreveu ela.

A ideia do comunismo se disseminou na família. “Todos nós fomos contagiados pela luta da minha mãe, mulher de coragem, que enfrentou, sem titubear, as autoridades da época e mostrou sua audácia ao levantar uma faixa contra a guerra. Horieta lembra muito desse dia. Horieta estava presente no Vale do Anhangabaú.