Batalha inglória

Invisível e sem patrocínio, futebol feminino brasileiro resiste

Atletas, que sofrem com pouca estrutura e projeção na mídia, sonham com o fim da desigualdade

Leandro Martins/Allsports

Final de 2017 entre Santos e Corinthians. Premiação das campeãs santistas foi 141 vezes menor que a dos homens

São Paulo –No país do futebol, a modalidade feminina vive dias sombrios com baixos salários, saída da Caixa Econômica Federal como patrocinadora do campeonato brasileiro e praticamente nenhuma estrutura das equipes de base. Além disso, o preconceito contra as jogadoras também entra em campo no dia a dia do esporte.

Diante deste cenário, há iniciativas que buscam trazer mais atenção para a situação vivida pelo futebol feminino. O Corinthians iniciou, no final de abril, uma campanha contra o machismo sofrido pelas atletas. O pontapé inicial da campanha foi dado na partida em que a equipe paulista venceu, por 4 a 1, o São Francisco do Conde, da Bahia. Apesar de ocorrer na suntuosa Arena Corinthians, em Itaquera, estavam presentes apenas 4.000 pessoas, o equivalente a menos de 15% da média de público do time masculino neste ano.

“Já ouvi coisas horríveis dentro do estádio e mesmo nas redes sociais, após a campanha. Nas redes as pessoas não têm cara, por isso ofendem e atacam as outras”, conta a lateral-esquerda do Corinthians Yasmim Assis Ribeiro.

A jogadora explica os motivos e objetivos da campanha. “É a cultura, porque muita gente ainda acredita que o futebol feminino não é bom, ou não merece (visibilidade), mas merece sim, pois cada vez mais melhoramos em todos os quesitos do futebol. O que nós podemos fazer é continuar trabalhando e melhorando”, justifica.

Refletindo as dificuldades para superar estigmas e preconceitos, o próprio Corinthians se viu acusado de machismo após fazer uma “piada” no Twitter com a campanha em andamento. Ao comemorar a vitória contra o Palmeiras, o perfil do clube na rede social postou a frase “Respeita as minas” e “sem mimimi” com hashtags, se referindo a Leila Pereira, conselheira do Palmeiras. Após as críticas recebidas pela publicação, o clube apagou a mensagem e divulgou uma nota oficial pedindo desculpas, mas reclamando de “interpretações negativas”.

Desigualdade salarial

A discrepância entre os investimentos nos times masculinos e femininos é grande, assim como a visibilidade de cada um. Segundo levantamento publicado pela Unisinos, apenas 2,7% da cobertura midiática é destinada ao futebol feminino. No ano passado, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) destinou à equipe campeã do Brasileirão da categoria, o Santos, uma premiação de R$ 120 mil. O valor é 141 vezes menor do que o dado aos homens do Corinthians, que campeões brasileiros de 2017, 17 milhões de reais.

Além da discrepância nas premiações, o futebol feminino brasileiro sofreu mais uma perda nos últimos dias. Com o fim do patrocínio de R$ 10 milhões da Caixa Econômica Federal, única empresa apoiadora da competição, os times femininos perderam também transmissão televisiva, feita anteriormente pela TV Brasil, Sport TV e Band Sports, viabilizados pela empresa de marketing esportivo Sport Promotion. 

Para a lateral-direita do time paulista, Paula Andressa Santiago Baptista Pires, a Paulinha, o fim do patrocínio da Caixa representa um retrocesso para o futebol feminino. “Nós temos dado um passo de cada vez, ainda está longe de ser o ideal, e com o fim do patrocínio a modalidade enfraquece. Nós temos um campeonato com os melhores times do Brasil e não temos a visibilidade de que precisamos. As pessoas não sabem o que acontece, não sabem quem está jogando e não veem os resultados”, criticou a jogadora.

O Brasil também vai na contramão de países como a Noruega e Nova Zelândia. Os neozelandeses selaram um acordo de garantia de igualdade em termos salariais, prêmios e direitos de imagem para suas seleções masculina e feminina. Além de direitos iguais no deslocamento para jogos, com as jogadoras viajando em classes superiores nos voos de duração superior a seis horas, mesmo tratamento já dado aos homens.

Para Maurício Rodrigues, historiador e mestrando do Programa Mudança Social e Participação Política, da USP,  e autor da dissertação “Pelo direito de torcer: Movimentos e Coletivos de Torcedores contrários ao Machismo e à Homofobia no Futebol”, a ausência de incentivo se relaciona com o machismo enraizado no esporte de uma forma geral e também com a atuação da CBF.“Ainda há muito pouco apoio no plano do Estado, e é importante considerar o papel da CBF e o pouco investimento feito no futebol feminino desde a década de 1980, quando começa a ter uma seleção brasileira feminina, até agora.”

O historiador pontua a necessidade de se elaborar “políticas públicas com reflexos nas escolas e também no comportamento das famílias. A partir da inserção das meninas para gostarem de futebol, o que também é um universo demarcado por performances de gênero.”

Rodrigues também lembra o caso de Emily Lima, ex-técnica da seleção feminina brasileira de futebol, como exemplo de resistência e da importância das mulheres na gestão da modalidade.

“Ela começou a fazer um trabalho como técnica da seleção, alguns meses depois fez uma campanha equiparável a outros técnicos no início de preparação e mesmo assim foi demitida, sem maiores explicações, para se recolocar o técnico anterior. Percebe-se que ainda há relutância na participação de mulheres em cargos de comando no futebol”, sustenta.

Mesmo com as inúmeras dificuldades, Paulinha projeta dias melhores. “Sonho em ver as próximas gerações tendo o que eu não tive no passado, que elas tenham uma estrutura porque não tive nada, meu começo foi muito difícil. E que realmente lá na frente o futebol feminino seja mais forte, muito mais do que é hoje.”

Em nota, a Caixa Econômica Federal, afirmou que o futebol feminino não foi incluído inicialmente na estratégia do futebol em 2018 e que o proponente – a CBF – reapresentou uma nova proposta recentemente, ainda em análise.